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Especial

Ano 1 - N° 21 - 7 de Setembro de 2007

JORGE HESSEN
jorgehessen@gmail.com
Brasília, Distrito Federal (Brasil)

O bem público e a ética na administração

 Com os escândalos divulgados pela mídia, constata-se
 um entrelaçamento crescente e preocupante entre
 a administração pública e as atividades criminosas

A bela capital da República não merece ser palco dos muitos escândalos que se sucedem na administração pública


Vivemos tempos complexos e tormentosos. Há violências de várias nuanças em toda parte do Orbe. “A violência urbana é reflexo natural dos que administram gabinetes luxuosos e desviam os valores que pertencem ao povo; que elaboram Leis injustas, que apenas os favorecem; que esmagam os menos afortunados, utilizando-se de medidas especiais, de exceção, que os anulam; que exigem submissão das massas, para que consigam o que lhes pertence de direito... produzindo o lixo moral e os desconsertos psicológicos, psíquicos, espirituais”. (1)

Em nosso País, o cenário político e social é frustrante. Entre denúncias de corrupção, omissões e de venalidade, sobra diminuta fé nos homens investidos de funções no serviço público.  Fala-se muito em políticas públicas, porém, o que mais tem prejudicado a aplicação dessas políticas é o nível de descrédito a que chegou o Estado com suas “instituições”. A sociedade política é vista com suspeita, quando não com hostilidade pela sociedade em geral.

No Brasil, a Proclamação da República, engendrada de cima para baixo, não teve como conseqüência a incorporação dos valores republicanos legítimos da transparência e da honestidade. A impunidade ensombra a Justiça e instiga novos desmandos. A massa, em geral, se espelha nos personagens eminentes da vida pública e procura, nas ressonâncias no comportamento destes, as próprias justificativas para seus deslizes deliberados.

O jargão “jeitinho brasileiro”, ou levar vantagem a despeito de tudo e de todos, irrompe-se como um escopo cristalizado, que se potencializa e se generaliza na tessitura do tecido social. A concepção do êxito ou sucesso pessoal, como resultado de um labor continuado e sistemático, torna-se pouco atraente. A entronização do "jeitinho" dos que resistem ao bom senso e à ética não mais significa espírito criativo, na essência, mas artimanhas dos espertalhões e ausência de caráter dos gazeteiros  das aulas de honestidade.

Muitos se interrogam no imo da consciência: Haverá futuro promissor para uma sociedade assim estruturada? Reflitamos nas notícias da História, que nos fornecem inúmeros exemplos de civilizações que se corromperam sob o império da defecção moral. 

Em Roma, no momento histórico do Império, os costumes e os valores se degeneraram. Alguns pensadores e filósofos mostraram-se angustiados nos seus textos com o estado de coisas daquelas épocas recuadas de então. Muitos juristas deixaram registros escritos que denotavam suas preocupações com a corrupção que invadia a vida pública romana. Alguns outros, porém, se preocupavam em propagar as medidas populistas, freqüentemente adotadas pelos governantes inebriados pelo poder da força, e não pela força do poder.

Muitas deliberações dos governantes atendiam a caprichos da massa, narcotizando suas mentes com os nacos de pães e espetáculos circenses, sem educá-la ou destiná-la ao trabalho produtivo.  

Existe uma similitude entre a conjuntura do
 cenário brasileiro atual e a sociedade
romana de dois mil anos atrás
 

A rigor, quem trabalhava era, coercitivamente, apenado com densos tributos, a fim de que “pujantes benefícios” fossem concedidos pelo Estado. Consubstanciavam-se, naqueles idos tempos, a retórica e a prática do assistencialismo, às sombras dos impostos arbitrariamente cobrados. Entretanto, o que mais indignava os sóbrios pensadores da Era áurea de Roma era a corrupção e a troca de favores, envolvendo o dinheiro público.

O bom senso sussurra-nos na acústica da consciência que cabe ao Estado assegurar direitos formalmente garantidos nas bases constitucionais da sociedade politicamente organizada. Entretanto, não apenas isso, mas espera-se, também, que o Estado mantenha os serviços de interesse coletivo em funcionamento normal. Sabemos que há juristas, cientistas políticos, sociólogos, economistas, pesquisadores e estudiosos de outras áreas do conhecimento, inclusive, dedicando tempo precioso e esforços contínuos para entenderem e melhorarem o funcionamento do aparato estatal, com vistas ao bom andamento dos interesses coletivos. Mas......!!!

Não precisamos fazer um esforço sobre-humano para percebermos a similitude entre a conjuntura do cenário brasileiro atual e a sociedade romana de dois mil anos atrás. Ainda respiramos os mesmos ares enfadonhos do regime do compadrio. O dinheiro público (que deveria ser destinado ao povo) é rateado entre alguns, como se fosse propriedade particular. 

A humanidade evoluiu, suficientemente, sob os aspectos filosófico-intelectual e científico-social, nestes dois milênios, mas as práticas estão enregeladas no tempo. Todos nós estamos à mercê das atitudes inconscientes ante os desafios da vida hodierna.  Alguns avanços permanecem tíbios, no que tange à moralidade. Em conseqüência, o País e o próprio Mundo seguem conturbados e carentes de maior harmonia coletiva. 

Com os escândalos divulgados pela mídia, constata-se um entrelaçamento crescente e preocupante entre a administração pública e as atividades criminosas, mediante um sistêmico processo de pressões, chantagens, tráfico de influência, intimidações e corrupções, com o uso do suborno e da propina, dentre outras falcatruas morais inimagináveis.

Na verdade, todos nós sofremos em razão da falta de Ética. Uma das possíveis conceituações de Ética nos é dada pelo Dicionário Aurélio: “Estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana, do ponto de vista do bem e do mal.” Urge salientar, porém, que Ética e moral não são a mesma coisa, segundo o pensamento de muitos autores.  A moral seria a soma dos hábitos, tradições, leis e costumes que sustentam uma sociedade. Portanto, seria de caráter coletivo. A Ética presume escolha voluntária de valores aos quais cada um se submete por vontade própria.  

O erário não existe para ser apropriado por alguns
 mutilados do caráter, mas para atender
às necessidades da coletividade

O fenômeno do mundo globalizado trouxe em sua esteira o receituário ideológico, estabelecendo parâmetros de conduta baseados na ética do mercado, isto é, baseados na competição e no exacerbado individualismo. Nesse carreiro, a inadimplência faz com que os muitos preços de produtos e serviços sejam maiores do que deveriam ser. Os porcentuais desviados do dinheiro público dificultam a construção de creches, escolas e hospitais, entre outras obras públicas, uma vez que a desorganização política e a corrupção constituem conseqüências e fatores causais de desorganização social.

Se quisermos viver num mundo melhor, devemos nos empenhar em promover uma reforma ética generalizada. Toda mudança começa por cada um de nós. Para que a sociedade melhore, cada qual deve se esforçar por se aprimorar. É imperativa a adoção de novos hábitos.  Chega de procurar levar vantagem, de fugir dos próprios deveres. Vamos, definitivamente, dar um basta às mentiras, às fraudes e às sonegações fiscais.

Urge sacralizar o bem público, pois todos nós somos responsáveis por ele.

O erário não existe para ser apropriado por alguns mutilados do caráter, mas para atender às necessidades intransferíveis da coletividade. Destarte, mister se faz a intransigente fiscalização de sua utilização, como cumprimento de um dever intransferível.

Quando formarmos uma sociedade consciente de seus deveres, apenas isso já nos garantirá desfrutarmos de um grande bem-estar social.

Que se restabeleçam os valores da Ética Cristã e que se revitalize o mundo da honestidade. A que ora presenciamos, por estar fundada em valores (sem valor), necessita de um ethos compatível para se manter: o cinismo, o sadismo e as mentiras consentidas.

Se pretendemos impugnar a centralidade da ética no humano, e, com isso, fundarmos um horizonte de abertura à arbitrariedade, à irresponsabilidade ou mesmo, num exercício abusivo dessa irracionalidade, à desumanização e a barbárie, cumpre-nos afirmar a primazia da ética na Administração Pública, por ser a instância fundante do valor dos valores da Administração: o interesse público.

Na condição de espírita que somos, sabemos que, para a criação da “República da Ética Cristã”, será necessária uma renovação mental e comportamental, já em curso por força das circunstâncias, mas que pode ser acelerada pela disseminação dos saberes que valorizam a honestidade, a dignidade da vida humana, a natureza e, até mesmo, a nossa subjetividade espiritual. 

Neste contexto “o Espiritismo, em razão da sua complexa estrutura cultural, científica, moral e religiosa, é a doutrina capaz de equacionar o sofrimento, liberando as suas vítimas.” (2) Desta forma, acreditamos que a Doutrina Espírita “chega, neste momento grave, como resposta do Céu generoso à Terra aflita, oferecendo diretrizes, equipamentos e luzes que proporcionam a paz.” (3) 

Fontes
:
1. FRANCO, Divaldo P. "Amor, imbatível amor". Pelo Espírito Joanna de Ângelis, 6ª ed. Salvador, BA: LEAL, 2000, p. 84.
2. FRANCO, Divaldo P. "Plenitude". Pelo Espírito Joanna de Ângelis, 9ª ed. Salvador, BA: LEAL, 2000, p. 132.
3. FRANCO, Divaldo P. “Desperte e seja feliz”. Pelo Espírito Joanna de Angelis, 6ª ed. Salvador, BA: LEAL, 2000, p. 12
 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita