Recordei-me,
também, de Francisco de Assis,
retratado por catequistas (já que
fui católico até os onze anos de
idade) e, depois, por expositores
espíritas, e que, igualmente,
representou a paz em outro dado
momento histórico, justamente
porque pregava a ação
compreensiva, de perdão às
ofensas, de amor incondicional,
propugnando primeiro agir, depois
aguardar pela reação de outrem e,
mesmo que esta não fosse
bem-intencionada e produtiva,
entendia o agir do semelhante como
condição de seu próprio estado
evolutivo, que não permitia outra
"resposta". Mas, o que
mais me encantou, neste contexto,
foi lembrar uma definição de José
Fernandes de Oliveira (o Padre
Zezinho) das canções e das
poesias, o trovador de Maria, que
dizia: É preciso ter paz inquieta!
Fiquei,
então, a imaginar a profundidade e
a extensão desse preceito, porque,
a princípio, paz tem a ver com
serenidade, tranqüilidade,
normalidade. E a inquietude, do
contrário, remete-nos à idéia do
transitório, do revolucionário, da
luta contra aquilo que julgamos
estar descompassado, impróprio e
injusto. Penso, em verdade, que
Zezinho infundia-nos a coragem para
a luta, não significando, com isso,
que ela teria de alçar mão de
armas violentas, agressivas e
destruidoras. O potencial da
"paz inquieta" estaria na
revolução íntima, um certo
inconformismo com o "estado
posto", a realidade que nos
assusta, e com a qual,
evidentemente, não compactuamos.
Existem,
pois, armas e "armas". Há
momentos de ataque e defesa, de
tentativa e de recuo, nos mais
diversificados setores de nossa
vida, e nos mais distintos cenários
em que estejamos atuando. Recordando
das variadas situações de nossa
existência (algumas mais próximas,
outras bem mais remotas) podemos
perceber, com certa isenção e,
até, franqueza na análise, quando
foi-nos possível "lutar"
por nossos ideais, fazendo com que
outros percebessem nossa opinião,
quando, definitivamente, pudemos
influenciar nas mudanças, e,
outras, em que não estávamos
"com a verdade" e, por
questões de sobrevivência (das
relações de convivência, de
conquistas anteriores, de empregos,
etc.), tivemos que "dar o
braço a torcer", aceitando
decisões democráticas ou a voz de
quem, naquele momento, teve mais
força.
Penso,
outrossim, que a paz inquieta deve
mover o homem de bem em todas as
circunstâncias da vida, sobretudo
aquelas em que, ao perceber a fuga
aos objetivos reais, a injustiça, a
maldade e os vícios de
comportamento humano, seja-nos
possível lutar, com as armas que
dispomos, para alterar o "status
quo" vigente. Assim, qualquer
indivíduo, no âmbito de suas
capacidades, habilidades e
especialidades, deve agir
construtivamente no cenário social,
demonstrando seu inconformismo com
tudo o que lhe parecer indevido,
desleal e antifraterno, num trabalho
que, no somatório, possa
representar, mais à frente, a
melhoria das condições (psicológico-espirituais)
do habitat terreno.
A
inquietude pacífica de Zezinho,
creia-me, é contagiante. Ela te
pega de surpresa, num final de dia,
num intervalo de almoço, durante as
"viagens" mentais que
todos temos, sem hora marcada... Ela
nos aponta "o que" está
errado (seja em nós, seja no
ambiente exterior), nos
impulsionando, a princípio, à
mudança. Já ouvi dizer que "a
primeira intenção é boa, é
impulsionadora", seria como a
voz de nossa consciência
verdadeira, ou o sussurro daqueles
amigos (invisíveis) que nos tutelam
e nos auxiliam. Nem sempre ficamos
com a "primeira"
intuição e, por isso, muitas
vezes, a paz inquieta se aquieta
tanto que esquecemos ou desistimos
de agir. Mas isto já é assunto
para outra conversa... Por hora, que
possamos evitar que a paz inquieta
esmoreça. Vamos lá?