Chamou-me a
atenção o caso de Terri Schiavo,
uma mulher da Flórida (EUA) que
permanecia em estado vegetativo
havia 15 anos e que foi
desconectada do tubo que a
alimentava, depois de um intenso
debate entre seus familiares, o
governo americano e os tribunais.
Segundo especialistas, ela podia
levar até duas semanas para
morrer, sem alimentação (1).
O que preocupa
é que muitos médicos revelam que
eutanásia é prática habitual em
UTIs do Brasil, e que apressar,
sem dor ou sofrimento, a morte de
um doente incurável é ato
freqüente e, muitas vezes, pouco
discutido nas UTIs de hospitais
brasileiros (2). Apesar de a
Associação de Medicina Intensiva
Brasileira negar que a eutanásia
seja freqüente nas UTIs, existem
aqueles que admitem razões mais
práticas, como a necessidade de
vaga na UTI para alguém com
chances de sobrevivência, ou a
pressão, na medicina privada,
para diminuir custos.
Nos conselhos
regionais de medicina, a
tendência é de aceitação da
eutanásia, exceto em casos
esparsos de desentendimentos entre
familiares sobre a hora de cessar
os tratamentos. Médicos e
especialistas em bioética
defendem, na verdade, um tipo
específico de eutanásia, a
ortotanásia, que seria o ato de
retirar equipamentos ou
medicações que servem para
prolongar a vida de um doente
terminal. Ao retirar esses
suportes de vida, mantendo apenas
a analgesia e tranqüilizantes,
espera-se que a natureza se
encarregue da morte (3).
Por definição
a palavra eutanásia vem do grego,
significando "boa morte"
ou "morte apropriada". O
termo é de Francis Bacon, que em
1623, em sua obra "Historia
vitae et mortis", a definiu
como sendo o "tratamento
adequado às doenças
incuráveis". Diversas são
as expressões utilizadas como
sinônimas, podendo ser citadas
"boa morte",
"suicídio assistido",
"eutanásia ativa". O
seu antônimo é "distanásia"
(4) que, por sua vez, vem a ser a
utilização dos meios adequados
para tratar uma pessoa que está
morrendo, baseada em valores
humanitários, em que a ética
médica visa à prolongação da
vida, em seu máximo possível.
Para alguns
médicos a palavra eutanásia
ficou estigmatizada, e as pessoas
têm medo de usá-la. Destarte,
crêem necessário que uma
legislação estabeleça
critérios e condutas éticas para
uma morte sem sofrimento.
Porquanto a morte é um preço
que merece ser pago para o alívio
da dor, consoante atesta um
professor de ética da Faculdade
de Medicina de uma importante
Universidade brasileira. Para ele
deve-se aceitar a eutanásia em
situações de doenças
incuráveis, uma vez que "A
tendência é de não manter a
vida a todo custo" (5).
A eutanásia
vem suscitando controvérsias nos
meios jurídicos, mas lembremos
que o Direito Penal Brasileiro é,
quanto a isso, incisivo e
conclusivo: constitui
assassínio comum (6). Nas
hostes médicas, sob o ponto de
vista da ética da medicina, a
vida é considerada um dom sagrado
e, portanto, é vedada ao médico
a pretensão de ser juiz da vida
ou da morte de alguém. A
propósito, é importante deixar
consignado que a Associação
Mundial de Medicina desde 1987, na
Declaração de Madri, considera a
eutanásia como sendo um
procedimento eticamente
inadequado.
No aspecto
moral ou religioso, sobretudo
espírita, lembremos que não são
poucos os casos de pessoas
desenganadas pela medicina oficial
e tradicional que procuram outras
alternativas e logram curas
espetaculares, seja através da
imposição das mãos, da fé, do
magnetismo, da homeopatia ou de
mudanças comportamentais. Não
são poucos os casos de criaturas
com quadros clínicos de doenças
incuráveis e desenganados em que
o magnetismo posto em atividade
pela imposição das mãos
conseguiu modificar o diagnóstico
médico e restabelecer o campo
celular.
Allan Kardec
indagou aos Benfeitores
espirituais se o homem tem o
direito de dispor da sua própria
vida e os Espíritos esclarecem
que somente Deus (7) tem
esse direito. Ninguém tem o
direito de tirar uma vida, somente
a Deus cabe esta decisão. A
eutanásia é uma forma de
interromper uma expiação daquele
Espírito que sofre como paciente
terminal. Seus parentes, pensando
que estão aliviando suas dores,
solicitam a eutanásia, mas é um
ledo engano, pois estão
praticando um crime contra a vida
e não consideram que os
sofrimentos morais são maiores
que os sofrimentos materiais e
este Espírito deve resgatar suas
dívidas.
Emmanuel explica
que por trás dos olhos baços e
das mãos desfalecidas, que
parecem deitar o último adeus,
apenas repontam avisos e
advertências para que o erro seja
sustado ou para que a senda se
reajuste amanhã (8). E ante o
leito da doença mais difícil e
mais dolorosa brilha o socorro
da Infinita Bondade facilitando, a
quem deve, a conquista da
quitação. "Não
desrespeites, assim, quem se
imobiliza na cruz horizontal da
doença prolongada e difícil,
administrando-lhe o veneno da
morte suave, porquanto,
provavelmente, conhecerás também
mais tarde o proveitoso decúbito
indispensável à grande
meditação", propõe
Emmanuel (9).
Não cabe ao
homem, em circunstância alguma,
ou sob qualquer pretexto, o
direito de escolher e deliberar
sobre a vida ou a morte de seu
próximo, e a eutanásia, essa
falsa piedade, atrapalha a
terapêutica divina, nos processos
redentores da reabilitação. Para
os espíritas sabemos que a agonia
prolongada pode ter finalidade
preciosa para a alma e a moléstia
incurável pode ser, em verdade,
um bem. Nem sempre conhecemos as
reflexões que o Espírito pode
fazer nas convulsões da dor
física e quantos tormentos lhe
podem ser poupados em um
relâmpago de arrependimento.
A eutanásia
interrompe o processo depurativo
da enfermidade, impondo ao doente
crônico sérias dificuldades
inclusive no retorno ao plano
espiritual. Ademais, os familiares
que buscam tal recurso
"piedoso", na realidade
encontram-se apenas e
indevidamente ansiosos por
libertar-se do compromisso e da
responsabilidade de ajudar,
sustentar e amar seu ente querido.
À rigor, o
câncer é o meio de expungir as
trevas que povoam o coração,
impedindo-lhe maior entendimento
da vida. A paralisia e a loucura,
o pênfigo e a tuberculose, a
idiotia e a mutilação, quase
sempre, funcionam por abençoado
corretivo, em socorro do Espírito
que a culpa ensandeceu ou
ensombrou na provação
expiatória. Desta forma,
respeitemos a dor como instrutora
das almas e, sem vacilações ou
indagações descabidas, amparemos
quantos lhe experimentam a
presença constrangedora e
educativa, lembrando sempre que a
nós compete tão-somente o dever
de servir, porquanto a Justiça,
em última instância, pertence a
Deus, que distribui conosco o
alívio e a aflição, a
enfermidade, a vida e a morte, no
momento oportuno.
O verdadeiro
cristão porta-se sempre em favor
da manutenção da vida e de
respeito em relação aos
desígnios de Deus, buscando não
só minorar os sofrimentos do
próximo (sem eutanásia, claro!),
mas também confiando na justiça
e na bondade divina, até porque
nos Estatutos de Deus não há
espaço para a injustiça.