Nelly Berchtold:
É muito
importante que
não nos
acostumemos
à violência
“O Espiritismo
para mim é a
revivescência do
Cristianismo
primitivo. A
instauração de
uma nova relação
entre os homens
e destes para
com Deus.” É
assim que Nelly
Yvonne Berchtold
(foto),
trabalhadora
espírita
radicada na
Suíça, fala
sobre a Doutrina
dos Espíritos.
Para ela, os
conhecimentos
adquiridos no
Espiritismo,
como as noções
sobre as causas
anteriores dos
sofrimentos,
sobre o
progresso
contínuo do
Espírito e de
sermos
co-construtores
na obra do
Criador, são os
maiores
estímulos para
perseverar em
face das
adversidades.
Adversidades
como as que
|
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enfrentou na
adolescência,
quando sua
mediunidade
começou a se
manifestar.
Filha de
evangélicos,
Nelly
pensava que
havia
perdido a
razão, o que
só se
modificou
depois de
muitos anos,
quando
encontrou a
Doutrina
Espírita e
se sentiu,
então,
aliviada. |
Nesta entrevista
à revista O
Consolador,
ela mostra seu
ponto de vista
sobre questões
fundamentais e
polêmicas dentro
do Espiritismo,
questões estas
que, segundo ela
própria, merecem
muita reflexão.
Uma das
perguntas que
lhe foram
propostas diz
respeito à
violência que
parece aumentar
no mundo, o que
motivou nela a
seguinte
observação: “É
muito importante
que não nos
acostumemos à
violência!”
O Consolador:
Nelly, onde você
nasceu?
– Em Berna, na
Suíça.
O Consolador:
Onde você
mora atualmente?
– Bienne, também
na Suíça.
O Consolador:
É verdade que
você já morou no
Brasil?
– Sim. Minha
família emigrou
para o Brasil em
1956, quando eu
tinha sete anos
e, devido à
minha profissão,
mudei-me
inúmeras vezes.
No Brasil morei
no Rio de
Janeiro, no
Piauí e em São
Paulo. Na Suíça,
morei em Berna,
Porrentruy,
Moutier e agora
em Bienne.
O Consolador:
Qual é sua
formação
escolar?
– Sou médica
especializada em
doenças
infecciosas
(pela UERJ) e em
saúde pública
(pela USP). E
estou
finalizando
atualmente a
especialização
em
pedopsiquiatria
na Suíça.
O Consolador:
Que cargos ou
funções você já
exerceu ou
exerce
atualmente no
movimento
espírita?
– Sou fundadora
do Centro de
Desenvolvimento
Espiritual
Estesia, em
Berna.
Atualmente sou
dirigente do
mesmo Centro e
também
vice-presidente
da União dos
Centros de
Estudos
Espíritas na
Suíça.
O Consolador:
Quando você teve
seu primeiro
contacto com o
Espiritismo?
– No início da
década de 70,
quando era ainda
estudante.
O Consolador:
Houve algum fato
ou circunstância
especial que
haja propiciado
esse contacto?
– Sem dúvida.
Aos 16 anos de
idade vivenciei
alguns fenômenos
mediúnicos.
Sendo filha de
evangélicos, eu
não encontrava
explicações e
receava estar
"perdendo a
razão". Levei
muitos anos até
encontrar as
respostas e foi
um alívio
conhecer o
Espiritismo...
O Consolador:
Qual foi a
reação de sua
família?
– A minha adesão
ao Espiritismo
deu-se quando
era
recém-casada. Eu
sentia
nitidamente que
já tinha
compartilhado
outras
experiências com
meu companheiro,
judeu não
praticante. Ele
ficou menos
incomodado do
que a minha mãe,
que receava uma
severa punição
“pela minha
deserção da
senda reta”.
O Consolador:
Dos três
aspectos do
Espiritismo -
ciência,
filosofia,
religião - qual
o que mais a
atrai?
– O aspecto
filosófico.
O Consolador:
Que autores
espíritas mais
lhe agradam?
– Encantei-me
com a trilogia
Há dois mil
anos; 50 anos
depois... e Ave
Cristo. A
leitura de
Paulo e Estevão,
também de
Emmanuel, tocou
profundamente
meu coração.
Aprecio muito os
livros
psicografados
por Yvonne
Pereira. Além
disso, não passo
um dia sem ler
uma mensagem de
Emmanuel. A
série de André
Luiz é muito
esclarecedora da
realidade
pós-morte. Os
livros de Manoel
Philomeno de
Miranda
(Espírito) são
extremamente
úteis quando
temos a
preocupação com
a qualidade da
reunião
mediúnica. A
riqueza da
literatura
espírita é
extraordinária.
Gosto dos livros
de Eurípedes
Kühl. Novos bons
livros surgem de
diversas
procedências
como os do
médium André
Luiz Ruiz, que
são maravilhosos
em seu conteúdo
(a revisão do
português
poderia ser
melhorada) e os
recentes livros
que honram o
aspecto
científico, como
os publicados
pela AME.
O Consolador:
Que livros
espíritas você
considera
indispensáveis
ao confrade
iniciante?
– A base é
Kardec, em
seguida viriam
os de André
Luiz. Constato,
porém, que em
nosso centro
espírita de
Berna poucos
lêem André Luiz
espontaneamente,
considerando seu
português muito
difícil. Foi
preciso criar um
grupo de estudos
específico para
estes livros. Se
penso na
população da
Suíça e países
vizinhos, diria
que para estas
os livros de
Yvonne Pereira
teriam maior
penetração. A
leitura da
trilogia Nas
Voragens do
Pecado; O
Cavaleiro de
Numiers e
O Drama da
Bretanha
transformou
muitas vidas por
aqui...
“Ousaríamos
imaginar Cristo
salvo da dor,
graças ao seu
corpo fluídico,
enquanto seus
seguidores de
carne, os
primeiros
cristãos, seriam
devorados pelas
feras nos
circos?”
O Consolador:
Se fosse passar
alguns anos num
lugar remoto,
com acesso
restrito à
atividade
espírita, que
livros
pertinentes à
doutrina você
levaria?
– Já passei por
essa experiência
quando morei no
sertão do Piauí.
Levei muitos
livros
psicografados
por Divaldo e
Chico. Foram o
meu consolo e
meu alimento.
Que bênção! Não
pude divulgá-los
como teria
desejado, porque
estava a serviço
de um padre
alemão, homem
íntegro que
muito lutou para
diminuir o
sofrimento do
povo durante os
quatro anos de
seca, mas que
era rígido nas
questões
religiosas.
Tivemos alguns
choques de
opinião.
O Consolador:
As divergências
doutrinárias em
nosso meio
reduzem-se a
poucos assuntos.
Um deles diz
respeito ao
chamado
Espiritismo
laico. Para você
o Espiritismo é
uma religião?
– Sem dúvida, é
uma religião,
pois favorece a
ligação da
criatura com o
Criador, mas tem
o mérito de não
impor dogmas.
Você aborda uma
questão muito
importante.
Alguns aqui têm
se empolgado com
o Espiritismo
desejando porém
ignorar sua base
cristã.
Gostariam que na
divulgação
deixássemos de
lado o aspecto
religioso, o que
me parece
temerário.
O Consolador:
Outro assunto
que suscita
debates
acalorados diz
respeito à obra
de J. B.
Roustaing. Qual
a sua apreciação
dessa obra?
– As discussões
a respeito da
natureza do
Cristo são
antigas...
Surgiram quando
o imperador
Constantino
tornou o
Cristianismo a
religião oficial
do império
romano. Ário,
presbítero de
Alexandria,
afirmava
sensatamente que
Jesus quase
atingira a
perfeição divina;
já o diácono
Atanásio
proclamava que
Jesus era Deus
que assumira a
forma humana. O
Concílio de
Nicéia em 325
d.C.
infelizmente deu
razão ao
segundo. Foi uma
decisão política
de uma
autoridade
romana. Sabemos
que a seguir os
textos bíblicos
foram
desfigurados. E
o foram
duplamente,
tanto para
introduzir a
noção da
virgindade de
Maria, quanto
para apagar as
passagens que
faziam
referência à
reencarnação. O
Espiritismo teve
a gloriosa
oportunidade de
desfazer muitos
mitos, de
restabelecer a
simplicidade do
Cristianismo
primitivo.
As obras de
Kardec não
ratificam a
idéia do corpo
fluídico de
Jesus. Os
argumentos de
Roustaing são
insustentáveis.
Seria um
desdouro a
maternidade de
Maria segundo as
leis biológicas
estabelecidas
pelo Criador? O
que pensar da
doação suprema
de Jesus no
Calvário, se seu
corpo fosse
fluídico...
Seria uma
encenação!
Ousaríamos
imaginar Cristo
salvo da dor,
graças ao seu
corpo fluídico,
enquanto seus
seguidores de
carne, os
primeiros
cristãos, seriam
devorados pelas
feras nos
arenas?
Pergunto-me por
que a obra de
Roustaing, tão
contraditória e
contrária aos
ensinamentos de
Kardec, continua
sendo publicada
– pelos
espíritas!
Deveríamos ter
mais
discernimento. É
natural que as
obras pioneiras
de Kardec
suscitassem
movimentos
contrários, mas
por que
perpetuar
equívocos por
mais de um
século?
O Consolador:
O terceiro
assunto em que a
prática espírita
às vezes diverge
está relacionado
com os chamados
passes
padronizados,
propostos na
obra de Edgard
Armond.
Herculano Pires
recomenda em sua
obra tão-somente
a imposição das
mãos. Que você
pensa sobre o
assunto?
– O Cristo podia
curar pela
imposição das
mãos, pelo toque
de suas vestes
ou até à
distância como
atestam as
escrituras. No
entanto, quando
lemos
atentamente a
descrição dos
passes aplicados
pelos
benfeitores
espirituais na
obra de André
Luiz,
constatamos que
não há a simples
imposição das
mãos. Tenho
também alguma
dificuldade em
distinguir o
passe de limpeza
do passe
de cura.
Como médica,
penso que existe
um continuum,
isto é, somos
todos mais ou
menos doentes.
O emprego de
passes
padronizados
constitui uma
escolha com
conseqüências
para o atendido.
Se supusermos
que este se
encontra
acompanhado por
seu guia
espiritual ou um
Espírito amigo
que tenta intuir
o passista sobre
as necessidades
do paciente, não
haverá liberdade
de ação se
priorizarmos a
técnica em
detrimento da
intuição. Há
também que levar
em consideração
os limites do
passe, que
independem da
técnica.
Considero haver
uma certa
ingenuidade em
imaginar que
poderíamos
“extrair” um
obsessor com
essa ou aquela
técnica. Meu
receio é que
sejam criados
dispositivos
rígidos a
pretexto de
“salvaguardar a
pureza
doutrinária” e
que tenhamos um
“novo Vaticano”.
O Consolador:
Como vê a
discussão em
torno do aborto?
No seu modo de
ver as coisas,
os espíritas
deveriam ser
mais ousados na
defesa da vida,
como tem feito a
igreja?
– Considero os
espíritas
ousados nesta
questão. Resido
há muitos anos
fora do Brasil e
desconheço as
iniciativas dos
católicos e
evangélicos fora
da Suíça;
constatei porém
um grande
empenho por
parte da AME –
Associação
Médico-Espírita
do Brasil.
O Consolador:
A eutanásia é
uma prática que
não tem o apoio
da doutrina
espírita. Kardec
e outros
autores, como
Joanna de
Ângelis, já se
posicionaram
sobre esse tema.
Ultimamente
surgiu, no
entanto, a idéia
da ortotanásia,
defendida até
por médicos
espíritas. Qual
a sua opinião?
– Existem
posições bem
sensatas. Talvez
haja
divergências
quanto ao
sentido do
termo. Se
entendermos a
ortotanásia como
a morte com um
mínimo de
sofrimento (ao
contrário da
distanásia – uma
prolongação da
vida através de
meios
artificiais,
resultando em
sofrimento),
através do uso
de analgésicos,
oxigênio e tudo
o que puder
assegurar um
certo conforto
àquele que está
deixando o
corpo, acho
perfeitamente
válido. No meu
entender não
está implícita a
idéia de
abreviar a vida,
mas sim de
diminuir o
desconforto.
O Consolador:
Você tem
contacto com o
movimento
espírita
brasileiro?
Considera-o
atuante, ou
falta nele algo
que favoreça uma
melhor
divulgação da
doutrina?
– Há iniciativas
dentro do
movimento que
merecem toda a
nossa
consideração e
apoio. Porém a
visão de
conjunto me
escapa. Receio,
entretanto, que
sejam criados
dispositivos
rígidos a
pretexto de
“salvaguardar a
pureza
doutrinária” e
que tenhamos com
isso um “novo
Vaticano”. No
que tange à
divulgação,
Kardec já
afirmava em O
Livro dos
Espíritos
que a doutrina
para se tornar
uma crença de
caráter geral
teria ainda
grandes lutas a
sustentar, mais
contra os
interesses
do que contra as
convicções.
O Consolador:
Como você vê
o nível da
criminalidade e
da violência que
parece aumentar
em todo o mundo,
e como nós,
espíritas,
podemos cooperar
para que essa
situação seja
revertida?
– É muito
importante que
não nos
“acostumemos” à
violência!
Precisamos
permanecer
sensíveis e
solidários.
Sempre fico
chocada, quando
volto ao Brasil,
com o destaque
dado ao
noticiário
policial. Há que
se utilizar os
canais de
comunicação -
rádio, televisão
e outros - para
divulgar os
valores
positivos.
Existem centenas
de bons livros
espíritas que
poderiam ser
transformados em
novela, filme de
TV ou cinema,
peça de teatro.
Seria uma forma
de conteúdos
construtivos
serem veiculados
para um número
maior de
pessoas, e
funcionaria
também como um
contrapeso às
notícias de
impacto. Sabemos
que isso já vem
acontecendo em
pequena escala,
mas conviria
ampliar a
divulgação.
O Consolador:
A preparação
do advento do
mundo de
regeneração em
nosso planeta já
deu, como
sabemos, seus
primeiros
passos. Daqui a
quantos anos
você acredita
que a Terra
deixará de ser
um mundo de
expiação e de
provas, passando
plenamente à
condição de
mundo de
regeneração, em
que, segundo
Santo Agostinho,
a palavra amor
estará escrita
em todas as
frontes e uma
equidade
perfeita
regulará as
relações
sociais?
– Estou
persuadida de
que isto se dará
muito em breve.
Por ora, a
humanidade passa
por grandes
calamidades, mas
uma plêiade de
Espíritos
luminosos está
reencarnando.
Penso que na
segunda metade
deste século o
joio e o trigo
já estarão
separados. A
seguir, será um
processo que
demandará tempo,
alguns séculos,
até a
instauração da
eqüidade
perfeita.
O Consolador:
Em face dos
problemas que a
sociedade
terrena está
enfrentando,
qual deve ser a
prioridade
máxima dos que
dirigem
atualmente o
movimento
espírita no
Brasil e no
mundo?
– Considero a
evangelização
infantil e
juvenil a
prioridade
absoluta.
Entretanto,
deve-se
evangelizar
exemplificando.
A lei de causa e
efeito precisa
ser conhecida de
todos. Mas há
“muitas frentes
de serviço”. O
ensino deve
voltar-se para
melhores metas.
A nova Física,
cujas
descobertas
reforçam a
convicção de uma
inteligência
suprema regendo
o universo,
precisa divulgar
esse
conhecimento. Os
médicos
espíritas estão
fazendo um
trabalho
admirável,
divulgando um
novo paradigma,
apresentando os
resultados da
prece associada
ao tratamento e
também mostrando
as conseqüências
da obsessão. As
leis precisam
ser remodeladas.
No Brasil uma
expressiva
quantidade de
juízes espíritas
já se associou e
desenvolve
propostas
inovadoras.
|