A
curiosidade não mata
"...ao
fim do dia interrogava minha
consciência..."
Santo
Agostinho (1)
A
curiosidade matou o gato. Pode
ser. Mas tudo indica que não.
Quando somos curiosos, cada
descoberta é uma
satisfação. Mesmo quando se
trata das tais "surpresas
desagradáveis", o ato de
descobrir sempre nos faz
crescer mais um pouquinho.
Lembro-me
do Aquamóvel. Era um
carro a pilha. Colocávamos
água em seu tanque, como se
fosse gasolina. Ele batia e
voltava, tocava sirene e suas
luzes piscavam... Quando meu
pai chegou em casa com aquele
presente, parecia mais feliz
que eu. O carro me fascinou
tanto que, por curiosidade,
acabei desmontando. Meu desejo
era conhecê-lo por dentro. O
problema é que não consegui
montá-lo novamente.
Minha mãe
deu bronca:
—
"Mas seu pai nem pagou a
segunda prestação."
Eu não
sabia o que era prestação
(que época boa é a
infância), mas, no fim, minha
mãe entendeu que a
curiosidade era muito forte.
Não seria uma prestação
ainda não paga que
justificaria inibir a
curiosidade infantil.
Foi um
capítulo bacana da minha
vida.
A alma
humana: alvo de curiosidade -
Existem muitas coisas
interessantes no mundo...
coisas que aguçam a nossa
curiosidade. Porém, nada se
compara a alma humana, a mais
complexa e intrigante
invenção de Deus. Um oceano
a se descobrir.
Não é
nada fácil navegar nesses
mares bravios da intimidade da
alma. Mas é profundamente
instigante... desafiador.
Tempestades,
calmarias, redemoinhos,
monstros... dúvidas,
paixões, carências,
condicionamentos,
preconceitos...
Por isso,
muitos navegam pelas
margens... próximo a praia
(mesmo correndo risco de
encalhar), dizendo que
conhecem tudo em sua
profundidade. Não enfrentam.
É o auto-engano.
Cultura da
curiosidade - Temos que
alimentar a curiosidade. Quem
é curioso deseja conhecer. E
somente quem gosta de conhecer
procura se autoconhecer.
Nesse
contexto a humildade é muito
importante, pois só é
verdadeiramente curioso quem
se dá conta que é um ser
inacabado e mutável. É
difícil um
"sabe-tudo" ser
curioso, pois a curiosidade é
alimentada pela consciência
da própria ignorância. E
pela consciência da
complexidade que mora em cada
um de nós. É preciso criar a
cultura da curiosidade e, é
lógico, a cultura da
humildade.
Decifrando
enigmas - A curiosidade
faz enfrentarmos adversidades.
O homem quis mergulhar nos
oceanos.... desejou pisar na
Lua, conhecer outros
planetas... conhecer as
entranhas da Terra... escalar
as mais altas montanhas...
descobrir curas para
doenças... avançar em
técnicas cirúrgicas...
Nisso tudo
há paixão, propósito,
esforço, curiosidade.
Quando se
trata de autoconhecimento não
é diferente. Precisamos de
esforço, dedicação e
disciplina para organizar essa
desordem que mora em nossas
mentes. Ou para, pelo menos,
entendê-la.
É
difícil... claro. Mas para
quem adora desafios, nada
melhor do que orar, olhar para
dentro de si, meditar
profundamente sobre a própria
essência.
É assim
que conseguiremos ouvir um
sussurro, bem baixinho, da
esfinge mítica a nos propor:
"Decifra-me ou te
devoro".
Ou
iniciamos agora esse processo
de autoconhecimento e
auto-reforma, ou seremos
devorados por nossas paixões,
nossos medos, preconceitos e
ignorância.
É mais
difícil que desmontar e
montar novamente o Aquamóvel...
Mas vale a pena.
(1)
KARDEC,
Allan. O Livro dos Espíritos,
item 919, a.