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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 32 - 25 de Novembro de 2007

EUGÊNIA PICKINA 
eugeniamva@yahoo.com.br 
Londrina, Paraná (Brasil)
 

Anjo guardião, um amigo de prontidão

 Cada haste de relva tem o seu Anjo, que se inclina sobre ela e sussurra: “cresce, cresce!” (Talmude) 

Um dos principais empecilhos do materialismo reside na presunção de recusar com um olhar enviesado o mundo invisível. Não é, pois, de admirar que seus adeptos, na defensiva, afirmem que seres espirituais, despojados da vida orgânica, sejam produtos da ficção humana, personagens de lendas e alegorias, ignorando um velho ensinamento atribuído ao Cristo no Evangelho de Tomé: “O Reino do Pai está espalhado sobre a Terra e os homens não o vêem.” 

Mas, nas suas vidas privadas e públicas, as pessoas de todas as épocas reverenciam a existência de anjos. E por quê?  

Faz muito tempo que anjos são registrados como mensageiros luminosos que ajudam os humanos a conciliar o mundo da vida espiritual com o mundo da vida material e cotidiana. Eles estão presentes nos mais variados ritos e religiões. Algumas os anunciam apenas como um Espírito mais iluminado e experiente, outras como encarnação da luz divina, mas, de maneira comum, elas se reportam a seres que são superiores aos encarnados viventes na Terra, intermediários entre o Criador e as criaturas. 

A idéia de agentes da Ordem soberana, cujo rol de funções abriga a ação de zelar pelos humanos com vista à sua evolução, é narrada em quase todas as civilizações que passaram na Terra. Há, por exemplo, referências a seres alados em imagens esculpidas na Mesopotâmia que datam 4.500 a.C. Anjos ou seres semelhantes habitam o mundo egípcio, a mitologia grega, o panteão romano, os escritos de Zoroastro, o Hinduísmo, o Islamismo, os textos judaicos, a tradição cristã, o mundo oriental, as florestas tropicais, açambarcando as diferentes regiões da Terra. 

A palavra anjo vem do grego ággelos e significa mensageiro. Este termo foi traduzido do hebraico malakl, no século II a.C., para o grego e é basicamente o mesmo que a palavra mala’ika, o vocábulo usado pelo Islamismo para denominar anjo. Então, embora povos e religiões tratem de maneira distinta os anjos, ambos acreditam que eles são mensageiros e, por isso, dispõem de uma habilidade para mediar a relação entre os humanos e o Criador, à medida que inspiram o ser humano para a prática do bem e do amor, sem considerar outras funções. 

A Doutrina Espírita, embora concorde com a crença universal dos povos no que se refere à existência dos anjos, constitui-se de aspectos singulares revelados a Kardec e por ele desenvolvidos no capítulo VIII, na sua obra O Céu e o Inferno. Dessa forma, após apresentar “Os anjos segundo a Igreja”, o codificador formula sua “Refutação”, demonstrando as principais divergências entre a Igreja Católica e a Revelação Espírita no que toca ao entendimento sobre os anjos.  Finalmente, ele faz a abordagem dos anjos segundo o Espiritismo. Neste tópico, ele afirma: 

Que haja seres dotados de todas as qualidades atribuídas aos anjos, não restam dúvidas. A revelação espírita neste ponto confirma a crença de todos os povos, fazendo-nos conhecer ao mesmo tempo a origem e natureza de tais seres. (1) 

Kardec prossegue e se ocupa do encargo de esclarecer a origem da alma, nascida ignorante, e os quesitos para que atinja o grau supremo da perfeição, tornando-se um puro Espírito ou anjo:  

As almas ou Espíritos são criados simples e ignorantes, isto é, sem conhecimentos nem consciência do bem e do mal, porém, aptos para adquirir o que lhes falta. O trabalho é o meio de aquisição, e o fim – que é a perfeição – é para todos o mesmo. Conseguem-no mais ou menos prontamente em virtude do livre arbítrio e na razão direta dos seus esforços; todos têm os mesmos degraus a franquear, o mesmo trabalho a concluir. Deus não aquinhoa melhor uns do que a outros, porquanto é justo, e, visto serem todos seus filhos, não tem predileções. (2) 

Dessa maneira, é possível asseverar que Kardec, em conformidade com os princípios da Doutrina, nega a possibilidade de Deus ter criado seres desde sempre detentores do título de puros e privilegiados. Pelo contrário, tal condição depende do mérito individual adquirido pelo Espírito durante a sua jornada evolutiva rumo à perfeição, que pode ser alcançada de maneira breve ou longa, de acordo com a manifestação de uma vontade firme ou fraca em prol de tal objetivo. Nesse encalço, ele sustenta:  

Os anjos são, pois, as almas dos homens chegados ao grau de perfeição que a criatura comporta, fruindo em sua plenitude a prometida felicidade. Antes, porém, de atingir o grau supremo, gozam de felicidade relativa ao seu adiantamento, felicidade que consiste não na ociosidade, mas nas funções que a Deus apraz confiar-lhes, e por cujo desempenho se sentem ditosas, tendo ainda nele um meio de progresso. (3)  

A Doutrina Espírita ratifica a existência dos anjos, crença comum no seio das civilizações da Terra, contudo, inaugura, a seu turno, o princípio da igualdade com que Deus tinge todo Espírito ao criá-lo, uma vez que o abastece das mesmas qualificações para chegar à finalidade inscrita em sua consciência: a suprema perfeição e, por isso, a posição de anjo, agente puro da Providência. Vejamos a ponderação de Kardec: 

Realiza-se assim a grande lei de unidade da Criação; Deus nunca esteve inativo e sempre teve puros Espíritos, experimentados e esclarecidos, para transmissão de suas ordens e direção do Universo, desde o governo dos mundos até os mais ínfimos detalhes. Tampouco teve Deus necessidade de criar seres privilegiados, isentos de obrigações; todos, antigos e novos, adquiriram suas posições na luta e por mérito próprio; todos, enfim, são filhos de suas obras.

E, desse modo, completa-se com igualdade a soberana justiça do Criador. (4) 

Além disso, com o objetivo de elucidar a temática relativa ao anjo guardião, na questão 489 de O Livro dos Espíritos (5), Kardec formula a seguinte questão: “Há Espíritos que se ligam a um indivíduo, em particular, para o proteger?” E obtém a seguinte resposta: “– Sim, o irmão espiritual; é o que chamais o bom espírito ou bom gênio.” Minucioso, na questão seguinte, Kardec inquire: “Que se deve entender por anjo da guarda?”  “– O Espírito protetor de uma ordem elevada.” 

O codificador, para evitar ambigüidades, procura também, por meio da pergunta 491, indagar sobre a função do anjo da guarda em relação ao seu tutelado. Desse modo, dispõe de uma resposta que nos explica que o Espírito protetor tem a sublime tarefa de conduzir seu tutelado “pelo bom caminho, ajudá-lo com os seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições, sustentar sua coragem nas provas da vida.”  

Ainda, da leitura da resposta dada à questão 492 ficamos cientes de que o Espírito protetor é ligado ao indivíduo desde o nascimento até a morte, “e freqüentemente o segue depois da morte, na vida espírita, e mesmo através de numerosas existências corpóreas, porque essas existências não são mais do que fases bem curtas na vida do Espírito.”  

Ora, enquanto as religiões falam em mensageiros já criados superiores à Humanidade, enquanto a mitologia fala em símbolos, a ciência, de maneira geral, argumenta na base de expressões do subconsciente e do plano imaginal, o espírita pode, na persecução do seu crescimento íntimo, procurar estreitar os laços de afeto com seu anjo guardião, seu fiel amigo para um rico desempenho na sua passagem na Terra.  

No espaço da serenidade interior será possível, junto a esse amigo de prontidão, encontrar chaves perdidas e recursos para o aprendizado do ser e do conviver... Caso haja o cultivo dessa relação de atenção e de amizade, as boas instruções poderão surgir em sonhos, na meditação, durante a prece e em tantas outras situações da existência, que têm como meta a desenvoltura das virtudes e do exercício do bem, segundo uma boa arte de viver, que solicita vontade, discernimento, alegria e esperança. Ora, Deus, nosso Pai, nos concedeu um Espírito protetor para que o nosso florescimento evolutivo fosse bem orientado – saibamos, portanto, desfrutar desse precioso auxílio em todas as horas: nas difíceis e nas serenas, pois o anjo guardião está sempre ao nosso lado. 

Bibliografia:

(1) KARDEC, Allan. O céu e o inferno ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo: exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à vida espiritual. Tradução de Manuel J. Quintão. 43 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998, p. 112.

(2) Op. cit., p. 113.

(3) Op. cit., p. 113.

(4) Op. cit., p. 114.

(5) KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de J. Herculano Pires. São Paulo: FEESP, 1997, p. 215.
 


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