Américo, um bom médium
de Umbanda
Nós fizemos amizade
porque estivemos juntos
mais de vinte anos. Ele,
com a sua banca de
sapateiro; eu, com a
minha de delegado da
Receita Federal, ambos
na parte baixa da Rua
Espírito Santo, em Juiz
de Fora. Fazíamos a hora
do almoço, conversando.
Um dia ele me convidou
para assistir a uma
sessão na Tenda do Pai
Tobias, condenada a
desaparecer, porque o
terreno onde estava
localizada já havia sido
desapropriado, para, por
ele, passar uma nova
avenida.
Eu fui. Estava
interessado em conhecer
um pouco mais da Umbanda
e queria ver se alguma
coisa havia mudado nos
últimos trinta anos. Eu
já tivera algum contato
com terreiros de
Umbanda, na década de
cinqüenta, comparecendo
a alguns trabalhos para
fazer palestra que
ninguém queria ouvir.
Américo é um médium
natural, setenta anos,
sem qualquer
conhecimento, sem
leitura nenhuma. Mas um
médium com bom potencial
no campo da cura. Um dia
eu aconselhei:
– É preciso estudar, Sr.
Américo. O senhor e sua
companheirada.
– Precisa, não, doutor!
(Ele só me chamava de
doutor!) A gente fica
sem saber, quando o
médium está recebendo,
se o que ele fala é do
Espírito ou da leitura –
justificava ele.
Um dia me procurou
querendo ajuda para
construir o seu centro.
– “Tenda!” – disse-lhe
eu.
– Não; é centro mesmo,
doutor: Centro Espírita
Joana d!Arc! – falou ele
com convicção.
Fiz de tudo para tirar
do nome a palavra
“espírita” e para trocar
“centro” por “tenda”.
Não houve jeito! Já
havia estatuto
registrado, CGC etc.
– E por que Joana d!Arc?
– provoquei.
– O doutor não sabe?
Joana d´Arc foi a maior
feiticeira que já houve
no mundo. A Igreja
queimou ela e depois fez
ela santa! – esclareceu.
– Tá bem – disse-lhe
eu. Eu vou ajudar você,
mas tem uma condição:
sua tenda, seu terreiro,
seu centro, como você
está dizendo, será
exclusivamente de
Umbanda. Nada de
Quimbanda!
Ele não queria
concordar, dizendo que a
Umbanda sem a Quimbanda
fica fraca, perde a
força. Eu o convenci de
que o mal não dá força a
ninguém; que já tem
tanta gente fazendo o
mal em tantas
atividades; que a única
coisa realmente boa na
vida é o bem que a gente
faz etc. etc. etc.
Pusemos a mão na obra.
Não foi difícil
construir o primeiro
centro. As pessoas a
quem pedíamos tinham
medo que algo de ruim
acontecesse a elas ou a
seus familiares, se por
acaso não ajudassem.
Aquela ajuda
parecia-lhes um pacto, a
compra de uma vida
futura tranqüila e
feliz!
Num instante, o centro
ficou pronto. Mas nem
chegamos a inaugurar.
Veio uma chuva, mas uma
chuva, um pé d`água que
o barranco desceu e
engoliu nosso centro!
Quebrou tudo! Não sobrou
nada!
Eu não estava em Juiz de
Fora quando isso
aconteceu. Só vim a
saber, dias depois,
quando, retornando ao
trabalho, Sr. Américo,
com cara de choro,
desanimado, me falou:
– Doutor, não te conto
nada! Nosso centro
acabou!
Meu amigo era só
desolação!....
– Nosso, vírgula –
brinquei eu. Seu. Ou
melhor sua! Sua tenda.
Eu não lhe falei para
não chamar aquilo de
centro? Centro é para
casas espíritas .
Espiritismo de mesa. De
Kardec. Que é o único
Espiritismo de verdade!
O resto é imitação. Pode
até parecer, mas não é!
Umbanda não é
Espiritismo! É
mediunismo; é
manifestação mediúnica;
conversa com Espíritos
desencarnados. Algumas
tendas até muito bem
intencionadas, mas nada
de Espiritismo!
– Desisti, doutor! Nem
centro, nem tenda, nem
nada! Nunca mais! – era
o desabafo de quem
parecia estar vendo a
vida chegar ao fim.
Aí eu brinquei com ele:
– Que é isso, rapaz. (Um
rapaz de setenta anos!)
Você não conhece o
provérbio que diz que
cesteiro que faz um
cesto, faz um cento?
Esse provérbio é irmão
de outro que nos toca
bem de perto:
“centreiro” que faz um
centro, faz dois, faz,
cem, faz mil. Vamos lá,
cadê a lista?
Pegamos uma folha de
papel e colocamos no
cabeçalho: “Nosso Centro
acabou. Nem chegamos a
inaugurar! Uma chuva
danada tomou-o de nós!
Você que nos ajudou a
construir o primeiro,
poderia ajudar-nos a
construir o segundo?”
Seus olhos se
iluminaram. E saímos à
luta: à procura de
amigos.
A construção do segundo
centro foi mais fácil do
que a do primeiro.
Afinal, a gente já tinha
alguma prática...
Tive que ir à
inauguração. Ele dizia
que eu era uma coluna do
centro. Se eu não fosse
o centro ficava capenga!
Depois lhe falei com
franqueza: Olha, Sr.
Américo. Minha missão
terminou aqui. Não vou
freqüentar sua Tenda. O
senhor sabe, eu sou
espírita. Ele, rápido: –
Também sou! – Não! O
senhor é um bom médium;
bem intencionado; tem
ajudado muita gente, mas
o senhor não é espírita.
Não há por que eu
freqüentar a sua Tenda.
Somos amigos,
continuaremos amigos,
quero o seu progresso
material e espiritual,
mas nossos campos de
trabalho não têm pontos
comuns.
Mesmo assim, durante
muitos anos, tive que
comparecer ao Centro do
Senhor Américo, nos dias
27 de setembro, para
distribuir às crianças
os primeiros pacotes de
doces, na homenagem que
os umbandistas, todos os
anos, prestam a Cosme e
Damião.
Américo é católico. Não
perde uma missa. Batiza
os filhos, casa-os na
Igreja, acompanha
procissões e recebe seus
pretos-velhos nas noites
de sextas-feiras. É um
homem bom. Educado,
prestativo, sempre
alegre, quando está a
serviço dos outros.
Muitas vezes tenho
encaminhado a ele
médiuns que não se
adaptam à disciplina
espírita. Cumpriu o que
prometeu. Em sua Tenda,
Umbanda pura. Sempre
voltado para o bem, no
serviço de atendimento
aos sofredores que o
buscam.