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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

E se?


Na minha juventude era um amante dos gibis da Marvel, que após 2010 se converteram em filmes de estrondoso sucesso no cinema. Dentre as histórias que marcaram uma geração, uma série de que eu gostava muito era “E se...”, que recentemente virou uma animação em três temporadas no streaming da Disney.

Nessa série de histórias, um personagem chamado Vigia, que observava o universo, conjecturava situações, novas trajetórias diante de acontecimentos centrais. Algo do tipo: e se Steve Rogers não tivesse tomado o soro de super soldado e se transformado no Capitão América, e a partir dessa mudança nesse evento, se construía a narrativa condicional de toda uma linha de tempo.

Gostamos dessas histórias pois como humanos somos capazes de reproduzir essa experiência, imaginando um outro futuro caso algo não acontecesse, construindo cenários, projeções. Fazemos isso o tempo todo, aliás.

Essa capacidade é uma benção e uma maldição, pois nos escraviza nas reflexões sobre que rumos nossa vida teria tomado se fizéssemos isso ou aquilo. Uma tortura mortal que mistura arrependimento com auto comiseração e que nos leva a não só não aceitar o presente, mas também a ficar buscando um passado interpretado e que não conseguiremos mudar.

Apesar de ser lógico ver que insistir nesse “E se...” é danoso, nosso emocional fica preso a essa ideia, tentando explicações ou na busca de atribuir culpas. E para nós, espíritas, existe um complicador desse processo, que é o conceito de planejamento reencarnatório.

Sim, ficamos pensando que deixamos de fazer algo, e tudo deu errado, pois não cumprimos o nosso planejamento reencarnatório, quase um destino inexorável que como um grilhão nos prende a execução de etapas, por vezes vistas de forma quase mecânica.

Em uma reflexão libertadora, interessante verificar que se prender ao que poderia ter sido não é possível, pois o caminho alternativo que projetamos poderia ter sido diferente, e não tão otimista quanto pensamos.

Além disso, a luta reencarnatória cotidiana é uma construção em que temos sim um planejamento, como instrumento de auxílio evolutivo, mas as coisas vão acontecendo e vamos decidindo de acordo com as nossas limitações espirituais e assim, fazendo o possível, que por vezes é o nosso melhor.

O presente é fruto de escolhas e situações que se apresentam, de nossas decisões, e do conjunto de provas e expiações que se fazem necessárias para o nosso estágio evolutivo. Uma construção para a qual não temos o projeto de forma explícita, e sim intuições, exatamente para que não sejamos escravos mecânicos de um destino a ser cumprido.

E para complicar, isso tudo se dá num coletivo, onde dependemos de outras pessoas, que encarnam conosco e que comungam de compromissos e laços em comum. A evolução é um processo individual, mas só tem sentido no coletivo.

Por isso, olhar para o passado é só para a aprendizagem, e não para a lamentação. Se não tomamos a decisão certa naquele momento, fizemos o que demos conta. E quem poderia dizer que seria tão feliz aquele caminho escolhido. Diante de cada escolha, surgem novas possibilidades, e novas chances de crescer e aprender.

Na insegurança do caos de um mundo complexo, gostamos de acreditar em um determinismo mecânico, mas não é isso que está lá na Doutrina espírita, também revolucionária nesse sentido.

Importa o caminhar, colher as flores do caminho, e pular as pedras, e aceitar os tropeços, enxergando que estes podem ser livramentos e que coisas boas que sonhávamos podiam ser apenas “cantos de sereia” para nos arrastar ao fundo do oceano. 


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita