"Eu me
sinto ainda como um jovem que nada
fez até agora, ansioso por
realizar alguma coisa. Gostaria de
já ter realizado, mas sinto que
ainda há muito por fazer."
- Quantos anos
o senhor tem de Doutrina
Espírita?
"Nasci em
berço espírita. Quem me pegou,
me deu os primeiros tapas ao
nascer, foi Cairbar Schutel. Eu
tive esta felicidade de ter
nascido pelas mãos dele. Ele foi
para mim um grande mestre e um
grande amigo, além de um pai. Sou
espírita, portanto, há 93 anos e
alguns meses."
- O que mais o
emociona ou emocionou em sua vida,
tão cheia de fatos marcantes?
"Duas
datas foram marcantes para mim: o
dia do meu casamento com Dulce e o
dia em que eu recebi a primeira
mensagem dela depois de
desencarnada. Esta mensagem me
trouxe muita força, muita
coragem, orientações que ela me
passou, conselhos, estímulo para
continuar vivendo. Ela foi uma
grande companheira, não foi uma
esposa, foi uma namorada. Nós
tivemos 70 anos de namoro, graças
a Deus."
- O senhor
gostaria de comentar alguma coisa
sobre o dia de seu casamento?
"Lembro-me
dele como se fosse hoje.
Casamo-nos no dia 21 de setembro,
dia da árvore, em Matão, a
cidade onde eu nasci, cresci,
fiquei bobo e casei... (risos)
Isso foi em 1935, na presença de
Cairbar Schutel, que foi quem fez
o discurso, me estimulou muito, me
mostrando a nova caminhada que
iniciávamos naquele momento.
Foram belas palavras que me
marcaram até hoje."
- Como o senhor
vê o movimento espírita hoje,
comparativamente com o passado?
"Em alguns
setores o Espiritismo está
satisfazendo e atendendo às
necessidades. Em outros setores,
infelizmente, falta alguma coisa.
Isto é do homem, não é do
Espiritismo, pois nós fazemos o
movimento. Podemos elevá-lo ou
diminuí-lo, dependendo do nosso
procedimento, nossa atitude, e
acima de tudo do nosso exemplo,
porque a palavra sempre eleva, mas
o que arrasta mesmo é o
exemplo."
- Qual é o
setor que, em sua opinião, está
deixando a desejar?
"Hoje o
que nos preocupa bastante é a
juventude. Aquela chamada estrada
larga de que Jesus nos falou está
aí, escancarada, e salvo algumas
exceções a nossa mocidade parece
não estar preparada para a
situação do momento. Ainda
ontem, passei em frente a um clube
e vi muitos jovens fazendo uso de
bebidas, deixando-se levar pelos
vícios e lembrei-me das palavras
que Cairbar me transmitiu,
através de um médium em Ponta
Grossa. Ele me falou da grande
necessidade de falar do Evangelho
para a juventude, pois a juventude
está tomando caminhos que não
são os traçados por Jesus. Todos
os domingos, faço como minha mãe
fazia conosco: reúno todos os
filhos, noras, netos, bisnetos,
para falar de Jesus, falar da
Doutrina. Cada domingo a reunião
é feita na casa de um dos filhos.
Todos participam, comentam o
Evangelho, e isto é um motivo de
muita alegria para a minha
velhice."
- Sendo o
Brasil o maior país católico do
mundo, o maior país espírita do
mundo, como se explica, a seu ver,
a vitória do NÃO no recente
plebiscito sobre desarmamento.
Estará o povo ainda tão
equivocado quanto às leis de
Deus?
"O homem
não está preparado ainda. Está
muito ligado às coisas materiais
e tem medo do futuro. Então,
precisa estar armado para se
defender, como se isto pudesse
defender alguém. Isso é um
equívoco por parte dos dirigentes
de nosso país, que nem deveriam
fazer esta pergunta, bastava
desarmar o povo e pronto. Isto é
política, vamos deixar para lá e
fazer a nossa política, que é a
política do Cristo."
- A que se
deve, em sua opinião, um número
tão grande de homicídios,
abortos, suicídios, num país
considerado tão religioso como o
nosso?
"Faltam-nos
duas coisas: instrução e
sabedoria. Faltam homens que
tenham capacidade para criar novos
rumos para nossa juventude e para
a humanidade. Nosso mundo está
passando por uma transformação.
De um mundo de provas e
expiações, caminha para um mundo
de regeneração. Até lá, não
sabemos o que vamos passar. Temos
que lutar e confiar. Jesus não
disse nunca que seria agora ou
daqui a pouco. Devemos parar para
pensar e analisar, dando nossa
contribuição a este planeta, que
é uma casa belíssima que Deus
nos deu para nossa morada e nós
não sabemos cuidar dela direito.
Poluímos tudo, desmatamos. Este
é o homem. Deus nos deu o
livre-arbítrio, mas nos deu
também o bom-senso. Somos
responsáveis por tudo o que
acontece no mundo."
- Será que a
Religião, tanto a espírita
quanto as demais, não está
cumprindo o seu devido papel para
com a sociedade?
"Com todo
o respeito que tenho pela
religião considerada oficial em
nosso país e pelos religiosos que
a dirigem, acho que ela não
acompanhou a evolução. Ela se
prendeu aos seus dogmas, seus
rituais, seus sacramentos, e ali
ficou sem sair do lugar. O
Espiritismo, como o Consolador
prometido, que veio para nos
revelar todas as coisas, está nos
despertando, está nos chamando e
nos fala da pluralidade das
existências, alertando-nos
através dos Espíritos que
conosco se comunicam, da nossa
responsabilidade com relação a
tudo o que acontece no planeta.
Nós espíritas precisamos cumprir
nosso papel, dar nosso exemplo sem
medo, para que o mundo possa
realmente se transformar para
melhor."
- O senhor
ainda lê muito? O que tem lido?
Faz palestras? Viaja a convite de
outros Centros Espíritas?
"Eu leio
tudo, sempre gostei de ler, sempre
fui curioso. Não sei dormir sem
antes ler alguma coisa. Leio
aquilo que é bom. Coisas que não
me interessam, que dizem respeito
só à vida material, eu evito,
mas há coisas desta vida material
que precisamos saber, então eu
leio tudo e procuro fazer como
recomenda o apóstolo Paulo: ler
tudo e abraçar o que é
bom."
- Há algum
livro em especial que fica em sua
cabeceira?
"Sem
dúvida, o Evangelho, pois ali
está tudo. Isto me lembra um
indivíduo que dizia ser intuído
pelos Espíritos em tudo que
acontecia na sua vida. Tudo o que
ele precisava saber, bastava abrir
o Evangelho ao acaso e encontrava
a resposta. Um dia ele estava na
varanda de sua casa com o
Evangelho na mão e começou uma
chuva que desencadeou uma
tempestade terrível. Ao lado
dele, estava um gato, e um raio,
ao cair, alcançou o gato e o
matou imediatamente. Ele pensou:
Meu Deus, como os Espíritos me
ajudam! O raio atingiu minha casa,
pegou o gato e nada me aconteceu.
Vou abrir o Evangelho e sei que
encontrarei a resposta para isto.
Abriu então o Evangelho e leu: Se
fosse um homem de bem teria
morrido.. (risos) Quanto
às palestras e viagens, continuo
falando enquanto me chamarem. Eu
sou de todos."
- Falando
dessas viagens em visita a outros
centros, lembramos Kardec, que
também viajava pela França para
conhecer as casas espíritas. O
senhor aprova todos os centros que
visita? E será que Kardec os
aprovaria?
"Sempre
respeito o livre-arbítrio de cada
um, o que não significa que eu
aprove tudo o que vejo por aí,
como as coisas que denigrem a
doutrina, que são falhas do
homem, pois a Doutrina é pura.
Há muita falta de estudo, muito
fanatismo. Eu procuro não
agredir, mas esclarecer os
equívocos que encontro por aí.
Devemos lembrar o que nos disse o
Espírito de Verdade: Espíritas:
amai-vos, eis o primeiro
ensinamento; instruí-vos, eis o
segundo."
- A Medicina
mudou muito seus conceitos nos
últimos tempos com relação à
prece, à fé, à cura de doenças
através da oração. O que o
senhor acha disso?
"Tudo
evolui, a Medicina evolui e a
religião também. O homem ainda
tropeça, mas tropeçando é que
andamos mais rápido para não
cair. A ciência precisa se unir
à religião para completar o
trabalho que deve ser feito. Mas
podemos ver uma grande mudança,
com a medicina aceitando a prece
como fator de ajuda na cura de
doenças."
- Qual a sua
opinião com respeito aos médiuns
de cura?
"Existem
bons médiuns, criteriosos, que
já passaram por aqui. Mas,
precisamos tomar muito cuidado
para não confundirmos as coisas.
Devemos estudar profundamente a
Doutrina para não cometermos
equívocos que podem ser evitados.
O espírita tem o dever de estudar
e saber separar o joio do trigo.
Muitos podem ser curados pela fé,
mas não podem esquecer que o
corpo precisa ser curado, sim,
pois um corpo doente não dá
grandes oportunidades ao
espírito, mas se não curarmos o
espírito, se não fizermos em
nós a transformação
necessária, a cura não se
efetivará. Lembremos que
tudo vai depender do merecimento
de cada um."
- No próprio
meio espírita, o senhor acha que
ainda há maior interesse pelo
fenômeno, em detrimento da
Doutrina?
"O que
nós presenciamos é que as
pessoas estão muito ansiosas pela
cura, pelas coisas materiais. Há
pessoas que procuram o Centro
Espírita para ver se melhoram a
situação financeira. O
Espiritismo veio para curar almas,
espíritos. Se o espírito estiver
fortalecido, tudo o mais será
dado por acréscimo."
- O que o
senhor poderia nos contar sobre o
seu dia-a-dia no atendimento e no
trato com tantas pessoas, com
idéias e necessidades diferentes
em todos esses anos?
"Certa vez
apareceu no Centro para conversar
comigo uma senhora, vinda de uma
cidade do Estado de São Paulo.
Disse que era médium e que
precisava muito trabalhar, que eu
lhe desse essa oportunidade. Eu,
muito inocente, permiti que ela
trabalhasse no grupo mediúnico.
Nas duas primeiras reuniões ela
até que foi bem. Na terceira, ela
incorporou um médico que dizia
chamar-se Dr. Charles e que havia
curado, durante a reunião, duas
pessoas que estavam ali presentes.
Eu então perguntei ao Espírito
quem eram essas pessoas e que
doença elas tinham. O Espírito
não gostou da minha pergunta,
disse que não estava ali para dar
explicações de seus feitos.
Disse ser um grande médico,
acostumado a trabalhar em grandes
centros, e não em um "centrinho"
como o nosso. Eu então lhe disse:
- Olhe, Dr. Charles, acho que o
senhor está no endereço errado
mesmo, nós não somos um grande
centro como o senhor deseja. -
Então, vou-me embora, disse o
pretenso médico-espírito. Eu lhe
disse: - Vá na paz de Deus, meu
amigo. Depois disso, a médium
incorporou um outro Espírito que
disse : - Eu sou Joana d’Arc, e
vou limpar este ambiente com a
minha espada. Eu então lhe
respondi: - Olhe dona Joana, nosso
Centro é pequeno, mas é limpo,
nós sempre limpamos muito bem com
espanador, com água, não precisa
ser limpo com espada não. Não é
nem preciso dizer que o Espírito
se afastou e a médium também
nunca mais apareceu. Este caso
ilustra bem e nos alerta quanto à
vigilância que devemos ter.
Serviu-me de lição e que sirva
para outros. Para participar de um
grupo mediúnico é preciso muito
estudo e preparo, para que não
ocorram esses imprevistos."