JOSÉ CARLOS MONTEIRO DE MOURA
jcarlosmoura@terra.com.br
Belo Horizonte, Minas Gerais (Brasil)
Atavismo religioso
A visita
do Papa Bento XVI ao Brasil no próximo mês
de maio não deverá implicar qualquer
esperança quanto a um possível avanço no
diálogo inter-religioso, defendido até pelos
membros mais esclarecidos do próprio
Catolicismo. Tem-se a impressão, no entanto,
de que isso não é objeto de suas cogitações,
em face da postura que adota desde os tempos
em que era o Prefeito da Congregação para a
Doutrina da Fé, nome moderno do Santo
Ofício.
No final
do ano passado, colaborou até mesmo para
acirrar ainda mais os ânimos entre Ocidente
e Oriente quando associou o Islã à
violência, invocando um pronunciamento de
Manoel II Paleólogo, imperador bizantino do
século XIV.
A reação
do mundo islâmico foi de tal ordem que levou
Daniel Pippes, renomado especialista em
Oriente Médio e Islamismo, a escrever:
“Quaisquer que tenham sido as intenções do
papa, ele causou um furor quase previsível
no mundo islâmico. Por toda parte
autoridades políticas e religiosas
condenaram o discurso algumas
clamando por violência”.
Em mais de
uma oportunidade deixou muito claro que não
admite nenhuma outra religião, pois tem
insistido em dizer que “só na Igreja
Católica se encontra a Igreja de Cristo. Nas
outras há apenas elementos, como portas e
paredes, mas não chegam a formar uma casa.
Por isso não são igrejas nem devem, de
direito, ser assim chamadas”. Tanto quanto
seu antecessor, João Paulo II - de quem foi
o mais próximo colaborador -, é partidário
convicto do “Fora da Igreja não há salvação”
Até no que
diz respeito às divergências existentes no
seio do Cristianismo (Igreja Católica
Romana, Igrejas Ortodoxas e Igrejas
Reformadas ), é de notar que, quando a
Igreja Romana se aproxima de algum desses
segmentos, o faz com indisfarçável
sentimento de superioridade. Dificilmente
cede algum espaço, por menor que seja.
Insiste e persiste em se julgar a única e
exclusiva detentora da verdade, por obra
e graça divinas!
Por isso,
não se deve esperar, nesse particular
aspecto, qualquer boa vontade do Chefe do
Catolicismo para com as demais religiões
existentes no Brasil, sobretudo com relação
ao Espiritismo, que, graças a Deus, continua
sendo a grande pedra no sapato dos que
defendem e sustentam as dogmáticas
verdades romanas.
A nós
particularmente, a não ser pela curiosidade
natural que a sua figura humana desperta,
sobretudo e principalmente em face de seu
aspecto prussiano e muito próximo dos
generais de Hitler, a aludida visita é de
todo irrelevante e destituída de qualquer
conseqüência mais séria. Estão distantes os
tempos em que os povos e nações do Ocidente
eram coagidos a se curvar ante o poderio
papal, cuja intromissão nos negócios de
estado desses povos e nações era
incontestável e inevitável.
Tais
considerações são feitas tendo em vista
algumas manifestações de certos confrades,
que se mostram eufóricos ante aquilo que
consideram uma grande conquista do
Espiritismo, tendo em vista o fato de que,
embora o Brasil seja a maior nação espírita
do mundo, isso não impedirá que receba em
seu solo o representante de Cristo na
Terra (sic) !
É
induvidoso, claro e irrefutável que o
Espiritismo nada sofrerá, nem para melhor,
nem para pior, com a presença do papa entre
nós. Suas virtudes, bem como seus problemas
e dificuldades – e negar que eles existem
será negar a própria natureza humana de seus
adeptos – não se modificarão, nem
desaparecerão graças a um milagre de Sua
Santidade. Infelizmente, ele não está
livre de algumas mazelas típicas de tudo
aquilo em que há a participação do ser
humano. Os que as cultivam se esquecem,
conscientes ou inconscientemente, de que a
Doutrina não é nossa, mas dos Espíritos.
Enveredam, quase sempre, pelo terreno
tortuoso da intolerância religiosa e a levam
para dentro do Movimento. Tornaram-se
comuns, em face disso, as filiações a essa
ou àquela corrente doutrinária, as disputas
de natureza acadêmica, as críticas marcadas
pela ironia e, às vezes, os ataques diretos
à própria honra alheia!
O efetivo
comprometimento com a Doutrina dos
Espíritos, cujo objetivo final é, segundo
Kardec, estabelecer, em definitivo, a lei
da fraternidade e da solidariedade entre os
homens - o que somente será alcançado
através da reforma interior de cada membro
da sociedade - nem sempre é observado com a
seriedade desejável.
Essa
situação deve ser evitada e,
progressivamente, eliminada do meio
espírita. Trata-se, contudo, de um trabalho
que parte do particular para o geral (ou do
individual para o coletivo) e que exige o
esforço próprio de cada um. Ele significa,
em síntese, a já relembrada reforma íntima,
cuja realização independe da presença física
de quem quer que seja, a não ser que ela
implique, como no caso, por exemplo, de
Francisco Cândido Xavier, um exemplo tão
marcante e sensibilizador que provoque uma
reação capaz de modificar o modo de ser das
pessoas.
Daí se
conclui que o progresso do Espiritismo no
Brasil e no mundo depende, única e
exclusivamente, do esforço pessoal de cada
adepto. Não se condiciona a romarias,
visitas de autoridades religiosas, práticas
devocionais ou a outros tipos de
procedimento que a herança religiosa
de seus seguidores ainda mantém viva – como
reminiscência reencarnatória – no
subconsciente de cada um.