JOSÉ
CARLOS MONTEIRO DE MOURA
jcarlosmoura@terra.com.br
Belo Horizonte, Minas
Gerais (Brasil)
Santos e milagres
A recente canonização de
Frei Galvão fez
renascer, entre alguns
confrades, o caráter
milagreiro que,
desavisadamente,
insistem em atribuir ao
Espiritismo, sobretudo
no que se refere às
chamadas curas
espirituais. Tais curas,
popularmente tidas como
milagres, têm sido, ao
longo dos tempos, a
maior atração de quase
todos os credos
religiosos. O
Espiritismo, mais do que
qualquer outro segmento
religioso, não escapa do
problema, que nele
assume aspectos de muito
maior relevância, em
face da mediunidade de
cura, comum na maioria
das Casas Espíritas.
Ouve-se, constantemente,
a queixa dos dirigentes
quanto ao pouco
interesse pelas reuniões
de estudos, e que a sua
freqüência depende, na
maioria das vezes, do
passe que se segue ao
seu encerramento e da
água fluidificada que
nenhum freqüentador
dispensa.
Não obstante, as sessões
de tratamento e de cura
ficam superlotadas, o
que tem levado muitos
dirigentes de boa-fé a
transformar as casas
espíritas em autênticos
hospitais de curas
impossíveis.
Não se trata de fenômeno
novo. Ele acompanha o
Cristianismo desde a
época em que Jesus
esteve na terra. A
multidão que o seguia
era composta de toda
sorte de sofredores, em
que se destacavam os
leprosos, cegos,
aleijados, obsidiados
etc., ansiosos de se
verem livres de seus
males.
Para a Igreja, os
milagres sempre
foram privilégio de
alguns não menos
privilegiados de seus
membros, que gozam de
favores especiais junto
a Deus. Ainda hoje, ela
sustenta que aquele que
se situa fora desse
grupo não tem o direito
de curar e nem sequer de
amenizar o sofrimento
alheio, porquanto age
sempre sob a inspiração
de “satanás e de outros
espíritos malignos que
andam pelo mundo para
perder as almas” (oração
de São Miguel Arcanjo).
Isso, contudo, jamais
impediu o aumento sempre
crescente dos
curadores e de sua
sofrida clientela. O
êxito no tratamento de
moléstias tidas como
irreversíveis pela
ciência oficial sempre
despertou e ainda
desperta a curiosidade e
o interesse do homem,
que, incapaz de
explicá-lo à luz de seu
conhecimento, apelou e
apela para o
extraordinário e para o
sobrenatural.
Assim pensa a Igreja em
face da questão. Para
ela, esses fatos se
definem como milagres
porque são
cientificamente
inexplicáveis, nos
termos dos
pronunciamentos dos
médicos e consultores da
Congregação dos Santos.
Foi esse, por exemplo, o
motivo que determinou a
sanção do processo de
beatificação, e
posterior canonização,
do monsenhor Josémaria
Escrivá de Balaguer, o
fanático criador da
perniciosa Opus Deis. A
ele foi imputada a
"cura
cientificamente
inexplicável” – nos
termos do parecer dos
médicos e consultores da
Congregação dos Santos –
de um câncer no estômago
da carmelita espanhola
Concepción Bollón Rubio.
O Espiritismo não
participa desse ponto de
vista, por não consagrar
o milagre, de acordo com
o entendimento
geralmente admitido
pelas igrejas cristãs em
geral. Sobre o tema,
assim se pronuncia
Kardec (“A
Gênese”, cap. XIII, nº.
1): “Um
dos caracteres do
milagre propriamente
dito é o ser
inexplicável, por isso
mesmo que se realiza com
exclusão das leis
naturais. É tanto essa a
idéia que se lhe
associa, que, se um fato
milagroso vem a
encontrar explicação, se
diz que já não constitui
milagre, por muito
espantoso que seja. O
que, para a Igreja, dá
valor aos milagres é,
precisamente, a origem
sobrenatural deles e a
impossibilidade de serem
explicados. Ela se
firmou tão bem sobre
esse ponto, que o
assimilarem-se os
milagres aos fenômenos
da natureza constitui
para ela uma heresia, um
atentado contra a fé,
tanto assim que
excomungou e até
queimou muita
gente por não ter
querido crer em certos
milagres”.
O chamado milagre é, em
face da imutabilidade
das leis divinas, um
acontecimento natural,
efeito ou conseqüência
dessas mesmas leis, não
obstante o
desconhecimento ou a
ignorância que ainda as
envolve no campo
científico. A aliança da
ciência com a religião,
tarefa que o Espiritismo
se acha empenhado em
realizar, irá
esclarecer, a seu tempo,
o mistério de que se
cercam as milagrosas
curas que desafiam a
argúcia dos sábios e
prudentes da narrativa
evangélica.
As curas decorrentes das
sessões de tratamento
espiritual, que muitas
vezes fazem parte das
atividades habituais de
um Centro Espírita, nada
mais são do que uma
forma de exercício da
caridade, das muitas que
as diferentes
instituições podem e
devem realizar. Neste
caso, o bom senso e a
prudência são os dois
remédios fundamentais
para evitar que o Centro
se deixe levar pelo
arrastão curador,
que, uma vez implantado,
poderá servir de fator
de desmoralização da
Doutrina e do Movimento.
Tanto os dirigentes como
o médium curador não
podem se esquecer de que
somente serão atendidos
pela Espiritualidade os
que se fizerem
merecedores desse
atendimento, em face da
lei de causa e
efeito, traduzida por
Jesus no “a cada um
será dado de acordo com
o seu merecimento”. Por
outro lado, as curas não
se operam quando
interferem no programa
de reajuste, de expiação
ou de provas previamente
escolhido ou
compulsoriamente
estabelecido para o
portador da enfermidade
ou da deficiência
física.
Por isso, é inteiramente
incompatível com a
própria natureza do
Espiritismo a existência
de santos e milagres em
seu seio, para a
lamentável frustração de
muitos de seus adeptos,
que se empenham,
infantilmente, na
santificação de André
Luiz, Bezerra de
Menezes, Eurípedes
Barsanulfo, Joanna de
Ângelis etc. e de seus
respectivos médiuns.