Cá estou eu
falando, outra vez, de meu amigo
José. É que a vida desse moço
é tão rica de fatos
interessantes que não consigo
segurar a vontade de contar. De
repente eu morro e aí, ó, lã se
vão os exemplos que eu pude
colher desse jovem senhor que
trocou Piracicaba, sua terra
natal, por Garça, ambas no
interior de São Paulo, para
desenvolver sua vida.
Morávamos, ele
e eu, ambos solteiros, no fim de
uma bela avenida que começava na
Praça do Cine Central. Era um
quilômetro, mais ou manos, de
caminhada que a gente fazia
trocando idéias, recordando
fatos, analisando a vida, todas as
vezes que nos dispúnhamos ir ao
cinema.
Pois bem, um
belo dia, nem tão belo assim,
chegando ao cinema, ao levar a
mão ao bolso de trás, para tirar
o dinheiro com que pagar os
ingressos, um susto!
– Ih! Arthur,
perdi a carteira! Deve ter sido
quando eu tirei o lenço, sei lá!
Fiquei
"arrebentado" como
costuma dizer meu caseiro
Bernardo! Era dinheiro demais! Dez
contos de réis! Isso em 1953,
cinqüenta e tantos anos atrás!
Eu ganhava dois contos por mês!
Cinco vezes o meu salário!
Demos
meia-volta e voltamos pra casa,
pelo mesmo caminho, procurando,
ele e eu, em cada esquina, em cada
passo, em cada sarjeta, o dinheiro
perdido. Nada! Chegamos em casa,
procuramos lá dentro, e nada!
Definitivamente nada! Eu estava
arrasado; comecei a lamentar. Por
ele, por nós, pelo mundo! E
resmungava e reclamava e sofria...
Não era para menos. Dez contos de
réis!
Foi quando o
Zé me olhou, calmo e sereno, e me
deu a grande lição de que me
tenho valido muito até hoje.
– Arthur, eu
já esqueci. Fiz o que tinha que
fazer. Voltei, procurando reaver o
que, por meu descuido, eu perdi.
Não consegui. Fato consumado; o
prejuízo está feito. Não
permitamos, no entanto, que ele se
transforme num prejuízo maior: o
desequilíbrio da mente,
instalando mágoa indevida na
intimidade do ser, comprometendo
seriamente a nossa saúde.
Fim de papo.
Nunca mais voltamos a falar nesse
assunto.
Como me tem valido na vida esse
exemplo do Zé! Possa ele servir
também a quem o quiser seguir.