Artigos

por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

O permeado e o insulado


É comum em atividades espíritas como estudos, artigos e palestras se utilizar de referências não espíritas. Músicas, filmes, livros são utilizados como auxílio metodológico para tornar determinados conceitos mais fáceis de serem compreendidos, como uma forma de ter um Espiritismo que seja mais permeável ao cotidiano, menos insulado.

Tal abordagem, no entanto, não é consensual, chegando alguns ao extremo de não só usar referências espíritas, mas também recomendar que fora da casa espírita, se consuma, em termos de cultura, apenas o que for enquadrado como espírita, o que a princípio seria o produzido pelo movimento com esse selo, digamos assim.

Interessante discussão e que provoca profundas reflexões. A primeira é do que seria exatamente uma produção espírita, se é a feita no contexto do movimento espírita ou aquela que se alinha com os ideais da doutrina. Muita produção realizada dentro e fora do campo religioso sintoniza com os ideais da doutrina espírita, algumas não integralmente, e o caso mais comum é quando ouvimos que certo filme é espírita, e ao assisti-lo, vemos inúmeros equívocos doutrinários.

A segunda é se devemos ter uma postura insulada, consumindo em todas as dimensões culturais apenas aquilo que nós produzimos como movimento. Uma postura que se choca com a ideia de que o Espiritismo nos prepara para o mundo, para a rua, o trabalho e a família, nos dando elementos para que sejamos o melhor de nós nesses espaços.

Essas discussões conduzem a visão que temos da vivência espírita e do seu papel em nossa vida. Queremos um Espiritismo que nos insule em uma redoma, ou que nos prepare para enfrentar os desafios do mundo? Queremos ter um pensamento autônomo e decidir com convicção, ou ficar presos a eterna vigilância?

Quando falamos que o Espiritismo é diferente de outras denominações, é pela sua relação menos hierárquica, menos sectária e mais permeável em relação a sociedade. Como dizia Kardec: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más”, e Jesus afirmava que seus discípulos serão reconhecidos por muito se amarem.

Como ser reconhecido no isolamento do mundo, na bolha de uma crença. A necessidade de se viver no mundo, com pessoas de diversas formas de pensamento, é essencial, como forma de amadurecimento espiritual e desenvolvimento do nosso discernimento. Já vimos esse insulamento em outras fases da história e ele leva a consequências desastrosas.

Às vezes idolatramos a pessoa que “vive no centro”, que só consome material como o “selo espírita”, e que despreza o mundo, decepcionada, mas que esquece é que na vivência cotidiana é que está a estrada da nossa evolução, e que o Espiritismo não é credencial evolutiva, e sim ferramenta de auxílio no avanço como espírito.

Viver o mundo, enfrentar o mundo, e ver no mundo, para além dos portões da casa espírita, espaços de crescimento e aprendizado. Na casa espírita nos fortalecemos, aprendemos e refletimos sobre os desafios diários, fora daquele microcosmo, para que sejamos espíritos melhores ao final da encarnação, enfrentando as lutas cotidianas.

O conhecimento espírita é essa lente de que dispomos como forma de interpretar o mundo, nos auxiliando nos processos decisórios, nos embates, nos momentos de alegria e de dor. Mas para funcionar, precisa ser permeado pela realidade, para que não se converta em ilusão pela interpretação de almas aprisionadas.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita