JOSÉ
PASSINI
passinijose@yahoo.com.br
Juiz de Fora, Minas Gerais (Brasil)
Cobrança
“...
de graça recebestes, de graça
dai.” - Jesus (Mt, 10: 8)
Vez por outra, discute-se no
meio espírita a questão do pagamento de
taxa de inscrição para participação em
eventos doutrinários. É tema delicado, que
envolve muitas situações particulares e,
às vezes, se choca frontalmente com opiniões
até apaixonadas de alguns irmãos. Por
isso, merece a atenção e a preocupação
daqueles que se propõem ao trabalho espírita,
mantendo as atividades sob a sua
responsabilidade dentro dos parâmetros saudáveis
que não são facilmente verbalizáveis numa
lista de “permitido/proibido”, mas
intuitivamente sentidos por aqueles que
buscam agir com equilíbrio e bom-senso.
É imprescindível tenhamos
cuidado constante, muita vigilância e apoio
na oração, na busca de diretrizes do Alto,
a fim de não levarmos o Movimento Espírita
a incidir nos mesmos desvios sofridos pelo
Movimento Cristão que, vagarosa e
imperceptivelmente, se tornou uma religião
institucionalizada, hierarquizada, na qual o
trato com valores monetários passou, da
contribuição espontânea para assistência
aos mais necessitados, à fixação de taxas
disfarçadas sob vários nomes, encaminhadas
para a manutenção do profissionalismo,
construção de prédios e acumulação de
riquezas.
Necessário se faz que nós,
que abraçamos a Doutrina Espírita – e
que temos a certeza inabalável da sua missão
de reviver o Cristianismo na sua pureza,
simplicidade e pujança originais –
avaliemos as ações que estão na nossa
esfera de decisão, com vistas aos reais
objetivos do Espiritismo.
Entre os extremos de dar tudo
de graça – inclusive livros – e cobrar
entrada ou taxa de inscrição para
palestras, simpósios, seminários, há um
meio-termo ideal, ditado pelo bom-senso.
Mesmo no tocante ao livro,
devemos tomar cuidado para que não se
estabeleça uma comercialização
exacerbada, em detrimento da qualidade das
obras, como, lamentavelmente, já se vê. O
produto da venda do livro espírita deve
objetivar o ressarcimento dos custos, ou a
manutenção de atividade social.
Infelizmente, não é o que se constata em
muitos casos, diante do alto preço de obras
– algumas de qualidade duvidosa, sob o
aspecto doutrinário – que têm sido lançadas
no mercado ultimamente, muitas das quais
vendidas em livrarias ou centros espíritas,
cujos dirigentes, muitas vezes, tentados
pela obtenção de recursos para
melhoria de instalações ou para o trabalho
assistencial, deixam de examiná-las
criteriosamente. Não estamos defendendo,
com isso, o estabelecimento de um “índex”.
Só nos move a lembrança de que uma
instituição espírita ao divulgar uma obra
está – para a maioria das pessoas –
dando-lhe aval doutrinário.
O ideal seria que as editoras
fossem sociedades civis, dirigidas por
conselhos não-remunerados, como acontece
nos centros e outras entidades espíritas.
Conforme as conveniências, os livros
poderiam ser confeccionados em empresas
especializadas e as entidades espíritas
promoveriam a sua venda a preços capazes de
apenas manter as editoras funcionando.
Somente os profissionais dessas sociedades
seriam assalariados para a prestação de
serviços específicos, como existem em
muitas entidades espíritas.
Quanto ao pagamento de taxa de
inscrição, há pessoas que argumentam não
terem as casas espíritas fundos suficientes
para cobrir despesas com viagem de
expositores, aluguel de auditório, material
de trabalho. Daí, argumentam, a necessidade
da cobrança de taxa de inscrição.
Será que não há outros
meios de se resolver o problema? Sempre
chamamos a atenção de companheiros de
ideal, dirigentes de casas espíritas, para
o fato de necessitarmos de colaboradores
financeiros, a fim de prover pagamentos de
despesas, como água, luz, telefone,
material de limpeza, conservação do imóvel,
etc. Há grupos espíritas que têm excesso
de escrúpulos no sentido de pedir ao público
em geral, levando o ônus financeiro a
alguns poucos. Neste particular, lembramos
Emmanuel, que aconselhou: “As obras espíritas
devem ser mantidas com o pouco de muitos e não
o muito de poucos.”
Concordamos que determinados
eventos demandam grande movimentação
financeira, entretanto cremos que há outros
meios, que não sejam o de pura cobrança de
taxa de inscrição ou ingresso. São
procedimentos mais trabalhosos, mas
parece-nos serem mais féis à maneira espírita
de agir.
Por exemplo: planeja-se um
seminário para algumas centenas de pessoas.
Sabemos que há custos: material para
estudo, pastas, e, às vezes, aluguel de
auditório, serviço de som, etc. Nesse
caso, por que não fazer um levantamento prévio
dos custos e solicitar a contribuição
sigilosa e espontânea daquele que se
inscreve, alertando que, se todos pudessem
pagar, o custo “per capita” seria tal,
mas como nem todos dispõem de recursos,
pede-se um pouco mais daqueles que podem
doar.
Não se estaria assim evitando
uma seleção de participantes com base no
poder monetário? Como ficaria a situação
de uma família que, integrada no movimento
espírita, não tivesse recursos para
pagamento da taxa?
Alguém, num juízo apressado,
poderá dizer que não dará certo, vez que
as pessoas não estão preparadas para uma
contribuição espontânea. Nesse caso,
achamos que seria necessário inicialmente
um longo trabalho educativo dessa
comunidade, a fim de sensibilizá-la para o
exercício da fraternidade cristã, o que
significaria uma boa base para o posterior
aproveitamento de seminários mais teóricos.
Se
medidas como essas não derem certo, é
porque aquela comunidade espírita ainda não
está suficientemente madura para
empreendimentos mais amplos. Carece-lhe
base. Nesse caso, seria preferível a não-realização
do evento. O prejuízo para a divulgação
da Doutrina Espírita seria menor.
Lembremo-nos de que Paulo divulgava o
Cristianismo trabalhando em teares alugados,
hospedando-se em casa de irmãos, falando
diante de pequenos grupos. A divulgação do
Cristianismo foi feita num trabalho de
“contaminação” quase que de pessoa
para pessoa. Não devemos perder isso de
vista. Não desejemos trabalhos de
“massificação” no Espiritismo. Os
congressos regionais, nacionais e mundiais têm
fins específicos e não devem ser
enquadrados nesse contexto. Divulgação
doutrinária e evangelização é outra
coisa. Lembremo-nos de que, durante mais de
um século, o Espiritismo divulgou-se sem
cobrança de inscrições e de ingressos e
sem essa comercialização desvairada de
livros... E divulgou-se muito, de maneira
segura. E quando nos assalte a dúvida, é só
olharmos para os imensos patrimônios que os
nossos predecessores nos deixaram e
imaginarmos como eles conseguiram isso tudo.
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