ROGÉRIO COELHO
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, Minas Gerais (Brasil)
“Orai por mim.
Orai, porque é
agradável a Deus
a prece que lhe
é dirigida pelo
perseguido em
favor do
perseguidor.”
(Bispo de
Barcelona.)
Entre as
efemérides de
outubro,
registra-se um
dos últimos atos
da medieval e
impiedosa Santa
Inquisição
−
o auto-de-fé de
Barcelona,
último bastião
da intolerância
religiosa
encharcado de
prepotência...
Segundo informes
contidos na
Revue Spirite,
participaram
do auto: um
sacerdote com os
hábitos
sacerdotais, com
a cruz numa das
mãos e uma tocha
na outra; um
escrivão
encarregado de
redigir a ata; o
secretário do
escrivão; um
empregado
superior da
administração
das alfândegas;
três serventes
da alfândega,
encarregados de
alimentar o
fogo; um agente
da alfândega
representando o
proprietário das
obras
condenadas.
Uma inumerável
multidão enchia
as calçadas e
cobria a imensa
esplanada na
qual se erguia a
fogueira.
Quando o fogo
consumiu os
trezentos
volumes ou
brochuras
espíritas, o
sacerdote e seus
ajudantes se
retiraram,
cobertos pelas
vaias e
maldições de
numerosos
assistentes, que
gritavam:
“abaixo a
Inquisição!”
As conseqüências
desse arbítrio
da intolerância
foram bastante
favoráveis ao
Espiritismo.
Pela perseguição
chama-se a
atenção dos que
a ignoravam para
que possam
conhecer o seu
teor. Graças
ao zelo
imprudente, toda
a Espanha iria
ouvir falar do
Espiritismo e,
desse modo,
abrir-se aos
seus postulados
e ensinamentos.
Podem queimar-se
os livros, mas
não se queimam
as idéias, pois,
na verdade, as
chamas da
fogueira
excitam-nas, no
lugar de
abafá-las.
Aliás, quando
uma idéia é
profunda e
generosa,
encontra
milhares de
corações prontos
a absorvê-la.
Saint Dominique
(Espírito),
nesse propósito,
nos conta:“Era
preciso que algo
ferisse num
golpe violento
certos Espíritos
encarnados, para
que se
decidissem a
ocupar-se desta
grande Doutrina
que deve
regenerar o
mundo. Nada é
feito
inutilmente em
vossa Terra
nesse sentido; e
nós, que
inspiramos o
auto-de-fé de
Barcelona, bem
sabíamos que,
assim agindo,
contribuiríamos
para um grande
passo à
frente. Esse
fato brutal,
incrível nos
tempos atuais,
foi consumado a
fim de atrair a
atenção dos
jornalistas que
ficavam
indiferentes
ante a profunda
agitação
reinante nas
cidades e nos
Centros
Espíritas.
Deixavam dizer e
fazer, mas se
obstinavam em
não ouvir, e
respondiam pelo
mutismo ao
desejo de
propaganda dos
adeptos do
Espiritismo.
De boa ou
má-vontade, é
preciso que hoje
falem: uns
constatando o
histórico caso
de Barcelona,
outros o
desmentindo,
deram lugar a
uma polêmica que
fará a volta ao
mundo e da qual
só o Espiritismo
aproveitará.
Eis porque hoje
a retaguarda da
Inquisição
praticou o seu
último
auto-de-fé,
porque assim o
quisemos.”
O tempo passou,
as chamas das
fogueiras foram
extintas e o
ideal espírita
alteia-se. Eis
que o
“Consolador”
(Espiritismo)
espraia-se sem
fronteiras.
Podemos afirmar
que a fogueira
de Barcelona
incendiou o
rastilho que
detonou
universalmente
as condições
ensejadoras da
célere
propagação do
Espiritismo.
Toda a Terra foi
clareada pelas
chamas que
deveriam coibir
a propagação da
Luz do
Conhecimento
Espírita.
Notemos que o
auto-de-fé
transcende, em
muito, o ato
físico de queima
dos livros
espíritas. O
Pai Celestial
serve-Se até
mesmo da
ignorância para
a implantação do
Reino da
Verdade.
Surge, assim, a
figura do Bispo
de Barcelona
como o
instrumento
utilizado para
tal mister.
Ele cumpriu o
seu papel na
História, ainda
que de forma
inconsciente.
Por paradoxal
que pareça, o
auto-de-fé de
Barcelona foi um
projeto
inteligente da
Espiritualidade
para a mais
rápida
propagação do
Espiritismo.
O Bispo de
Barcelona
desencarnou no
dia 9 de agosto
de 1862. Kardec
se dispunha a
evocá-lo quando
ele se
manifestou
espontaneamente
a um dos médiuns
e disse: “Não
repilais nenhuma
das idéias
anunciadas
porque um dia,
um dia que
durará e pesará
como um século,
essas idéias
amontoadas
gritarão como a
voz do Anjo:
Caim, que
fizeste de teu
irmão? Que
fizeste de nosso
poder que devia
consolar e
elevar a
Humanidade? O
homem que
voluntariamente
vive cego e
surdo de
espírito, como
outros o são do
corpo, sofrerá,
expiará e
renascerá para
recomeçar o
labor
intelectual, que
a sua preguiça e
o seu orgulho o
levaram a
evitar; e essa
voz terrível me
disse: queimaste
as idéias e as
idéias te
queimarão!”
Este contraste
entre as
palavras do
Espírito e as do
homem nada tem
de
surpreendente,
pois há muitos
indivíduos que,
após a morte,
pensam
diversamente do
que pensava na
condição de
encarnado, uma
vez que estamos,
por vontade,
preso a
ilusões. Isso
aconteceu com
Santo Agostinho
e muitas outras
criaturas que,
ao aportarem no
Mundo
Espiritual,
puderam ter a
visão da
realidade,
desembaraçada
dos prejuízos
mundanos.
O sentimento
faccioso adia
indefinidamente
as mais sublimes
edificações do
Espírito.
Católicos,
protestantes,
espiritistas,
judeus,
muçulmanos,
todos eles se
movem ameaçados
pelo monstro da
separatividade e
do sectarismo,
como se o
pensamento
religioso
traduzisse o
fermento da
discórdia.
Diz Emmanuel: “É
muito grande o
número de
orientadores
encarnados que
se deixam
arruinar pelas
garras do
separativismo
perturbador.
Espessos
obstáculos
impedem a visão
da maioria.
Querem todos que
Deus lhes
pertença, mas
não cogitam de
pertencer a
Deus.”
Que o exemplo do
Bispo de
Barcelona lhes
baste...
Atentemos às
palavras de
Dufêtre, Bispo
de Nevers:
“(...)
Espiritismo!
Doutrina
consoladora e
bendita! Felizes
dos que te
conhecem e tiram
proveito dos
salutares
ensinamentos dos
Espíritos do
Senhor! Para
esses, iluminado
está o
caminho...” (1)
Fonte:
(1) KARDEC,
Allan. O
Evangelho
segundo o
Espiritismo.
Rio de Janeiro:
FEB, 2003, cap.
X, item 18, § 2º.