JOSÉ CARLOS
MONTEIRO DE
MOURA
jcarlosmoura@terra.com.br
Belo Horizonte,
Minas Gerais
(Brasil)
O aborto assistido
Defensor do aborto
assistido pelo Estado, o
Ministro da Saúde, José
Temporão, admitiu a
falência do sistema
público de saúde, em
entrevista concedida a
Kelly Oliveira, repórter
da Agência Brasil,
retransmitida pela Folha
de Pernambuco, no dia 12
de setembro último, e
divulgada pela lista de
debates IPEPE-DIREITO,
daquele Estado.
Vale a pena transcrever
na íntegra a aludida
entrevista:
“Brasília
−
O ministro da Saúde,
José Gomes Temporão,
afirmou hoje (12) que 13
milhões com hipertensão
(pressão alta) e 4,5
milhões de diabéticos
não são tratados de modo
adequado atualmente no
país. Quase metade das
brasileiras grávidas
(47%) não faz as sete
consultas de exame
pré-natal e 25% da
população com doenças
negligenciadas, como
tuberculose, malária e
hanseníase, não têm
acesso regular ao
sistema público de
saúde. Segundo ele, este
ano, 90 mil brasileiros
com câncer farão
cirurgia, quimioterapia,
mas não terão acesso à
radioterapia pela
‘insuficiência de
capacidade instalada na
rede pública’.
Para o ministro, esse
quadro só se resolve com
mais recursos e
melhorias na gestão da
saúde. ‘Não dá para
fazer mágica. Por outro
lado, colocar recursos
adicionais no sistema,
pura e simplesmente, sem
mexer no padrão de
gestão dos recursos,
também é inadequado’.
Uma vez mais, ele
defendeu a criação de
fundações estatais de
saúde, cujo projeto de
lei complementar
tramita, desde julho, no
Congresso Nacional.
Temporão também
enfatizou que é preciso
atualizar a tabela do
SUS. Segundo ele,
‘atualmente, o SUS paga
R$ 7,55 por consulta
médica, enquanto na
iniciativa privada o
valor médio é de R$
42’.”
A entrevista retrata bem
o que é o sistema
público de saúde,
totalmente ineficiente,
pouco importando o
aspecto sob o qual seja
focalizado. A sua
precariedade é
incontestável, a começar
pela sempre alegada
carência de verbas,
culminando com as
péssimas condições
materiais de suas
instalações. A tudo
isso, deve ser acrescido
o verdadeiro descaso com
que o Governo trata os
servidores do setor,
pagando-lhes um
verdadeiro simulacro de
salário. Dela resulta a
certeza absoluta de que
o SUS não dispõe das
mínimas condições para o
mínimo indispensável de
atendimento à população
que a ele recorre. Em
face disso, somente
resta perguntar ao
ilustre Ministro como
ficaria a situação das
mulheres que, uma vez
amparadas pela reforma
da lei penal que visa a
descriminalizar o
aborto, batessem às
portas do SUS, a fim de
serem devidamente
assistidas no seu
cometimento. Em
linguagem mais clara e
precisa: quais seriam os
procedimentos adotados
pela rede de saúde
estatal,
reconhecidamente falida,
a fim de atender à
demanda abortista, que,
segundo os defensores da
idéia, deverá ser
considerável?
Não obstante, esse
falido e desmoralizado
sistema, totalmente
incapaz de cuidar da
saúde de seus
assistidos, é erigido
como o mais eficaz
agente da morte, no caso
do malsinado aborto
assistido.
A situação, assim posta
e examinada, configura
uma autêntica e absurda
contradição, compatível
com os desmandos e
inconseqüências típicos
das monarquias
medievais.
A questão não comporta,
aliás, nenhuma conotação
de ordem ou natureza
religiosa. Ela se
restringe, única e
exclusivamente, ao campo
do bom senso, sem o qual
não há que se falar em
Direito, que é, antes de
tudo e acima de tudo, o
seu pleno exercício.
Do confronto desse
desanimador retrato com
a proposta dos
abortistas de plantão,
entre os quais se inclui
o ministro Temporão,
ressumbra uma triste
convicção. A grande
maioria dos defensores
da legitimidade do
aborto se acha
inteiramente iludida
quanto ao seus aspectos
históricos, e o
consideram uma
manifestação de
modernidade, da qual o
Brasil não se pode
afastar. Todavia, ele
nada tem de moderno ou
de inovador. Não
significa nenhum avanço
social, nem traduz uma
inovadora necessidade da
mulher moderna. Revela,
isto sim, uma filosofia
de vida exclusivamente
materialista e eivada do
mais absoluto egoísmo.
Todos os povos, de todas
as épocas, conheceram as
práticas abortivas.
Foram uma constante na
vida dos hebreus, de
cujos costumes mais
primitivos faziam parte,
como fato penalmente
irrelevante. Muito tempo
depois do surgimento da
lei mosaica é que a
interrupção da gravidez
passou a ser considerada
um fato ilícito em si
mesmo. Até então, só era
punido o aborto
ocasionado, ainda que
involuntariamente,
mediante violência
(ÊXODO, 21:22).
Na Grécia, apesar dos
protestos de Pitágoras,
somente a partir de
Licurgo e Sólon é que
ele se tornou proibido.
Aristóteles e Platão
chegaram a recomendar o
seu cometimento. O
primeiro, desde que o
feto ainda não tivesse
adquirido alma e tendo
em vista assegurar o
equilíbrio entre a
população e os meios de
produção. O segundo,
para as mulheres com
mais de quarenta anos,
que viessem a conceber.
A mais antiga
codificação romana, a
Lei das XII Tábuas, não
cuidou do aborto.
Tampouco o fizeram as
leis da República.
Naquela época – a
exemplo do que afirmam
muitos abortistas
modernos – o produto da
concepção era
considerado parte do
corpo da gestante, que
dele podia dispor de
acordo com sua vontade.
Os estóicos ensinavam
que o feto era uma
porção das vísceras da
mulher e que esta, ao
abortar, nada mais fazia
do que dispor do próprio
corpo, no exercício de
inconfundível jus in
se ipsa . Isso
implicou uma situação
de verdadeira calamidade
social, porquanto todos
os segmentos da
sociedade romana
cometiam o aborto sem o
menor constrangimento.
Juvenal (SÁTIRA VI, v.
539) criticou os
constantes abortamentos
provocados por Júlia,
filha de Tito e sobrinha
de Deoclesiano, de quem
diziam ser concubina.
Também Ovídio relatou o
costume em toda a sua
extensão e gravidade,
dizendo: “Atualmente,
esvazia o útero a mulher
que quer parecer bela,
e rara, em nossa
época, é aquela que
deseja ser mãe”.
Muito mais tarde, com
Septimio Severo, é que o
aborto passou a ser
considerado crime,
sujeitando-se os seus
autores a penas
severíssimas, mas o que
se levava em conta não
era o fato em si, mas a
lesão sofrida pelo pai
de família, cujo direito
à prole era ofendido.
Coube ao Cristianismo,
principalmente com os
imperadores Adriano,
Constantino e Teodósio,
atribuírem-lhe o mesmo
tratamento penal do
crime de homicídio.
Entretanto, alguns
doutores da Igreja,
tendo à frente Santo
Agostinho, sustentavam,
com base nas idéias de
Aristóteles, que o
aborto só era criminoso
quando se tratasse de
“feto animado”, o que,
segundo eles, ocorria
quarenta ou oitenta dias
após a concepção,
conforme se tratasse,
respectivamente, de feto
do sexo masculino ou
feminino. O direito
canônico se dividiu a
respeito do assunto.
Enquanto São Basílio,
socorrendo-se da versão
da Vulgata,
afirmava que a distinção
não podia ser aceita e
que o aborto provocado
era sempre criminoso,
São Gregório, Zachia e
outros recomendavam um
tratamento penal
diferente para as duas
hipóteses, embora não
deixassem de reconhecer
o caráter criminoso do
fato. No entanto, para o
direito canônico, o
importante era a perda
da alma do nascituro que
morria sem o batismo.
Tal apanhado histórico,
não obstante sucinto,
revela que o mesmo
materialismo de ontem
ainda se acha presente
na sociedade
contemporânea. Está
condicionado à idéia da
unicidade da existência,
cuja conseqüência mais
comum é a falta de maior
preocupação quanto aos
verdadeiros objetivos da
vida humana, naquele
duplo aspecto: o seu
“por que” e o seu “para
que”. Retrata o
predomínio absoluto da
filosofia do “aqui,
agora”, em que se exalta
e se glorifica a
animalidade de que ainda
se reveste o habitante
da Terra. Talvez seja
essa a maior razão por
que o Espiritismo não se
harmoniza em hipótese
alguma com o aborto, a
não ser aquela cogitada
na questão 359 de
O LIVRO DOS ESPÍRITOS,
e que é objeto de
expresso tratamento no
artigo 128, I, do Código
Penal.
Estas considerações
implicam uma série de
outras considerações,
destacando-se dentre
elas a que diz respeito
ao fato de o Estado
incriminar todas as
formas de crimes contra
a vida, entre os quais
se inclui, por sua
própria natureza e
espécie, o aborto. A sua
descriminalização e a
posterior assunção, pelo
mesmo Estado, de sua
prática, levaria a
sociedade a conviver com
a estranha hipótese de
um fato ser criminoso e,
ao mesmo tempo,
contemplado por ele,
Estado, que assume o
dever de praticá-lo...