LEONARDO MARMO MOREIRA
leomarmo@iqsc.usp.br
São Carlos, São Paulo
(Brasil)
A memória espiritual e a
evolução em face da tese
roustainguista
dos criptógamos carnudos
Um dos principais
atributos do Espírito
consiste em um dom
fornecido pela divindade
e inerente ao princípio
inteligente que é a
capacidade de registrar
vivências e
aprendizados, erros e
experiências, lutas e
dores, traumas e
emoções. Essa espécie de
“arquivo espiritual”
está presente em todos
os seres vivos e é a
base tanto da definição
da personalidade de cada
indivíduo como da
evolução espiritual
propriamente
considerada.
Tendo-se em vista a
informação doutrinária
de que “a Lei de Deus
está escrita na
consciência” da
criatura, conforme a
questão 621 de “O Livro
dos Espíritos”, este
registro há de ser total
e implacável para que a
Lei de Deus realmente
seja soberana e
inexpugnável. Assim
sendo, nós, de uma forma
ou de outra, sempre
temos o registro total
de nossas vivências como
Espíritos imortais,
mesmo que
conscientemente não
tenhamos uma maior
fixação de todo esse
espetacular conjunto de
dados. Um exemplo disso
é o próprio
desdobramento parcial
pelo sono físico, que
para a maioria das
criaturas deixa um
registro aparentemente
“superficial” das
vivências, mas, no
fundo, são experiências
riquíssimas que vão
indiretamente nos
induzir a determinados
comportamentos, de
acordo com o tipo de
experiência vivenciada
durante essa pequena
emancipação da alma.
De fato, Jesus afirmou
que na Lei nada
passaria, “nem um único
jota e nem um único
ponto”. Somente
admitindo esse registro
absoluto de tudo o que
pensamos, falamos,
sentimos e praticamos é
que se torna lógica,
universal e, portanto,
científica, a Lei de
Causa e Efeito, ou seja,
o famoso “A cada um
conforme suas obras” do
Mestre Jesus. Somente
assim, a Lei de Ação e
Reação representaria uma
manifestação das
soberanas Justiça e
Bondade de Deus para
conosco, seus filhos,
porque apenas desta
forma a Lei se apresenta
exatamente igual para
todas as criaturas.
É crível propor que esta
discussão acima
estabelecida não é
nenhuma novidade para
todos os espíritas.
Sendo assim, é
inadmissível a tese de
que um Espírito
organizador de mundos
tenha que reencarnar na
forma de uma espécie de
lesma para expiar. João
Evangelista afirmara:
“Aqueles que não amam
não conhecem a Deus
porque Deus é amor” e
Jesus já havia chamado
Deus de “Pai Nosso que
está nos Céus...”, assim
como a falange do
Espírito de Verdade
definiu Deus como “a
inteligência suprema, a
causa primária de todas
as coisas” (questão 1 de
“O Livro dos
Espíritos”). Admitir
essa radical
metempsicose seria
duvidar das soberanas
bondade e inteligência
de Deus. Realmente, essa
“inteligência suprema”,
“soberanamente justa e
boa”, não disporia de
nenhum outro mecanismo
menos cruel, mais
educativo e mais
produtivo para a
sociedade visando à
educação ou reeducação
do chamado “Espírito
culpado”? Aliás, o
“Espírito culpado” não é
antes um filho ignorante
necessitado de amor e de
oportunidade?!
Há um aspecto que deve
ser igualmente
discutido. Qual seria o
estado de consciência do
Espírito nessa condição
de lesma?! Ele estaria
com uma lucidez
intelectual plena, digna
de um organizador de
mundos, observando e
refletindo sobre a
crueldade desse Deus
que, a princípio,
deveria ser sinônimo de
amor, consoante a bela
assertiva de João
Evangelista? Ou ele
estaria inconsciente e
totalmente animalizado e
regredido
espiritualmente? Nessa
hipótese da
inconsciência total,
qual seria a reeducação
do culpado se o Espírito
não tem mais nenhum
registro?!
Se esse Espírito
perdesse todos os seus
registros evolutivos,
significaria que ele
perdera a sua memória
espiritual. Essa
hipótese consistiria em
admitir que esse
Espírito perdeu sua
individualidade, isto é,
sua personalidade e, por
conseqüência, que ele já
é outra coisa, não sendo
mais ele mesmo. Essa
proposta, apesar de ser,
a priori,
espiritualista, acaba
tendo como conseqüência
prática um profundo
materialismo,
semelhantemente à
análise exarada em “O
Livro dos Espíritos”
sobre o panteísmo, pois
se eu não sou mais eu,
eu não existo mais.
A discussão sobre esse
tópico deve estar muito
pautada nos atributos de
Deus que é, como sabemos
através de “O Livro dos
Espíritos”,
soberanamente justo e
bom, e também
soberanamente
inteligente. De fato, se
pensarmos nas expiações
mais duras que
conhecemos, elas sempre
têm algo de
profundamente reeducador
e nenhuma delas seria
tão terrível como a
possibilidade de
reencarnação como
“criptógamo carnudo”,
isto é, um tipo de
minhoca. Síndrome de
Down, autismo,
deficiências físicas,
miséria material e todos
os outros problemas, que
podem ter causa
expiatória, são
claramente mais
educativos e menos
cruéis do que esse tipo
de metempsicose. Deus
aproveita o máximo do
mínimo, sempre
potencializando
possibilidades de
crescimento para cada um
de seus filhos, tanto
individualmente como
também para as
coletividades em que
cada um de seus filhos
participe. A lei de
progresso é, antes de
tudo, uma lei de
educação e é por isso
que “O amor cobre a
multidão de pecados”
como diria o Apóstolo
Pedro, já que, em muitos
casos, é amplamente
“vantajoso” para a Obra
da Criação que o
indivíduo acerte suas
contas com a própria
consciência através do
trabalho e do amor e não
pela dor. De fato, o
trabalho e o amor tornam
o processo de educação
não apenas individual
mas benéfico a um número
muito grande de irmãos
que são influenciados
direta e indiretamente
por essa ação.
Admitindo-se essa
estranhíssima hipótese
de regressão espiritual,
toda a Lei de Progresso
estaria comprometida,
para não dizer
totalmente destruída,
pois se um Espírito que
organiza mundos regrediu
uma vez, o que o
impediria de regredir
duas, três ou mais
vezes?! A Criação Divina
seria uma incrível
gangorra de avanços e
regressões sucessivas! E
nenhuma conquista
espiritual seria
realmente eterna. Frases
de Jesus como, por
exemplo, “Guardai o
vosso tesouro onde as
traças não corroem e os
ladrões não roubam”
perderiam o seu
significado profundo,
pois os avanços e
conquistas, a priori,
inalienáveis da criatura
espiritual seriam
passíveis de serem
perdidos. Até mesmo a
própria elaboração da
personalidade, que faz
com que cada um de nós
seja uma pessoa única, e
nunca mais deixe de ser
essa pessoa totalmente
diferenciada das demais,
estaria afetada. Frases
do Apóstolo Paulo como
“Dando mais valor às
coisas que não se vêem
do que às que se vêem
porque as que se vêem
são perecíveis e as que
não se vêem são eternas”
não passariam de
retórica vazia,
constituindo “letra
morta”, não
representativa, por
conseguinte, dos
aspectos mais belos da
Lei de Deus que Jesus
resumiu basicamente no
amor.
Ademais, esse possível
ciclo eterno de
estranhas reencarnações
desacopladas de um
processo evolutivo
profundamente amoroso e
belo tornaria
injustificáveis as dores
da vida. De fato, todos
os sofrimentos, que têm
na constante evolução
sua principal razão de
ser, perderiam o
sentido, já que todas as
conquistas
intelecto-morais
poderiam ser perdidas de
uma hora para outra, o
que implica que, a
rigor, o ser espiritual
em questão não teria
conquistado nada. Assim,
nós sofreríamos por nada
ou, se preferirmos,
sofreríamos porque Deus
quer, e, por algum
motivo “misterioso”,
acha isso interessante.
Ele que deveria ser um
Pai de amor e bondade.
Por conseguinte,
poderíamos elaborar a
subseqüente indagação:
uma vez que o ciclo de
reencarnações poderia se
tornar interminável,
qual seria o real
interesse de Deus nesse
processo?! Aquilo que
chamamos de vida seria,
indubitavelmente, um
conjunto de sofrimentos
intermináveis sem
nenhuma finalidade,
caracterizando o mais
terrível inferno.
Para concluir este
tópico, deixando os
questionamentos mais
concernentes com a
filosofia e com a
religião e partindo para
uma abordagem mais à
maneira da ciência,
indagaríamos: Existe
alguma evidência na
natureza de que algum
Espírito já tenha
regredido?! Alguém que
já tenha regredido
contou sua experiência?
Alguns leitores poderiam
afirmar que os Espíritos
não comunicariam em
função de não se
lembrarem dessa
regressão espiritual,
uma vez que perderam o
registro de todas as
suas experiências
anteriores e, neste
caso, nós voltamos às
discussões anteriores
sobre a crueldade de
Deus nesse processo e
sobre as suas
intrínsecas maldade e
inutilidade. Vale
lembrar que mesmo
Espíritos em condições
complicadíssimas, como é
o caso dos ovóides, não
perdem sua memória
espiritual conforme nos
ensina André Luiz em
Libertação e em
Evolução em Dois
Mundos.
Além disso, é bom frisar
que essa condição é
perispiritual e não
física! Esses Espíritos,
logicamente,
reencarnarão em corpos
defeituosos, mas
humanos, sempre humanos!
Comparar essa informação
de André Luiz com a
reencarnação em lesmas
do conceito
roustainguista é buscar,
ridiculamente, “dourar a
pílula” por puro
fanatismo, personalismo
e teimosia.
A fé raciocinada nos
propõe uma atitude de
busca sincera em direção
à verdade. Assim sendo,
ter a humildade e,
principalmente, a
inteligência de se
admitir em erro para
repensar pontos de vista
é o mínimo que se
esperaria de quem ama a
verdade mais do que suas
paixões e fixações
pessoais. Importante
salientar que há ainda
na obra de Roustaing
muitos outros
posicionamentos em
choque com a Doutrina
Espírita seduzindo
incautos e companheiros
que formaram opinião
precipitadamente e que,
por um motivo ou por
outro, contra todas as
evidências, insistem em
não reavaliar suas
posições.
“É preferível rejeitar
dez verdades a aceitar
uma única mentira”,
ensinou-nos o sábio
Espírito Erasto em “O
Livro dos Médiuns”. A
aplicação desse
relevante princípio da
Codificação nos faz, a
priori, rejeitar essa
teoria e a obra que a
contém, ou seja, “Os
Quatro Evangelhos”, de
J. B. Roustaing. Aliás,
foi exatamente esse o
posicionamento de Allan
Kardec há quase 150 anos
na sua avaliação desta
obra, quando afirmou
explicitamente que essa
obra e suas idéias não
podem fazer parte
constituinte do
Espiritismo.