EDUARDO
BATISTA DE OLIVEIRA
ebatistadeoliveira@ig.com.br
Juiz de
Fora, Minas Gerais
(Brasil)
Dogmas
Allan Kardec, antes de
dedicar-se à codificação
do Espiritismo, exerceu,
por 30 anos, a missão de
educador, tendo
publicado diversas obras
didáticas. Somente aos
51 anos, portanto já bem
maduro, é que começou a
estudar os fenômenos das
manifestações dos
Espíritos, que, à época,
se revelavam pelas
“mesas girantes”, grande
atração pública na
França de então.
A maturidade e a
experiência no campo
técnico-pedagógico
conferiram a Kardec
condições para a
elaboração, a partir das
respostas dadas pelos
Espíritos às suas
perguntas, de um
complexo e novo sistema
filosófico. Contudo,
mesmo sendo um filósofo
especialista, em sua
primeira obra, O
Livro dos Espíritos,
Kardec não utilizou a
linguagem técnica nem
seguiu os rigores de uma
minuciosa exposição
filosófica. Tal postura
não serviria a seus
propósitos, afirmava.
O Livro dos Espíritos,
editado somente dois
anos após o início de
seus estudos acerca das
manifestações
espirituais (prova de
sua profunda dedicação à
nova tarefa abraçada),
destinava-se ao grande
público, e não apenas a
especialistas.
Um novo princípio
filosófico-espiritual
destaca-se em sua obra:
o da FÉ RACIOCINADA,
muito evidente em O
Livro dos Espíritos,
em que Kardec se
posiciona como um
aprendiz que busca os
mínimos detalhes nos
esclarecimentos. A
respeito desse
princípio, Kardec
asseverou ser preferível
errar numa avaliação a
aceitar algo que não
passasse pelo crivo da
razão. Em razão de tal
princípio doutrinário, o
Espiritismo é
considerado
não-dogmático, isto é,
não impõe regras
filosóficas que não
sejam compreensíveis à
luz da razão. Por isso
dizemos que a fé
espírita é a fé
raciocinada, e não a “fé
cega”, dogmática.
Infelizmente, a despeito
da insistência de Kardec
a respeito desse
princípio, assistimos em
nosso meio espírita a
diversas tentativas de
dogmatizações. Práticas
equivocadas e
irracionais têm sido
introduzidas e, aos
poucos, tratadas como
essenciais. Muitos são
os esforços, individuais
ou de grupos, de se
impor “verdades”
incompreensíveis.
Em O Livro
dos Médiuns,
Kardec afirma que a
faculdade mediúnica se
relaciona com
predisposições
orgânicas: “a fé não é
condição obrigatória
para o iniciante” em
mediunidade, pois até
pessoas completamente
incrédulas se espantam
ao se perceberem
escrevendo sem querer,
ao passo que crentes
sinceros não o
conseguem. Experiências
de escrita automática na
Psicologia, iniciadas
por Pierre Janet,
comprovam a afirmativa
de Kardec (o fenômeno é
tratado como natural e
de ocorrência em
qualquer circunstância,
podendo ser observado em
crianças, adultos e
idosos, qualquer que
seja o temperamento, o
estado de saúde ou o
grau de desenvolvimento
intelectual e moral).
Outros clássicos, como
Léon Denis e Gabriel
Delanne, da mesma forma,
julgam que a mediunidade
está ligada a
propriedades do corpo
físico, tendo o último
concluído que tal se dá
pelas modificações sutis
sofridas pelo
perispírito,
transmitidas ao
organismo. Por isso,
prossegue Kardec em sua
afirmativa, quando após
alguns meses o médium
não obtiver mais do que
insignificantes sinais
de manifestações dos
Espíritos, será inútil
persistir em exercícios
de mediunidade, pois
fica evidente que,
apesar de médium, não há
no caso a mediunidade
produtiva. Contrariando
essa assertiva, há
vários centros espíritas
em que as pessoas são,
por meses seguidos e às
vezes anos,
equivocadamente “postas
a se desenvolver”, com
lápis à mão sobre a
folha de papel, à espera
da manifestação dos
Espíritos. “Pura perda
de papel”, afirma
Kardec.
Tenhamos fé, sim, mas
fiquemos atentos: não
vamos deixar que nos
imponham práticas que a
nossa razão rejeita.
Lembremos sempre que a
nossa fé é racional e
precisa estar de olhos
bem abertos para não se
deixar enganar por
verdades prontas e
acabadas.