Protetores invisíveis (Uma história)
“Sim, os Espíritos vos amam... vos têm piedade, cuidam
de vossos dias e afastam de vós todo mal que vos pode
acontecer, como a mãe cerca o filho de todos os cuidados
mais delicados...” - São Luís (Revista Espírita de
dezembro de 1868.)
A criança brinca, enquanto a mãe prepara o almoço.
Atarefada, movimenta com destreza os utensílios e os
alimentos. A atenção e o prazer com que prepara os
pratos, sem dúvida, dão o cheiro delicioso e a boa
aparência à comida. Vez ou outra, olha o menino
entretido com os brinquedos.
Enfastiado da longa e solitária brincadeira, o garoto
abandona o local e segue pelo corredor, indo à frente da
casa, onde há sol e o movimento da rua. Ali, os pássaros
também gostam de brincar, pulando dos fios aos galhos
das árvores.
Distraído, com passinho miúdo, aproxima-se do portão e
vê um homem grande, parado, olhando para ele. Para,
indeciso, já virando as perninhas para voltar. O homem o
detém, portão entreaberto, meio corpo para dentro.
– Ei, menino, não tenha medo! A mamãe está?
O vulto desproporcional e inesperado assusta a criança
que, mesmo assim, surpreendentemente, não se descontrola
e o olha com desconfiança.
– Está, não é? Então, vá dizer a ela que eu estou
pedindo dinheiro.
O menino, vendo-se liberto, corre em busca da mãe. Entra
pela cozinha e transmite o recado do homem grande que
está no portão.
O coração da mulher dispara em alerta, como que
acionando, de imediato, a percepção do que estava
ocorrendo. Sem fazer qualquer pergunta, lança-se sobre a
carteira, em cima do armário, tira uma nota e corre,
opressa.
Encontra uma das folhas do portão semiaberta e o homem,
em postura invasiva, sorrindo em sua direção, mas
imóvel.
Ela, talvez incorporando forças desconhecidas, estende o
braço exibindo a nota e parte para entrega-la ao homem.
Pensa apenas no filho que está lá dentro e pouco lhe
importa se tiver que lutar para defende-lo.
O estranho, dando a nítida impressão de que se tinha
algum plano na cabeça, já desistiu de executá-lo, pega o
dinheiro e avisa, entre cínico e verdadeiro:
– A senhora procure não deixar o seu portão aberto,
assim ... Há tanta gente... Há tanta maldade hoje em
dia!
Dá as costas e some. A mãe entra rapidamente. Suas
pernas tremem sem controle. Tranca a porta, pega o filho
nos braços e o aperta forte contra o peito, num abraço
infinito, agradecendo a Deus, muito, muito... (*)
(*) Texto originalmente publicado no
livro Um sorriso como resposta, Mythos, 2011.
|