MARCELO HENRIQUE PEREIRA
cellosc@floripa.com.br
Florianópolis, Santa
Catarina (Brasil)
Tragédias aéreas: O medo
que nos “acostumemos”
com isso!
Há algum tempo escrevi
sobre o (então) maior
acidente aéreo ocorrido
no Brasil, com 154
mortos, no vôo 1907, da
Gol Linhas Aéreas, que
envolve a temática dos
desencarnes coletivos.
Pois bem, agora,
novamente, a opinião
pública brasileira (e
internacional) vê-se às
voltas com mais um
infeliz episódio: novo
acidente aéreo, desta
vez com uma aeronave da
TAM, que, segundo as
últimas informações,
carregava 186 pessoas,
entre passageiros e
tripulantes. Como se não
bastasse, a colisão se
deu com um prédio
comercial da empresa e
estima-se o número de
300 vítimas fatais.
Para o Espiritismo, tais
situações não são
“acidentais”, nem,
tampouco, “obras do
acaso”, já que o único
"acaso" aceito pela
Doutrina Espírita é o
inteligente. Não há, na
filosofia espírita,
espaço para "sorte" ou
"azar", "ventura" ou
"maldição", e cada ser
vive o que está contido
na Lei de Causa e
Efeito, uma diretriz
inteligente que, longe
de ser absoluta e
pré-determinada (inafastável)
para todas as
circunstâncias, nos
coloca no ponto de
partida e de chegada de
todas as situações que
conosco ocorrem, nesta e
em outras encarnações.
Mesmo considerando o
chamado "planejamento
encarnatório", feito
ainda no plano
espiritual e com, em
regra, nossa anuência, o
direito (inalienável) ao
livre-arbítrio
possibilita a alteração
do plano, em virtude de
nossas escolhas
presentes. Podemos
dizer, assim, que há
"tendências",
"caminhos",
"diretrizes", mas, no
plano concreto, somos
nós quem tomamos as
decisões, sempre.
Também, a presença de
mentores espirituais
(anjos de guarda ou
protetores) para cada um
de nós, em missão de
orientação particular,
em relação a cada
espírito, e o que
chamamos de "intuição",
"sexto sentido", ou "voz
interior", é, na
verdade, a sugestão
(não-indução) de alguém
que "nos quer bem" e que
"deseja o nosso
sucesso", para que
possamos tomar as
"melhores" decisões,
caso a caso. O protetor,
contudo, não interfere
em nossas escolhas e,
quando resolvemos fazer
"o que bem entendemos",
ele se afasta,
momentaneamente,
retornando após, para
continuar a sua tarefa.
Catástrofes – naturais
ou acidentais, como esta
– vitimam centenas ou
milhares de pessoas e as
imagens televisivas,
virtuais ou impressas
nos mostram as tintas do
drama de inúmeros
semelhantes, enquanto a
população recolhe e
chora seus mortos.
Pela cátedra da
filosofia espírita,
entendemos a destruição
como uma necessidade
para a regeneração moral
dos Espíritos (1),
importando no
aniquilamento da vida
material, a interrupção
da atual experiência.
Isto porque há as
desencarnações naturais,
as provocadas e as
violentas. As naturais
decorrem do esgotamento
dos órgãos e representam
o encerramento
“programado” das
existências corporais,
segundo a lei de causa e
efeito e o planejamento
encarnatório do ser. As
provocadas resultam da
ação humana no espectro
da criminalidade e da
agressividade
(assassínio, atentados,
guerras). Por último, as
violentas encampam a
ocorrência de
catástrofes naturais
(enchentes, terremotos,
maremotos, ciclones,
erupções,
desmoronamentos,
acidentes aéreos,
automobilísticos, ferro
ou aquaviários, entre
outros).
Em muitas das situações,
o nexo causal entre a
catástrofe e a ação
humana acha-se presente.
Movido por interesses
mesquinhos e sem a
adequada compreensão do
conjunto (leia-se a
contemporânea
preocupação com os
ecossistemas, a
preservação do meio
ambiente), os homens
alteram a composição
geológica, com
escavações,
desmatamentos, aterros e
outros mais,e sua
imprevidência acaba
gerando as ocorrências
das mencionadas
catástrofes “naturais”
(2). Também
podemos mencionar aqui a
situação daqueles que,
migrando de suas cidades
para os grandes centros,
habitam os morros, nas
periferias das
metrópoles, e, sem a
mínima infra-estrutura,
ficam à mercê das
primeiras enxurradas,
que levam seus barracos,
que fazem desmoronar
enormes pedras,
vitimando, não-raro,
diversas pessoas. Há,
aí, um misto entre o
evento natural e a ação
humana, como causa
direta do evento fatal
(3).
Nos casos em que
subsistem várias
vítimas, seja em
pequena, média ou grave
dimensão, entende-se que
as faltas coletivamente
cometidas pelas pessoas
(que retornam à vida
material) são expiadas
solidariamente, em razão
dos vínculos espirituais
entre elas existentes
(4). Todavia,
necessário se torna
qualificar a condição
daqueles que, por
comportamentos na atual
existência, possam
sublimar as provas,
alterando para melhor o
planejamento vital,
garantindo a ampliação
de sua permanência no
orbe, redefinindo
aspectos relativos à
reparação de faltas e à
construção e realização
de novas oportunidades.
Eis um caminho para
explicar, por exemplo, a
existência de
sobreviventes (5).
Num cenário altamente
doloroso como aquele
decorrente das diversas
catástrofes já vistas
neste Plano, como,
então, explicar a
existência de alguns
milagrosos
sobreviventes, ante os
escombros, senão a
condição de que tais
espíritos, ou não eram
originariamente
“devedores” para
encaixar-se no fatal
resgate, ou conseguiram,
com esforço e mérito
pessoais, inverter o
ônus encarnatório,
credenciando-se à
revisão de seu plano de
vida, proporcionando uma
outra e posterior causa
de retorno ao plano
espiritual, em outro
momento mais oportuno
(6).
A compreensão espírita,
calcada no sério estudo
e na relação direta
entre os fundamentos
filosóficos espíritas e
o cotidiano do ser, na
análise de tudo o que
lhe rodeia, permite,
assim, a desconsideração
do termo “fatalidade”
como sendo algo relativo
à desgraça, ao destino
imutável dos seres, pois
o Espírito, conservando
o livre-arbítrio quanto
ao bem e ao mal, é
sempre senhor de ceder
ou de resistir. Então, a
palavra destino também
ganha um redesenho, para
representar,
tão-somente, o mapa de
probabilidades e
ocorrências da
existência corporal,
resultantes, em regra,
das escolhas e
adequações realizadas
anteriormente à nova
vida, somadas às
atitudes e aos
condicionantes do
contexto atual, onde,
com base no seu
discernimento e
liberdade, continuará o
rol de decisões que
levarão o ser aos
caminhos diretamente
proporcionais àquelas,
colocando-o, sempre, na
condição de primeiro e
principal responsável
por tudo o que lhe
ocorra.
É verdadeiramente por
isto que cognominamos o
Espiritismo como a
“Doutrina da
Responsabilidade”,
porque se nos permite a
análise criteriosa de
nossa relação direta com
fatos e acontecimentos
da vida (material e
espiritual).
Com a freqüência de tais
“tragédias”, um medo me
ocorre: o de que nos
“acostumemos” com isso,
tratando-as com
“naturalidade”, ou, até,
com certo desdém, pela
repetitividade. Do
contrário, espero que os
cidadãos conscientes
saibam protestar, bem
como as autoridades
competentes atuarem
corretiva e, depois,
preventivamente,
diminuindo ao patamar
mínimo o risco de novas
ocorrências,
erradicando, se
possível, as causas que
possam levar a tais
eventos infelizes. Que a
apatia e o comodismo não
sejam, assim, motivo
para “deixarmos de lado”
a responsabilização
(perante a justiça
humana) daqueles que
deram causa, direta ou
indiretamente, ao
ocorrido, já que sabemos
pelas denúncias da
imprensa e pela atuação
dos órgãos
fiscalizadores que o
país deixou de realizar
importantes e
necessários
investimentos na nossa
“malha” aérea e, também,
muitas empresas sonegam
impostos ou deixam de
tomar medidas de
segurança em função dos
altos custos e para
aumentar sua
lucratividade.
Por fim, ante tais
eventos, que possamos,
mesmo de longe, efetivar
por meio de vibrações e
preces o apoio às
equipes de espíritos
socorristas, que
encaminham as “vítimas”
do desencarne em massa,
ao necessário e
conseqüente despertar no
Novo Mundo,
considerando, ainda, que
o período de recuperação
espiritual daqueles que
foram vitimados, em
regra, é demorado e
doloroso. E que eles,
despertos e recuperados
das mazelas
físico-espirituais,
possam compreender,
novamente, que o curso
da evolução espiritual
continua. Para eles, que
voltaram, e para todos
nós, que ainda aqui
estagiamos.
Notas:
1. Vide, a propósito, o
contido no quesito 737
de O Livro dos
Espíritos, especialmente
o seguinte trecho:
“[...] a destruição é
uma necessidade para a
regeneração moral dos
Espíritos”.
2. É o que se depreende
da leitura do item 741
de O Livro dos
Espíritos.
3. Deste modo, muito
mais acertado é
cognominar os homens não
como vítimas, mas como
co-autores ou partícipes
das muitas ocorrências
planetárias do gênero
tratado neste ensaio.
4. Assim, “[...] as
faltas coletivamente
cometidas são expiadas
solidariamente” (Obras
Póstumas, item “Questões
e Problemas”). Isto pode
explicar, por exemplo,
que os vínculos
espirituais, muitas
vezes, datam de épocas
(encarnações)
anteriores, enquadrando
a circunstância de seu
retorno à vida
espiritual como previsão
do Ministério Divino, na
forma de resgate
(veja-se, a propósito, a
questão 258 de O Livro
dos Espíritos).
5. Dizemos “um caminho”,
justamente para fugir da
cômoda e indevida
tentativa de “explicar”
tudo o que nos ocorre
segundo um “determinismo
espírita”, isto é,
vinculando cada ato ou
fato da vida atual com
“débitos” de vidas
pregressas. Sugere-se, a
propósito, a leitura do
último capítulo da obra
Espiritismo dialético,
de Manuel S. Porteiro,
intitulado “O
determinismo histórico e
a lei de causalidade
espírita”, do qual
pinçamos o seguinte
trecho elucidativo: “A
lei de causalidade
espírita não é
unilateral, mas
bilateral, isto é, que
um dano recebido pode
ser corrigido por quem o
faz, com um bem
equivalente, sem a
necessidade de sofrer o
mesmo mal causado. [...]
O mal não é, pois, a
conseqüência necessária
de outro mal, e o
espírita não tem o dever
de respeitá-lo nem de a
ele submeter-se.”
(Marcações do original.)
6. Quando a lição
evangélica fala do
“escândalo necessário”,
devemos perquirir acerca
da condição daqueles que
“aproveitam” as
situações existentes,
como oportunidade, seja
de aprendizado, seja de
resgate. Não há,
entretanto, nenhuma
lógica, como visto há
pouco, em condicionar
cada dificuldade” a
“pagamentos” de erros
pretéritos.