MARCELO HENRIQUE PEREIRA
cellosc@floripa.com.br
Florianópolis, Santa
Catarina (Brasil)
Espiritismo e Jogos
Pan-Americanos
O título deste ensaio,
por si só, deve provocar
uma reação de surpresa e
dúvida por parte do
leitor. Afinal, qual é a
relação que existe entre
a Doutrina Espírita e um
dos maiores eventos
esportivos do mundo
contemporâneo, sobretudo
para os países
latino-americanos?
Introdutoriamente,
assim, pode-se afirmar
que qualquer situação
humano-espiritual está
ao alcance da
consideração
espiritista, sem que
tenhamos a intenção de
justificar ou referendar
as atitudes humanas,
mas, pelo contrário, a
proposta é aproveitar as
diversificadas situações
da vida material, como
mote para as apreciações
(oportunas) dos fatos à
luz do Espiritismo.
Os Jogos Pan-Americanos
são uma espécie de
versão simplificada dos
Jogos Olímpicos (ou
Olimpíadas), evento que
ocorre de quatro em
quatro anos, desde 1951,
entre agremiações
esportivas de diversas
modalidades (cada vez
mais amplas) que
representam a bandeira e
as cores dos países que
dela participam
(conforme critérios de
acessibilidade em
competições prévias – de
caráter eliminatório). A
realização é considerada
a segunda competição
poliesportiva mais
importante do mundo,
atrás, justamente, das
Olimpíadas Por detrás da
prática desportiva (que
envolve pessoas que a
exercem com ânimo
profissional – atletas,
dirigentes e árbitros)
–, há, com certeza,
diversos fatores, entre
os quais, citamos,
exemplificativamente, os
de cunho geopolítico,
econômico e social, que
podem ser determinantes
para a polarização dos
interesses do público
que comparece
(preferencialmente) aos
jogos, tanto quanto para
aqueles que, mesmo
situados nos lugares
mais longínquos,
acompanham, pelos meios
de comunicação, as
partidas. É a segunda
vez que o Brasil sedia a
competição, já que, em
1963, a cidade de São
Paulo foi a escolhida.
Os jogos são, portanto,
uma grande festa,
marcada substancialmente
pela pluralidade
cultural e étnica, onde
desfilam caracteres e
expressões que
contemplam povos, raças
e gerações, numa
indizível miscigenação.
Guardadas as devidas
proporções, tem-se que,
em regra, mesmo com as
dicotomias da linguagem
articulada (idioma) e
gráfica, as pessoas
conseguem se comunicar,
se entender e se
respeitar.
Excetuando-se, é claro,
alguns seres que ainda
estagiam em níveis
psicológicos de
perturbação e violência,
pode-se afirmar, com
tranqüilidade, que a
acirrada competição nos
gramados, calcada na
disputa pela vitória,
superando adversários,
não se estende para as
arquibancadas, pois a
“ficção” que é
representada pelos
embates esportivos não
corresponde, na vida
“real”, à aniquilação de
uns por parte de outros
(permita-nos o leitor
que nos antecipemos em
dizer que, apesar da
existência, no presente
ou em tempos idos, de
governantes tiranos,
déspotas e beligerantes,
aqueles que, inclusive,
dizimaram ou tentam
dizimar seus
“opositores”, a imensa
maioria dos povos
prefere a convivência
pacífica e harmoniosa).
Sob a ótica espírita,
então, como pode ser
encarado (e
interpretado, mesmo que
por analogia) o
acontecimento em tela?
Vamos, pois, aos
elementos que, em nossa
visão e análise, merecem
destaque e digressão.
Primeiramente, o esporte
(e tudo aquilo que com
ele se relaciona –
patrocínios,
comunicação, tecnologia,
alimentação, hospedagem,
lazer, comércio, etc.) –
configura a dedicação e
o interesse (direto ou
indireto) de Espíritos
encarnados nas ocupações
materiais da vida, o que
recebe o título
conceitual de trabalho.
Emmanuel, num de seus
oportunos escritos,
certa feita, já havia
afirmado: “Toda ocupação
útil é trabalho”. Neste
sentido,
complementarmente, a
vitória no competitório,
representada pelas
medalhas, materializa a
conjugação de esforços
(individuais e
coletivos) para tal
intento e, nesta
acepção, pode-se dizer
que “ganhou o mais
capaz”, isto é, aquele
que mais trabalhou (para
tal desiderato).
A competição esportiva,
por extensão, é regida
por regras (rígidas) que
contemplam a punição aos
faltosos (arbitragem,
exames de “antidoping”,
suspensão e/ou exclusão
de participantes), seja
pela atuação (direta e
imediata) dos árbitros,
seja posteriormente a
cada jogo, por análises
e deliberações de órgãos
colegiados. Aqui, uma
verossímil semelhança
com a sistemática da
Justiça Divina, que, a
partir de um sistema de
compensação (ação e
reação), determina a
forma pela qual os seres
saldam seus débitos e
restituem possíveis
prejuízos causados. Não
é necessária, assim, a
presença de um Tribunal
Espiritual, pois o
próprio ser é o juiz de
si mesmo. A principal
distinção entre as
avaliações do esporte e
os atos judiciais
espirituais é que, no
âmbito destes últimos,
não existem “injustiças”
nem os erros comuns ao
nível humano e suas
imperfeições.
Em segundo plano, o
objetivo da competição é
a vitória, que
representa a adoção da
melhor estratégia, com
os recursos disponíveis,
frente aos distintos
desafios que constituem
a competição, desde as
fases iniciais, passando
pelas eliminatórias, até
chegar à final. Assim
também o é em relação às
lutas e embates do
cotidiano
humano-espiritual,
quando cada indivíduo
adota estratégias,
programa-se para o
futuro, reúne
credenciais e
qualificações para
superar suas limitações
e “ser o melhor”. A
vitória é, assim, do
ponto de vista
espiritual, uma
conquista, e não obra do
acaso, da sorte, ou da
“conspiração (a favor)
dos deuses”. Se, no caso
do esporte, um lance
casual, uma infelicidade
de algum atleta, ou um
erro humano podem
determinar um resultado,
na vida, a equação
merecimento-competência-trabalho
parece ser a mais
adequada para
representar o conjunto
da trajetória exitosa de
todos os Espíritos, uns
mais rapidamente do que
outros, é bem verdade.
No cenário da vitória,
deve ficar evidente que
a ambição não assume
contornos de vaidade e
egoísmo, ou de
prepotência e arrogância
– tão comuns no esporte
– mas, em verdade, devem
sobressair aspectos
relacionados ao
desenvolvimento de
virtudes como a
perseverança, a
dedicação, o
comprometimento e a
participação efetiva
daqueles que desejam
vencer. No plano ideal
da existência
espiritual, deve o ser
alegrar-se com o
sucesso, mas, ao
contrário das
manifestações materiais,
a alegria do companheiro
(e, até, do adversário)
é compartilhada mesmo
pelos “derrotados”, pois
todos, indistintamente,
mais dia menos dia,
alcançarão os objetivos
finalísticos.
Outro ponto a salientar
– principalmente nos
últimos tempos – é a
questão do ‘‘fair play”,
isto é, a solidariedade,
o “jogo leal”, que
principia por pequenos
gestos, na competição,
interrompendo-a sempre
que haja um atleta
contundido (machucado),
para que este seja
atendido, assim como, em
dadas situações, os
adversários se desculpem
em virtude de alguma
jogada mais ríspida, nos
esportes em que haja
contato físico. Esta
deve ser, em essência, a
tônica dos
relacionamentos humanos,
e passa a ser rotina
quando o ser desperta
para certas necessidades
e passa a tratar o
semelhante do mesmo modo
como deseja ser, por
ele, tratado. Isto,
fundamentalmente,
diferencia os seres
entre si, de modo que a
assunção de uma postura
pró-ativa, solidária e
construtiva, causa
reações nos
circunstantes,
provocando, nestes
últimos, a oportuna
reflexão que impele à
mudança.
Temos presente, neste
peculiar, que,
principiando por fazer o
bem àqueles que, também,
favoravelmente nos
tratam – aquilo que a
lição evangélica
identifica como o amor
aos parentes e seres
mais próximos de nós –
evolui para a
consideração dos outros
seres que nos rodeiam,
até alcançar os que se
comportam ou se dizem
nossos inimigos:
adversários de ontem ou
de hoje, que estagiam
conosco no aprendizado
de todos os dias.
Por fim, ainda que num
exercício de ufanismo
(ou utopia), resta-nos
considerar que o
verdadeiro congraçamento
entre atletas e
torcedores pelos
ginásios, canchas ou
estádios dos Jogos
Pan-Americanos, sejam
representativos de uma
futura atmosfera de
total entendimento entre
os seres que, mais
despertos para as
realidades espirituais,
possam envidar todos os
esforços no sentido da
compreensão do
semelhante, da harmonia
entre indivíduos e
povos, numa festejada
fraternidade.
Quem sabe um dia, o
exemplo do esporte esteja estampado no
cotidiano de nossas vidas!