E se?
Na minha juventude era um amante dos gibis da Marvel,
que após 2010 se converteram em filmes de estrondoso
sucesso no cinema. Dentre as histórias que marcaram uma
geração, uma série de que eu gostava muito era “E
se...”, que recentemente virou uma animação em três
temporadas no streaming da Disney.
Nessa série de histórias, um personagem chamado Vigia,
que observava o universo, conjecturava situações, novas
trajetórias diante de acontecimentos centrais. Algo do
tipo: e se Steve Rogers não tivesse tomado o soro de
super soldado e se transformado no Capitão América, e a
partir dessa mudança nesse evento, se construía a
narrativa condicional de toda uma linha de tempo.
Gostamos dessas histórias pois como humanos somos
capazes de reproduzir essa experiência, imaginando um
outro futuro caso algo não acontecesse, construindo
cenários, projeções. Fazemos isso o tempo todo, aliás.
Essa capacidade é uma benção e uma maldição, pois nos
escraviza nas reflexões sobre que rumos nossa vida teria
tomado se fizéssemos isso ou aquilo. Uma tortura mortal
que mistura arrependimento com auto comiseração e que
nos leva a não só não aceitar o presente, mas também a
ficar buscando um passado interpretado e que não
conseguiremos mudar.
Apesar de ser lógico ver que insistir nesse “E se...” é
danoso, nosso emocional fica preso a essa ideia,
tentando explicações ou na busca de atribuir culpas. E
para nós, espíritas, existe um complicador desse
processo, que é o conceito de planejamento
reencarnatório.
Sim, ficamos pensando que deixamos de fazer algo, e tudo
deu errado, pois não cumprimos o nosso planejamento
reencarnatório, quase um destino inexorável que como um
grilhão nos prende a execução de etapas, por vezes
vistas de forma quase mecânica.
Em uma reflexão libertadora, interessante verificar que
se prender ao que poderia ter sido não é possível, pois
o caminho alternativo que projetamos poderia ter sido
diferente, e não tão otimista quanto pensamos.
Além disso, a luta reencarnatória cotidiana é uma
construção em que temos sim um planejamento, como
instrumento de auxílio evolutivo, mas as coisas vão
acontecendo e vamos decidindo de acordo com as nossas
limitações espirituais e assim, fazendo o possível, que
por vezes é o nosso melhor.
O presente é fruto de escolhas e situações que se
apresentam, de nossas decisões, e do conjunto de provas
e expiações que se fazem necessárias para o nosso
estágio evolutivo. Uma construção para a qual não temos
o projeto de forma explícita, e sim intuições,
exatamente para que não sejamos escravos mecânicos de um
destino a ser cumprido.
E para complicar, isso tudo se dá num coletivo, onde
dependemos de outras pessoas, que encarnam conosco e que
comungam de compromissos e laços em comum. A evolução é
um processo individual, mas só tem sentido no coletivo.
Por isso, olhar para o passado é só para a aprendizagem,
e não para a lamentação. Se não tomamos a decisão certa
naquele momento, fizemos o que demos conta. E quem
poderia dizer que seria tão feliz aquele caminho
escolhido. Diante de cada escolha, surgem novas
possibilidades, e novas chances de crescer e aprender.
Na insegurança do caos de um mundo complexo, gostamos de
acreditar em um determinismo mecânico, mas não é isso
que está lá na Doutrina espírita, também revolucionária
nesse sentido.
Importa o caminhar, colher as flores do caminho, e pular
as pedras, e aceitar os tropeços, enxergando que estes
podem ser livramentos e que coisas boas que sonhávamos
podiam ser apenas “cantos de sereia” para nos arrastar
ao fundo do oceano.
|