RITA CÔRE
garciacore@hotmail.com
Laje do Muriaé, Rio de
Janeiro (Brasil)
Fâmulos de Deus
A palavra família vem do
latim “famulus” que
significa criado, servo. No
português, existe também a
palavra fâmulo, com o
sentido de servo. Servir e
ajudar são, pois, idéias e
ações ligadas à própria
origem da palavra família.
Não tomemos, no entanto, o
verbo servir no sentido de
se colocar como escravo, à
semelhança da organização
doméstica da sociedade
clássica greco-romana, que
deu origem à palavra. Vamos
entendê-lo como ser
solidário, fraterno, útil.
E nesse contexto é que nos
perguntamos: Para que serve
a família, de que forma ela
nos é útil, enquanto um
grupo de fâmulos?
As respostas podem ser as
mais diversas. Porém,
voltando às nossas origens,
aos nossos primeiros passos
neste planeta, veremos que
os homens formaram grupos
por uma questão de
sobrevivência.
Os filhotes do homem,
durante um período mais
longo do que os dos demais
no reino animal, não
sobrevivem sem cuidados. Se
as fêmeas, por instinto,
defendem suas crias até que
possam caminhar sozinhas, as
mulheres primitivas logo
verificaram que precisavam
servir por mais tempo aos
seus filhos, antes de
deixá-los entregues a si
mesmos.
No alvorecer da humanidade
terrestre, o grupo familiar
tem na mulher a sua
base, e no homem o seu
sustento e defesa, num
processo de ajuda mútua que
irá pouco a pouco
despertando afetos, criando
laços na trajetória
evolutiva e nos ensinando a
ser fâmulos uns dos outros.
No trânsito da existência,
sabemos que é necessário
atuar sobre a matéria, não
só como partícipes do
projeto divino de evolução,
mas também porque o corpo
físico é indispensável para
a nossa depuração pessoal.
Assim, o primeiro serviço
que nos presta a família é o
de nos abrir a porta
estreita da reencarnação,
dando-nos a oportunidade de
um novo corpo para uma nova
lição.
E, ainda hoje, mesmo com
todo o avanço da ciência no
seu aprendizado de criar
corpos em laboratórios, essa
porta se abre através do
homem e da mulher. É
impositivo da Lei de
Atração, que está na questão
60, de O Livro dos
Espíritos, como sendo a
mesma para seres orgânicos e
inorgânicos. Eis o mecanismo
que faz um homem se juntar a
uma mulher. A atração é lei
da vida.
Mas viver é perigoso, já
dizia o grande Guimarães
Rosa. E agora acrescentamos:
viver, ainda que perigoso, é
um fato natural. Conviver,
porém, é mais difícil, pois
é um trabalho de conquista
do ser. E nem sempre estamos
dispostos a viver com,
por estarmos fixados em
nosso interesse pessoal.
Em relação à família, nesse
projeto de aprendizado da
arte da convivência,
encontramos nos dias atuais
as mais diversas formações,
mesmo do ponto de vista
consangüíneo.
Temos filhos de casais que
se separaram, temos netos
criados por avós que assumem
o papel de pais. E, embora
nem todos vivam sob o mesmo
teto, os laços afetivos não
precisam ser desfeitos.
Se homem e mulher se
separam, pai e mãe não se
separam jamais, quando
compreendem a importância do
papel que assumiram no
projeto divino da criação.
Ao romperem um
relacionamento homem-mulher,
pai e mãe não devem deixar
de se respeitar e de amar os
filhos. Porque os filhos são
Espíritos sob sua
responsabilidade nesta
encarnação e são frutos de
Deus. E deles a Ele se dará
conta. A família é bem mais
do que se pensa.
De qualquer forma, por mais
diferentes sejam as
formações familiares na
atualidade, voltemos à idéia
de que o núcleo básico – pai
e mãe – é a porta para a
reencarnação. E isso nem
sempre se dá em paz, já que
muitos vivem, mas não
convivem.
É lógico que uma relação a
dois não se destina apenas à
procriação. Mas também é da
relação a dois que se inicia
o núcleo familiar, como
vimos, desde os primeiros
tempos da vida na Terra,
certamente a partir da
atração sexual.
Dissociado do amor, no
entanto, o sexo passa como
chuva de verão. E se a chuva
criadeira da afeição sincera
e da responsabilidade com a
família não alimentar os
vínculos de cumplicidade e
respeito, a relação se esvai
como areia que o vento leva.
Há aquele tipo de casal que
diante das primeiras
dificuldades já se separa.
Há outro tipo que mantém a
família, mas perde a
capacidade de se querer bem,
de fato e com prazer. Disso
decorrem os desentendimentos
na educação dos filhos, as
mágoas que molham de
lágrimas as fronhas da
desilusão. Há ainda uma
outra prática: a do silêncio
que finge não saber e joga o
pó das frustrações debaixo
do tapete desgastado da
rotina. Nesse caso, nem há
discussões. O diálogo gira
em torno das contas a pagar,
do colégio das crianças, do
conserto da geladeira etc.
Como vai a família? Bem,
obrigado.
Crianças e adolescentes, no
entanto, percebem a falta de
afeto que, naturalmente,
recai sobre eles, sofrem e
se desestruturam por isso.
Nesses casos, a alegria
familiar só comparece nas
reuniões festivas de
aniversários e comemorações
diversas, com o riso forçado
que caracteriza a
espontaneidade perdida. E
onde se perdeu? Por que se
perdeu?
O Espiritismo, na sua
concepção evolucionista da
vida, através da
reencarnação, nos responde a
essas perguntas de forma
objetiva e racional. E ao
encontrarmos essas
explicações, reencontramos
as lições Daquele que nos
mostrou o melhor caminho
para conviver: Jesus de
Nazaré. Nos seus
ensinamentos e na prática
sincera e disciplinada da
Doutrina dos Espíritos,
temos condições de aprender
e de exercitar a arte de
viver juntos.
As explicações espíritas
para as dificuldades que
encontramos na vida de
relações são incontáveis e a
elas devemos recorrer,
identificando no amor muito
mais que um simples gostar,
pois é ele o princípio da
coesão cósmica, no qual tudo
se encadeia.
Diz-se, numa tradução
poética para a visão
holística do universo, que
quando se toca uma flor, uma
estrela sente. A concepção
espírita da família e de sua
importância na trajetória
evolutiva é semelhante a
essa bela imagem, pois nos
desperta para a
responsabilidade dos nossos
atos, que jamais afetarão
apenas a nós mesmos, pois o
que fizermos terá
repercussão no próximo e no
próximo e no próximo, ad
infinitum.
Da flor à estrela
−
além do teto, além das
paredes do grupo
consangüíneo ou do núcleo
que forma um lar, além do
cônjuge, dos parentes, dos
amigos, além do círculo dos
nossos interesses – está o
projeto divino da evolução.
Compreendê-lo é um caminho
para aprender a conviver,
não só na família que
formamos, mas na família de
Jesus que são todos aqueles
que fazem a vontade do Pai.
Todos aqueles que se
harmonizando com a ordem da
criação, assumem a sua
parte, na alegria de servir,
pela ajuda mútua, à
construção da família
universal. Tão longe, tão
perto. Da caverna à
Regeneração.
Mas não nos esqueçamos de
que é em casa que se começa
a tecer a túnica nupcial
para as bodas do Filho do
Rei, pois, como irmãos de
Jesus, somos todos fâmulos
de Deus.