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Entrevista
Ano 1 - N° 12 - 4 de Julho de 2007
ELZA GUAPO
elzaguapo@gmail.com
Astorga, Paraná (Brasil)

Hugo Gonçalves:
"Tropeçando é que andamos mais rápido"

 

Ainda lembramos a alegria que sentimos por havermos passado algumas horas com o estimado confrade e amigo Hugo Gonçalves (foto), fundador e diretor do jornal "O Imortal", de Cambé (PR), para ouvir seus casos, suas anedotas, seu riso contagiante, sua alegria, sua experiência de 93 anos de vida, completados em outubro do ano passado.    Entrevista   marcada,   fomos   recebida
carinhosamente  por  ele  em  sua  casa, repleta de

flores por dentro e adornada por um belo jardim com muitas, muitas flores, que ele nos diz adorar. O texto que se segue resume a entrevista que nos foi concedida.

- O senhor é um exemplo para todos os espíritas de nossa região, pelos anos de vivência na Doutrina Espírita e pelos seus exemplos. Como se sente ao completar 93 anos?

"Eu me sinto ainda como um jovem que nada fez até agora, ansioso por realizar alguma coisa. Gostaria de já ter realizado, mas sinto que ainda há muito por fazer."

- Quantos anos o senhor tem de Doutrina Espírita?

"Nasci em berço espírita. Quem me pegou, me deu os primeiros tapas ao nascer, foi Cairbar Schutel. Eu tive esta felicidade de ter nascido pelas mãos dele. Ele foi para mim um grande mestre e um grande amigo, além de um pai. Sou espírita, portanto, há 93 anos e alguns meses."

- O que mais o emociona ou emocionou em sua vida, tão cheia de fatos marcantes?

"Duas datas foram marcantes para mim: o dia do meu casamento com Dulce e o dia em que eu recebi a primeira mensagem dela depois de desencarnada. Esta mensagem me trouxe muita força, muita coragem, orientações que ela me passou, conselhos, estímulo para continuar vivendo. Ela foi uma grande companheira, não foi uma esposa, foi uma namorada. Nós tivemos 70 anos de namoro, graças a Deus."

- O senhor gostaria de comentar alguma coisa sobre o dia de seu casamento?

"Lembro-me dele como se fosse hoje. Casamo-nos no dia 21 de setembro, dia da árvore, em Matão, a cidade onde eu nasci, cresci, fiquei bobo e casei... (risos) Isso foi em 1935, na presença de Cairbar Schutel, que foi quem fez o discurso, me estimulou muito, me mostrando a nova caminhada que iniciávamos naquele momento. Foram belas palavras que me marcaram até hoje."

- Como o senhor vê o movimento espírita hoje, comparativamente com o passado?

"Em alguns setores o Espiritismo está satisfazendo e atendendo às necessidades. Em outros setores, infelizmente, falta alguma coisa. Isto é do homem, não é do Espiritismo, pois nós fazemos o movimento. Podemos elevá-lo ou diminuí-lo, dependendo do nosso procedimento, nossa atitude, e acima de tudo do nosso exemplo, porque a palavra sempre eleva, mas o que arrasta mesmo é o exemplo."

- Qual é o setor que, em sua opinião, está deixando a desejar?

"Hoje o que nos preocupa bastante é a juventude. Aquela chamada estrada larga de que Jesus nos falou está aí, escancarada, e salvo algumas exceções a nossa mocidade parece não estar preparada para a situação do momento. Ainda ontem, passei em frente a um clube e vi muitos jovens fazendo uso de bebidas, deixando-se levar pelos vícios e lembrei-me das palavras que Cairbar me transmitiu, através de um médium em Ponta Grossa. Ele me falou da grande necessidade de falar do Evangelho para a juventude, pois a juventude está tomando caminhos que não são os traçados por Jesus. Todos os domingos, faço como minha mãe fazia conosco: reúno todos os filhos, noras, netos, bisnetos, para falar de Jesus, falar da Doutrina. Cada domingo a reunião é feita na casa de um dos filhos. Todos participam, comentam o Evangelho, e isto é um motivo de muita alegria para a minha velhice."

- Sendo o Brasil o maior país católico do mundo, o maior país espírita do mundo, como se explica, a seu ver, a vitória do NÃO no recente plebiscito sobre desarmamento. Estará o povo ainda tão equivocado quanto às leis de Deus?

"O homem não está preparado ainda. Está muito ligado às coisas materiais e tem medo do futuro. Então, precisa estar armado para se defender, como se isto pudesse defender alguém. Isso é um equívoco por parte dos dirigentes de nosso país, que nem deveriam fazer esta pergunta, bastava desarmar o povo e pronto. Isto é política, vamos deixar para lá e fazer a nossa política, que é a política do Cristo."

- A que se deve, em sua opinião, um número tão grande de homicídios, abortos, suicídios, num país considerado tão religioso como o nosso?

"Faltam-nos duas coisas: instrução e sabedoria. Faltam homens que tenham capacidade para criar novos rumos para nossa juventude e para a humanidade. Nosso mundo está passando por uma transformação. De um mundo de provas e expiações, caminha para um mundo de regeneração. Até lá, não sabemos o que vamos passar. Temos que lutar e confiar. Jesus não disse nunca que seria agora ou daqui a pouco. Devemos parar para pensar e analisar, dando nossa contribuição a este planeta, que é uma casa belíssima que Deus nos deu para nossa morada e nós não sabemos cuidar dela direito. Poluímos tudo, desmatamos. Este é o homem. Deus nos deu o livre-arbítrio, mas nos deu também o bom-senso. Somos responsáveis por tudo o que acontece no mundo."

- Será que a Religião, tanto a espírita quanto as demais, não está cumprindo o seu devido papel para com a sociedade?

"Com todo o respeito que tenho pela religião considerada oficial em nosso país e pelos religiosos que a dirigem, acho que ela não acompanhou a evolução. Ela se prendeu aos seus dogmas, seus rituais, seus sacramentos, e ali ficou sem sair do lugar. O Espiritismo, como o Consolador prometido, que veio para nos revelar todas as coisas, está nos despertando, está nos chamando e nos fala da pluralidade das existências, alertando-nos através dos Espíritos que conosco se comunicam, da nossa responsabilidade com relação a tudo o que acontece no planeta. Nós espíritas precisamos cumprir nosso papel, dar nosso exemplo sem medo, para que o mundo possa realmente se transformar para melhor."

- O senhor ainda lê muito? O que tem lido? Faz palestras? Viaja a convite de outros Centros Espíritas?

"Eu leio tudo, sempre gostei de ler, sempre fui curioso. Não sei dormir sem antes ler alguma coisa. Leio aquilo que é bom. Coisas que não me interessam, que dizem respeito só à vida material, eu evito, mas há coisas desta vida material que precisamos saber, então eu leio tudo e procuro fazer como recomenda o apóstolo Paulo: ler tudo e abraçar o que é bom."

- Há algum livro em especial que fica em sua cabeceira?

"Sem dúvida, o Evangelho, pois ali está tudo. Isto me lembra um indivíduo que dizia ser intuído pelos Espíritos em tudo que acontecia na sua vida. Tudo o que ele precisava saber, bastava abrir o Evangelho ao acaso e encontrava a resposta. Um dia ele estava na varanda de sua casa com o Evangelho na mão e começou uma chuva que desencadeou uma tempestade terrível. Ao lado dele, estava um gato, e um raio, ao cair, alcançou o gato e o matou imediatamente. Ele pensou: Meu Deus, como os Espíritos me ajudam! O raio atingiu minha casa, pegou o gato e nada me aconteceu. Vou abrir o Evangelho e sei que encontrarei a resposta para isto. Abriu então o Evangelho e leu: Se fosse um homem de bem teria morrido.. (risos) Quanto às palestras e viagens, continuo falando enquanto me chamarem. Eu sou de todos."

- Falando dessas viagens em visita a outros centros, lembramos Kardec, que também viajava pela França para conhecer as casas espíritas. O senhor aprova todos os centros que visita? E será que Kardec os aprovaria?

"Sempre respeito o livre-arbítrio de cada um, o que não significa que eu aprove tudo o que vejo por aí, como as coisas que denigrem a doutrina, que são falhas do homem, pois a Doutrina é pura. Há muita falta de estudo, muito fanatismo. Eu procuro não agredir, mas esclarecer os equívocos que encontro por aí. Devemos lembrar o que nos disse o Espírito de Verdade: Espíritas: amai-vos, eis o primeiro ensinamento; instruí-vos, eis o segundo."

- A Medicina mudou muito seus conceitos nos últimos tempos com relação à prece, à fé, à cura de doenças através da oração. O que o senhor acha disso?

"Tudo evolui, a Medicina evolui e a religião também. O homem ainda tropeça, mas tropeçando é que andamos mais rápido para não cair. A ciência precisa se unir à religião para completar o trabalho que deve ser feito. Mas podemos ver uma grande mudança, com a medicina aceitando a prece como fator de ajuda na cura de doenças."

- Qual a sua opinião com respeito aos médiuns de cura?

"Existem bons médiuns, criteriosos, que já passaram por aqui. Mas, precisamos tomar muito cuidado para não confundirmos as coisas. Devemos estudar profundamente a Doutrina para não cometermos equívocos que podem ser evitados. O espírita tem o dever de estudar e saber separar o joio do trigo. Muitos podem ser curados pela fé, mas não podem esquecer que o corpo precisa ser curado, sim, pois um corpo doente não dá grandes oportunidades ao espírito, mas se não curarmos o espírito, se não fizermos em nós a transformação necessária, a cura não se efetivará. Lembremos que tudo vai depender do merecimento de cada um."

- No próprio meio espírita, o senhor acha que ainda há maior interesse pelo fenômeno, em detrimento da Doutrina?

"O que nós presenciamos é que as pessoas estão muito ansiosas pela cura, pelas coisas materiais. Há pessoas que procuram o Centro Espírita para ver se melhoram a situação financeira. O Espiritismo veio para curar almas, espíritos. Se o espírito estiver fortalecido, tudo o mais será dado por acréscimo."

- O que o senhor poderia nos contar sobre o seu dia-a-dia no atendimento e no trato com tantas pessoas, com idéias e necessidades diferentes em todos esses anos?

"Certa vez apareceu no Centro para conversar comigo uma senhora, vinda de uma cidade do Estado de São Paulo. Disse que era médium e que precisava muito trabalhar, que eu lhe desse essa oportunidade. Eu, muito inocente, permiti que ela trabalhasse no grupo mediúnico. Nas duas primeiras reuniões ela até que foi bem. Na terceira, ela incorporou um médico que dizia chamar-se Dr. Charles e que havia curado, durante a reunião, duas pessoas que estavam ali presentes. Eu então perguntei ao Espírito quem eram essas pessoas e que doença elas tinham. O Espírito não gostou da minha pergunta, disse que não estava ali para dar explicações de seus feitos. Disse ser um grande médico, acostumado a trabalhar em grandes centros, e não em um "centrinho" como o nosso. Eu então lhe disse: - Olhe, Dr. Charles, acho que o senhor está no endereço errado mesmo, nós não somos um grande centro como o senhor deseja. - Então, vou-me embora, disse o pretenso médico-espírito. Eu lhe disse: - Vá na paz de Deus, meu amigo. Depois disso, a médium incorporou um outro Espírito que disse : - Eu sou Joana d’Arc, e vou limpar este ambiente com a minha espada. Eu então lhe respondi: - Olhe dona Joana, nosso Centro é pequeno, mas é limpo, nós sempre limpamos muito bem com espanador, com água, não precisa ser limpo com espada não. Não é nem preciso dizer que o Espírito se afastou e a médium também nunca mais apareceu. Este caso ilustra bem e nos alerta quanto à vigilância que devemos ter. Serviu-me de lição e que sirva para outros. Para participar de um grupo mediúnico é preciso muito estudo e preparo, para que não ocorram esses imprevistos."
 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita