EUGÊNIA PICKINA
eugeniamva@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil)
Abra-se à
sustentabilidade!
Visite a terra e
as árvores
pesadas. Siga a
bússola da ação
sustentada e
retifique o que
lá encontrar
aprisionado pelo
desperdício.
Honre as
sementes e, na
condição de
súdito, abençoe
o futuro.
Em geral não é
muito difícil
identificar as
qualidades
negativas que
formam nossos
hábitos de
sustento, que
confundem uma
ética frugal com
a pulsão de
gasto. Esta
última tem a
tendência de
servir a uma
vontade mal
educada, que
alimenta os
sentidos e nada
faz pelos
aspectos
superiores do
nosso ser, que
se torna escravo
de desejos
inculcados, ou
intensificados,
pela sedução do
consumo-desperdício,
exigentes de
gratificação
insaciável,
imediatista e
que articula a
degradação da
Natureza.
Caso se
considere a
racionalidade
instrumental que
entabulou o
saber moderno,
agonizado pela
separação entre
Espírito e
matéria, no
nível pessoal e
no nível
coletivo, o
modelo da
sustentabilidade
convida a adoção
de outro modo de
viver, que
restabeleça a
nitidez da
interconexão que
nos liga ao
ambiente ao qual
pertencemos – o
nosso planeta
espoliado.
Desse modo, a
sustentabilidade
(1) se torna, ao
mesmo tempo, o
remédio que
alivia a ferida
da Terra e o
recurso
possível, a ser
desenvolvido,
para reintegrar
um saber
fracionado que
pôs de um lado o
homem,
dominador, e de
outro a
Natureza,
dominada,
quando, em
realidade, ambos
estão tecidos
juntos e são
interdependentes.
A ferida da
Terra é nutrida
pelos venenos
das ações
humanas
inadequadas e
que precisam ser
modificadas. De
forma
simultânea, pela
lei de atração,
essas mesmas
ações
insustentáveis
lesam o ser
humano, que se
degrada pela
cobiça do
não-essencial.
O comportamento
insustentável,
ancorado no
personalismo,
leva o sujeito a
focalizar-se
exclusivamente
em si mesmo,
deixando de
perceber-se como
indivíduo,
companheiro ou
habitante do
planeta para
satisfazer
apenas o que
avizinha aos
seus sentidos:
seus apetites e
necessidades, de
acordo com o
padrão do
infantilismo
moral.
Abrir-se à
sustentabilidade
não significa
renunciar à
vontade, mas
aplicá-la com
reflexão e
moderação,
regulada por uma
ética da
conservação, que
evitará o
ressentimento da
insatisfação que
sempre retorna
mais faminta e
ansiosa.
A adoção de
práticas
sustentáveis
“não conduz à
negação da
natureza
entrópica do
universo e do
humano, mas sim
ao seu
reconhecimento e
a um saber
viver dentro
do limite, em
suas margens e
em face dos
horizontes do
possível e do
porvir”, pondera
Enrique Leff.
(2)
Uma vez que não
podemos recuar a
uma simplicidade
anterior, somos
obrigados a
tentar uma
leitura (e uma
ação)
sustentável do
nosso mundo.
Nossa
responsabilidade,
no que se refere
à degradação da
Natureza, é nos
tornar
conscientes do
que está
realmente em
jogo para o
futuro da Terra
e dos povos.
Nesse propósito,
a
sustentabilidade,
como reação à
crise da ilusão
da quantidade
de vida, no
lugar da
qualidade de
vida (3),
cura o ego da
estéril
trivialidade que
o angustia e o
narcotiza para a
denúncia de
esgotamento dos
recursos
naturais,
indicativos do
seguinte fato: o
futuro depende
da defesa da
Terra para a
manutenção das
condições de
sobrevivência
dos seus filhos
e filhas.
A atitude
sustentável
assegura o
cuidar da
morada, que
gerencia o
projeto de
harmonizar a
humanidade com o
planeta. Isso
leva a pessoa a
concentrar-se na
realização da
sua integração,
que, como
primeira regra
de conduta,
repele o modelo
consumista, no
encalço da
conciliação com
a Mãe Terra, que
reclama uma
convivência
solidária com a
vida em todas as
suas
manifestações.
Sem dúvida,
quando nutrimos
essa convivência
solidária, que
se guia pelo
respeito,
estamos em boa
saúde. O
respeito pelo
outro e o
respeito por si
mesmo não estão
separados e é
uma maneira
autêntica de
averiguar a
qualidade dos
sentimentos que
permeia o nosso
relacionamento
com a
diversidade,
responsável pelo
significado
afirmativo em
relação à nossa
morada comum,
que reclama o
abrigo saudável
às novas
gerações.
A crise
ambiental global
é, de fato, a
expressão de um
modo de viver
equivocado que
gera consumismo
e desperdício,
por um lado, e
exclusão social
e pobreza, por
outro.
Orienta-se pelo
aumento
crescente da
produção e,
conseqüentemente,
do consumo. Com
isso, a
degradação
ambiental avança
em todas as suas
formas, causando
a perda da
qualidade de
vida, a erosão
do ambiente
saudável, pondo
em risco o
futuro do
planeta e de
suas criaturas.
A agressão ao
ambiente
funda-se na
internalização
de conceitos
errôneos,
sintoma de uma
crise espiritual
nascida da
ignorância (4),
reforçada pelo
modelo da
insustentabilidade,
fundado na
racionalidade
instrumental
(5), que
condicionou uma
ação
exploratória
sobre os
recursos
naturais, que
são finitos.
Infelizmente,
dentre os
inúmeros
problemas
socioambientais
gerados por esse
modelo, que deve
ser superado,
despontam, a
título de
exemplo, o
aquecimento
global, o
desflorestamento,
a
desertificação,
a pobreza e a
exclusão social,
a perda da
biodiversidade,
a violência, a
indiferença e
outros em curso.
Contudo, se uma
pessoa refletir
seriamente sobre
o drama que
afeta o seu lar,
a Terra,
compreenderá,
sem dúvida, que
a solução para
os graves
problemas
socioambientais
depende de cada
um de nós.
Claramente, isso
implica, de
maneira
ordinária, o
redirecionamento
das escolhas e o
abandono da
satisfação de
interesses
egoístas,
passando o
indivíduo a se
guiar por uma
outra
racionalidade: a
que respeita a
capacidade de
sustentação dos
ecossistemas.
Para isso, em
primeiro lugar,
será necessária
a adoção de um
novo modo de
vida ligado a
uma ética
global, que seja
avesso à pulsão
do gasto e que
promova a
internalização
da urgência
dessa mudança em
prol dos
conceitos da
sustentabilidade.
Esse modo de
vida sustentável
reconhece que a
cura planetária
começa,
certamente, pela
ação
individual.
Práticas
sustentáveis
transcendem ao
padrão do
fundamentalismo
mercadológico,
da violência, da
exclusão, porque
reconhecem a
importância da
inter-relação
das pessoas para
o cuidado com a
Terra – nós
dependemos dela!
Através de ações
individuais, mas
que se combinam,
os grandes
desafios podem
ser enfrentados.
Desse modo, dar
preferência a
produtos que não
agridem o
ambiente, usar
papel reciclado,
armazenar água
da chuva para
uso em jardins,
fazer uso
regular do
transporte
público, exigir
a criação de
centrais de
reutilização e a
promoção da
cultura dos
resíduos sólidos
por parte do
poder público,
agir como um
cidadão ativo,
contribuir com a
educação
ambiental e a
espiritual (6),
são exemplos que
podem somar o
conjunto de
atitudes
privadas que
prezam o
respeito pelo
planeta.
Essas atitudes
são condizentes
com uma ordem
social
solidária, que
participa do
benefício da
mudança
conceitual em
nossas relações
com o ambiente e
com nós mesmos,
na trilha da
sustentabilidade,
que inspira os
versos de Pablo
Neruda:
“Minha fé em
todas as
colheitas do
futuro se afirma
no presente”.
(7)
Notas
explicativas e
bibliográficas:
(1) ASCSELRAD,
Henri (Org.)
(2001). A
duração das
cidades:
sustentabilidade
e risco nas
políticas
urbanas. Rio
de Janeiro: DP&A,
p. 30.
(2) LEFF, E.
Racionalidade
ambiental: a
reapropriação
social da
natureza.
RJ: Civilização
Brasileira,
2006, p. 444.
(3) LEFF,
Enrique.
Saber ambiental:
sustentabilidade,
racionalidade,
complexidade,
poder. 35
ed. Petrópolis:
Vozes, 2001, p.
325.
(4) “Na
Declaração da
Reunião dos
Líderes
Espirituais da
Terra, produzida
e divulgada por
ocasião da
Conferência das
Nações Unidas
para o Meio
Ambiente e
Desenvolvimento
(Rio 92),
promovida pela
Organização das
Nações Unidas
(ONU), cita-se
que a crise
ecológica é um
sintoma da crise
espiritual do
ser humano, que
vem da
ignorância.”
(apud
DIAS, Genebaldo
F.
Ecopercepção: um
resultado
didático dos
desafios
socioambientais.
SP: Gaia, 2004,
p. 12).
(5) A
racionalidade
instrumental
está norteada no
“cálculo
econômico, na
formalização,
controle e
uniformização
dos
comportamentos
sociais e na
eficiência de
seus meios
tecnológicos,
que induziram um
processo global
de degradação
socioambiental,
socavando as
bases da
sustentabilidade
do processo
econômico e
minando os
princípios da
eqüidade social
e dignidade
humana”. (LEFF,
Enrique.
Saber ambiental:
sustentabilidade,
racionalidade,
complexidade,
poder. 35
ed. Petrópolis:
Vozes, 2001, p.
125).
(6) É preciso
impregnar a
educação, em
todos os seus
graus e níveis,
com o matiz do
afeto, que
baliza uma
relação
dialógica com os
próprios
sentimentos,
vitais para uma
convivência
estruturada
na paz e não
na guerra.
(7) NERUDA, P.
Presente de
um poeta.
Cotia-SP:
Vergara e Riba,
2001, p. 73.