MARCELO HENRIQUE
PEREIRA
cellosc@floripa.com.br
Florianópolis,
Santa Catarina
(Brasil)
Códigos e
Mistificações
O Espiritismo,
uma vez mais,
ganha as páginas
de uma das
principais
publicações da
mídia escrita do
país, a revista
“IstoÉ”, em sua
edição n. 1972,
de 15.08.2007.
Nela, capa e
matéria de oito
páginas têm como
escopo a
lembrança dos
cinco anos da
morte do médium
Francisco
Cândido Xavier
e, em especial,
a polêmica em
torno dos
chamados “sinais
secretos de
Chico Xavier”,
um alegado
conjunto de
senhas
confidenciais
que o espírita
mineiro teria
deixado a alguns
parentes e
amigos mais
próximos, para a
identificação de
suas
comunicações
post-mortem.
Evidentemente,
ocupar a
doutrina este
espaço social
por meio de
publicação que
circula em todo
o território
nacional e com
expressiva
tiragem
(não-divulgada)
é motivo de
entusiasmo para
aqueles que
professam a
Filosofia
Espírita,
contribuindo
para o aumento
de interessados
em melhor
conhecer nossa
proposta e
freqüentar
instituições,
ou, por si só,
para fomentar o
debate entre os
leitores, posto
que coloca o
Espiritismo na
chamada “ordem
do dia”.
Todavia, a
questão de fundo
– e que ocupa,
inclusive, a
chamada de capa
– é a existência
de um suposto
código que seria
fundamental para
o
“reconhecimento”
do Espírito
Chico Xavier, em
seus contatos
com o mundo “dos
vivos”, no
ansioso retorno
do amigo que se
foi e que
deixou,
notadamente, uma
folha de
serviços
prestados ao
Espiritismo e
uma imagem de
“nobre alma”,
que tanto fez em
favor dos
semelhantes,
seja pelos
trabalhos
assistenciais, a
distribuição a
entidades
filantrópicas
dos direitos
autorais de seus
418 livros
psicografados,
além, é claro,
do próprio
consolo que a
transmissão das
comunicações de
entes queridos
(mortos) a seus
familiares, por
intermédio do
médium de
Uberaba,
proporcionaram
nos seus mais de
75 anos de
“apostolado”
medianímico.
O fundamento
para a
existência (ou
para a crença
neste “código”)
seria a
preocupação do
próprio Chico
com a difusão de
pretensas
mensagens
psicografadas
após o seu
desencarne, por
médiuns que,
supostamente,
poderiam
utilizar tais
comunicações
“assinadas” por
ele, para
auto-promoção ou
dividendos
financeiros e,
ainda, o
comprometimento
de sua “imagem
espiritual” com
a difusão de
mensagens
apócrifas e de
conteúdo
prejudicial.
Segundo se sabe
(e a reportagem
reforça), Xavier
teria
“combinado” com
seu filho
Eurípedes Higino
dos Reis, seu
médico Eurípedes
Tahan Vieira e a
amiga Kátia
Maria, “sinais
secretos” que
somente eles
poderiam
confirmar, e que
constariam de
mensagens que o
médium, já do
outro lado,
enviaria, com a
peculiaridade de
que cada um
saberia um tipo
de código, mas
não teria
conhecimento do
informado por
Chico aos
demais.
Este elemento
merece uma
análise sob a
ótica da própria
filosofia
espiritista,
levando em conta
não só a
“vontade” do
querido Chico,
mas os elementos
apresentados em
O Livro dos
Médiuns – o
principal e
basilar
compêndio sobre
mediunidade à
luz do
Espiritismo –
que são a
diretriz
imprescindível
para a
aquilatarão e o
entendimento das
questões afetas
não só à
comunicação
psicográfica,
como a qualquer
outra ocorrência
de natureza
mediúnica[1].
Na obra citada,
por exemplo,
quando Kardec
questiona os
Espíritos
Superiores
acerca da
natureza e da
forma das
comunicações
espirituais,
deles recebe a
configuração em
quatro grupos
(grosseiras,
frívolas, sérias
e instrutivas),
passíveis de
serem deduzidas
a partir do
efeito (exame da
comunicação)
para chegar-se à
sua causa
(origem e
identificação do
Espírito
comunicante).
Como a Escala
Espírita (veja
O Livro dos
Espíritos,
item 100 e
seguintes)
compreende uma
variedade
considerável de
níveis
evolutivos
espirituais,
dá-se que
qualquer um
deles possa, a
princípio, se
comunicar
(guardadas, é
claro, as
proporções em
função das
limitações ao
exercício das
faculdades
espirituais –
para uns mais
que outros, em
função do nível
evolutivo
individual).
Deste modo, a
avaliação de
toda e qualquer
mensagem obtida
mediunicamente
há de passar
pelo crivo de
duplo exame
quanto aos
componentes de
inteligência e
moralidade, para
a consideração
da mesma como
pertencente a um
dos gêneros
acima
apresentados.
Um destaque,
ainda, neste
parâmetro se faz
necessário,
justamente
porque no grupo
das comunicações
sérias, há uma
subdivisão entre
as verdadeiras e
as falsas,
quando, no dizer
dos Espíritos
Superiores,
certos
comunicantes
desencarnados
“[...] para
melhor
acreditados se
fazerem e maior
importância
ostentarem, não
escrupulizam de
se adornarem com
os mais
respeitáveis
nomes e até com
os mais
venerados”
(item 136, da
obra comentada),
razão pela qual,
nestes casos, o
exame técnico
apontaria para a
falsidade de
ditos
pronunciamentos.
Considerando que
a mediunidade
psicográfica é o
meio mais
simples, cômodo
e, sobretudo,
completo (item
178),
principalmente
porque, por ele,
os Espíritos
revelam melhor
sua natureza e o
grau do seu
aperfeiçoamento
ou inferioridade
e, ainda assim,
a natureza das
comunicações
guarda sempre
relação com a
natureza do
Espírito –
trazendo o cunho
da sua maior ou
menor elevação,
seu saber ou sua
ignorância (item
185).
Também é
necessário
avaliar (ou
estudar) as
qualidades do
médium
(instrumento
oferecido ao
Espírito), em
cotejo com as do
comunicante,
pois disso
depende a
eficácia do
resultado
pretendido – a
comunicação
(item 186).
Nesta análise,
deverão pontuar
não somente a
ética, a
honestidade e o
desprendimento
do primeiro, na
execução da
tarefa, quanto a
questão do seu
adequado preparo
para a atividade
medianímica,
posto que o
descuido ou a
falta de zelo
para com o
momento (ou a
própria
atividade
espiritual)
podem ser – e
são, amiúde –
componentes que
comprometem a
lisura, a
finalidade e a
autenticidade da
comunicação.
Assim, tanto
podemos estar
diante de
situações em que
há fraude
(material, do
médium), quanto
mistificação
(espiritual),
conforme visto
acima, pelo
desejo do
Espírito em
“passar-se por
outro”.
Kardec enuncia
(item 191, 1º) a
existência, em
relação aos
médiuns
escreventes
(psicógrafos),
da categoria
“polígrafos” que
alteram, quando
mediunizados, a
escrita (em
relação ao seu
modo ordinário
de escrever) –
opção mais
vulgar, no
sentido de que
quase todos os
escreventes
assim atuam –
ou, num tipo
mais raro,
conseguem
reproduzir a
escrita do
“morto”, sem
falsidade – como
assaz já ocorreu
em episódios de
utilização de
cartas
psicográficas
como prova em
processos
judiciais,
comprovada, por
exame
grafotécnico, a
autenticidade.
Como o que teria
levado,
pretensamente,
Chico a
convencionar um
meio de
comprovação da
autoria das
mensagens, seria
a possibilidade
(real) do
aparecimento de
médiuns
charlatães ou
iludidos, vale a
remissão ao item
196, que trata
da categoria
“médiuns
imperfeitos”,
dentre os quais
existem os
fascinados
(iludidos por
Espíritos
enganadores) e
os presunçosos
(que pensam
estar somente em
contato com
Espíritos
superiores).
Vale lembrar que
a questão
“identidade” do
comunicador é
elemento que
requer
experiência e
manda a
prudência
sempre se
desconfie da
origem (item
211). Ademais,
somente o estudo
acerca da
natureza das
comunicações,
com ênfase às
circunstâncias e
à linguagem
utilizada
poderão ser
úteis à
constatação de
veracidade ou
não, ou da maior
ou menor
interferência
anímica no
processo.
De outra sorte,
tem-se que as
qualidades
morais do médium
sejam
importantes para
afastar os
Espíritos
imperfeitos (que
desejem se fazer
passar por
outros), mas
elas por si só
não são
suficientes para
a aferição da
verdade nas
comunicações,
porque muitos
instrumentos
deste jaez
recebem
mensagens
frívolas ou
grosseiras,
razão porque se
insiste na
adoção de
metodologia de
verificação de
meios e
resultados. Ou,
como bem
asseveram os
Espíritos a
Kardec (item
226), em alguns
casos, podemos
conhecer em
parte ou até
superficialmente
os médiuns, pelo
que eles se nos
apresentam, mas
não podemos
penetrar nos
escaninhos de
suas almas. No
primeiro plano,
teríamos a
possibilidade do
comunicador
enganar o
comunicante, e,
no segundo,
provavelmente,
um conluio entre
um e outro para
enganar
terceiros.
No campo das
mazelas humanas,
a que o
movimento e as
instituições
espíritas não
estão isentos ou
protegidos,
porquanto seja
condição
inerente à
falibilidade
humana, podemos
encampar a
existência dos
chamados
médiuns
interesseiros,
que “[...]
não são apenas
os que
porventura
exijam uma
retribuição
fixa; o
interesse nem
sempre se traduz
pela esperança
de um ganho
material, mas
também pelas
ambições de toda
sorte, sobre as
quais se fundem
esperanças
pessoais”
(item 306).
Neste sentido,
prudência e
vigilância são
altamente
recomendáveis.
No componente
afeto à prova da
identidade do
Espírito
comunicador, o
próprio Kardec –
com supedâneo
nas instruções
espirituais –
aponta-a como a
segunda maior
dificuldade para
os médiuns e
para o trabalho
espírita, logo
após a obsessão
(item 255). A
visualização da
identidade (ou a
identificação de
nossa parte em
relação a quem
dita mensagens)
passa a ser
questão
secundária,
corriqueiramente
de importância
para nós,
humanos, quando
deveríamos em
larga escala nos
preocuparmos com
o “nível”, o
conteúdo das
mensagens e o
seu proveito,
não individual,
mas coletivo,
direcionado ao
proveito e à
evolução do orbe
(o Espírito deve
ser julgado por
suas qualidades
não por suas
insígnias).
No caso
chicoxavieriano,
nada valem a
assinatura e a
pomposidade da
comprovação do
código
pretensamente
deixado. Como
atestam os
Benfeitores
Espirituais
(item 257), “Muito
mais fácil de se
comprovar é a
identidade,
quando se trata
de Espíritos
contemporâneos,
cujos caracteres
e hábitos se
conhecem,
porque,
precisamente,
esses hábitos,
de que eles
ainda não
tiveram tempo de
despojar-se, são
que os fazem
reconhecíveis e
desde logo
dizemos que isso
constitui um dos
sinais mais
seguros de
identidade”.
Custa-nos
aceitar e crer,
por isso, que
três pessoas que
teriam sido bem
próximas do
uberabense
houvessem de ser
“convencidas”
por símbolos, já
que,
mostrando-se
claramente
interessadas na
confirmação da
autoria
espiritual, se
comparecessem ao
lugar e junto ao
médium que
houvera recebido
a manifestação,
e presenciando
novo evento,
poderiam
atestar, com
base em
elementos
conhecidos (por
eles) da
personalidade do
falecido, a
veracidade da
comunicação,
utilizando, para
tal, sistemática
apropriada ao
trabalho
medianímico. Do
contrário,
preferem se
basear em
elementos
“místicos”,
conferindo um
certo ar de
“mistério” às
comunicações que
julgarem ser
verdadeiras,
eliminando o
esforço de
interpretação à
luz da filosofia
espírita.
Guardadas as
devidas
proporções,
tratamos o caso
presente, se
assim baseado,
como
“sobrenatural” e
“misterioso”,
longe da
abordagem e da
cátedra
espiritistas,
bem ao sabor das
“revelações” de
santos e
mártires
existentes em
igrejas como a
católica, que
não possui um
rito de análise
e sistemática
para sua
ocorrência, os
reconhecendo,
apenas, como
“milagres”.
Bem distante de
tentarmos “nos
defender” de
mistificações ou
falsidades, bem
como de
possíveis
investidas
contra o “nome”
e a “reputação”
do querido
“Cisco de Deus”,
como Chico se
autodenominava,
melhor seria
investirmos
maciçamente no
preparo e na
qualificação de
trabalhadores e
instituições
espíritas,
seguindo os
conselhos
fraternais
daquele que foi
incumbido de
sistematizar a
Doutrina
Espírita:
Kardec. Mas,
como pouco ou
quase nenhum
valor damos à
sua magistral
obra, apesar de
ostentarmos a
adjetivação
“espírita”,
continuamos, em
regra,
abandonando os
procedimentos e
a metodologia
por ele ensinada
e praticada,
mesmo que ele
tenha, em muitos
casos, alertado
e prevenido os
profitentes
espíritas para
os riscos a que
o Espiritismo se
acharia sujeito.
Repisando as
orientações
básicas, temos:
“Se o ser
enganado é
desagradável,
ainda mais o é
ser mistificado”
(item 303).
Mais curioso
ainda é o fato
de que
precisemos nos
valer de “sinais
secretos” para
confirmar o que
os nossos olhos
críticos de
atenção aos
fenômenos (com
base no estudo e
no método
genuinamente
espíritas)
poderiam atestar
ou afastar. Em
complemento, ou
não estamos
preparados para
tal atividade,
ou estamos
alinhados ao
grupo dos
“pseudo-espíritas”
que, por ainda
não conhecerem a
fundo os
princípios
espiritistas,
“[...] se
deixam
facilmente
iludir pelas
aparências, ao
passo que um
prévio estudo
atento as
inicia, não só
nas causas dos
fenômenos, como
também nas
condições
normais em que
eles costumam
produzir-se e
lhes ministra,
assim, os meios
de descobrirem a
fraude, se
existir”
(item 316).
Do contrário,
como os
Instrutores
Espirituais
mesmo afiançam,
“[...] a
melhor garantia
está na
moralidade
notória dos
médiuns e na
ausência de
todas as causas
de interesse
material, ou de
amor-próprio,
capazes de
estimular-lhes o
exercício das
faculdades
mediúnicas que
possuam,
porquanto essas
mesmas causas
poderiam
induzi-los a
simular as de
que não dispõem”
(item 323),
exame que
espíritas
sinceros e
devotados,
acostumados com
a seriedade dos
trabalhos e a
experimentação
mediúnica,
poderiam (e
podem) realizar
sem maiores
contratempos ou
dificuldades.
Nosso dever,
assim, deve ser
endereçado à
recomposição do
método
kardequiano, uma
volta às
origens, por
fidelidade ao
seu pensamento e
por respeito à
proposta
espiritista de
tratamento e
consideração da
mediunidade. E,
para isso,
mister se faz
que revivamos
seus ensinos e
os
complementemos,
com nossa
observação e
vivência atual,
em novos
experimentos e
principalmente
na utilização da
sistemática de
apreciação da
fenomenologia
mediúnica tal
qual Kardec
no-la apresentou
nos livros
básicos.
Conclusivamente,
lamentamos que
chegue à mídia –
por intenção dos
próprios
envolvidos e por
uma suposta
interferência do
próprio Chico,
desde que
considerada
verdadeira a
hipótese do
código ter sido
“combinado” por
iniciativa do
próprio médium
mineiro – a
história de que
precise haver
uma forma
“criptografada”
de confirmação
da autenticidade
de pretensas
comunicações
mediúnicas, já
que o
Codificador, de
modo pontual e
digno de
reconhecimento,
estabeleceu, em
concurso com os
Espíritos
Superiores, a
metodologia de
trabalho
espírita para a
consideração da
mediunidade, com
base nos
critérios
espíritas
(contidos,
principalmente,
em O livro dos
médiuns) e nos
legou, como
principal
trabalho na
ambiência
espírita, a
utilização da fé
raciocinada, da
lógica racional
e dos princípios
afetos ao
Consenso
Universal dos
Ensinos dos
Espíritos (CUEE)
como base para a
nossa atividade
medianímica e
para a
continuidade dos
trabalhos de
difusão da
mensagem
espírita.
Estes elementos
são
suficientemente
válidos para que
nós, espíritas
interessados e
estudiosos,
possamos aferir
se esta ou
aquela
comunicação
atribuída ao
“mineiro do
Século” passado,
possam ser
verdadeiras. De
nossa parte,
acreditamos que
tanto o Chico
quanto qualquer
outro benemérito
do trabalho
espírita se
comuniquem para
nos dar o
testemunho da
continuidade do
seu trabalho,
embora,
sinceramente,
não precisemos
disso para
“alimentar”
nossa crença
racional.
Desejável seria
que não
existissem
médiuns
orgulhosos ou
vaidosos,
inescrupulosos
em relação à
tentativa de
“adulteração” de
mensagens ou do
“reconhecimento
público” de seus
prodígios
mediúnicos,
assim como
adeptos,
freqüentadores e
simpatizantes
que, sem a
cautela, o
estudo e o
preparo devidos,
dentro da
ciência e da
filosofia
espíritas, “em
tudo acreditem”,
dando
sustentação a
circunstâncias e
eventos que, com
o mínimo de
rigor
técnico-científico
espírita,
poderiam ser, de
pronto,
rechaçados.
O que faz a
falta da
continuidade do
método
kardequiano ao
nosso movimento!
“[...] a luz
sempre chega ao
que a deseja
receber. Todo
aquele que
queira
esclarecer-se
deve fugir às
trevas e as
trevas se
encontram na
impureza do
coração.”
Espírito de
Verdade, O
Livro dos
Médiuns,
item 226, in
fine.
Nota:
O
conteúdo da
reportagem em
comento, na
citada revista,
pode ser
acessado em
http://www.terra.com.br/istoe/