Marcelo Henrique
Pereira:
“Pensar que a
crítica é
instrumento das
trevas, e deve
ser rechaçada,
é um crasso
engano”
Atuante em
diversas
atividades em
associações e
centros
espíritas e um
dos
colaboradores da
revista O
Consolador,
Marcelo Henrique
Pereira, nascido
no Rio de
Janeiro, mas
residente em São
José, na grande
Florianópolis
(SC), é o nosso
entrevistado da
semana.
Formado em
Direito e mestre
em Ciência
Jurídica,
preside no
momento a
Associação dos
Divulgadores do
Espiritismo de
Santa Catarina (ADE-SC)
e o Centro
Cultural
Espírita
Herculano Pires
(CCEHP), sendo
ainda
secretário para
a promoção da
juventude da
Confederação
Espírita
Pan-Americana e
editor-chefe da
Revista Espírita
Harmonia.
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Para Marcelo
Henrique, adepto
declarado do
chamado
Espiritismo
laico, assuntos
polêmicos como a
eutanásia e o
aborto podem ser
vistos ou
avaliados de
maneiras
diversas.
Favorável à
ortotanásia,
entende que é
positiva
qualquer ação ou
tentativa de
garantia da
qualidade de
vida para o
indivíduo,
enquanto
Espírito
encarnado, na
ambiência
existencial
física.
Eis a seguir a
entrevista.
O Consolador: O
movimento
espírita em
nosso país lhe
agrada ou falta
algo nele que
favoreça uma
melhor
divulgação da
Doutrina?
– Vejo que nosso
movimento, na
verdade,
compreende
muitos
"movimentos".
Há, claramente,
avanços na
questão da
assunção de
espaços na
Sociedade, com a
disseminação dos
conceitos
espíritas no
cenário
"extra-muros ou
paredes" da
Instituição
Espírita. Mas,
isto ainda está
no estágio
inicial,
engatinhando...
Percebo a
necessidade de
ocuparmos
espaços,
principalmente
no ambiente
universitário,
como, aliás, já
propugnava o
professor
Herculano, no
início da década
de 70 do século
passado. E isso
não significa, a
uma primeira
leitura, que
"façamos eventos
espíritas nas
Universidades",
tão-somente,
porque nestes
casos, além de
um punhado de
curiosos, só
conseguiremos
atrair os
próprios
espíritas – e,
muitos deles,
nem pertencentes
à academia.
Precisamos, sim,
promover debates
sobre temas
gerais, de
interesse
coletivo, em que
possamos
dialogar com
outras
filosofias e
ciências, na
aproximação
entre as
distintas
correntes de
pensamento, na
elucidação dos
temas e na
construção
coletiva,
parceira e
compromissada de
alternativas
para os
principais
problemas
existenciais da
Humanidade. No
contexto
espírita, ainda,
não posso me
furtar de fazer
um comentário em
relação à
imprensa
"espírita", que
tem um
desempenho
sofrível,
principalmente
em termos de
publicações
impressas
(jornais,
revistas e
boletins). Os
veículos desse
segmento se
tornaram
repetitivos,
caíram na
mesmice,
voltam-se para
si mesmos,
privilegiam a
divulgação de
mensagens
mediúnicas
(algumas, até,
de modo
constante e
duplicado), sem
espaço para a
crítica (e
auto-crítica), o
jornalismo
investigativo, a
produção de
novas teses e a
sua conseqüente
discussão.
Tem-se por norma
no movimento que
a crítica "é
instrumento das
trevas", e deve
ser rechaçada, o
que é um crasso
engano.
Provocativamente,
diria que
devemos dar ao
leitor a
oportunidade de
decisão, de
escolha, por si
mesmo, e por
isso, de algum
modo, nos
veículos de que
participamos,
procuramos
publicar (na
mesma edição ou
em subseqüentes)
textos aparente
ou
filosoficamente
contraditórios,
para que o
estudo, a
meditação e o
raciocínio
aplicado de cada
indivíduo possa
ser o
instrumento de
aplicabilidade
da teoria
espírita para
sua vida. Quem
sabe se
resgatarmos,
como fez
Herculano, estas
premissas,
estaremos
avançando a
passos largos
para a
apresentação de
um Espiritismo
mais "real",
mais próximo de
nós mesmos e do
nosso
cotidiano.
O Consolador:
Quais os cargos
ou funções que
você já exerceu
no movimento
espírita?
– Diversos. Os
principais:
presidente da
Associação dos
Divulgadores do
Espiritismo de
Santa Catarina
(ADE-SC);
presidente do
Centro Cultural
Espírita
Herculano Pires
(CCEHP);
secretário para
a promoção da
juventude da
Confederação
Espírita
Pan-Americana
(CEPA); diretor
de Política e
Metodologias de
Comunicação e
diretor
administrativo
da Associação
Brasileira de
Divulgadores do
Espiritismo
(ABRADE);
vice-presidente
da Sociedade
Espírita de
Assistência e
Promoção Social
Tereza de Jesus
(SEAPS-TJ);
diretor de
Infância e
Juventude, de
Comunicação
Social e do
Livro Espírita
do Conselho
Regional
Espírita do
Continente –
Grande
Florianópolis,
da Federação
Espírita
Catarinense
(FEC);
coordenador-geral
e regente do
Coral Espírita
Harmonia;
regente adjunto
do Coral do
Núcleo Espírita
de Artes (NEA);
editor-chefe da
Revista Espírita
Harmonia; editor
do Jornal Mãos
Unidas; editor
do Boletim
Virtual da
ABRADE –
Associação
Brasileira de
Divulgadores do
Espiritismo;
diretor de
Comunicação
Social do
Conselho
Regional
Espírita de
Florianópolis,
da Federação
Espírita
Catarinense
(FEC).
O Consolador:
Que cargo ou
função exerce
neste momento?
– Presidente da
Associação dos
Divulgadores do
Espiritismo de
Santa Catarina
(ADE-SC);
presidente do
Centro Cultural
Espírita
Herculano Pires
(CCEHP);
secretário para
a promoção da
juventude da
Confederação
Espírita
Pan-Americana
(CEPA) e
editor-chefe da
Revista Espírita
Harmonia.
O Consolador:
Quando e como
você teve
contato com o
Espiritismo?
– Meu primeiro
contato com o
Espiritismo foi
no núcleo
familiar, já que
meu avô
realizava
leituras e
comentários de
"O Evangelho
segundo o
Espiritismo" em
seu lar. Depois,
aos 11 anos de
idade, passei a
freqüentar
palestras e
grupo de estudo
na Sociedade
Espírita de
Assistência e
Promoção Social
Tereza de Jesus
(SEAPS-TJ) e,
com 13 anos
incompletos fiz
minha primeira
palestra pública
no Centro
Espírita Paulo
de Tarso, no
Bairro do
Estreito, em
Florianópolis
(SC). O contato
se deu em
virtude de certo
descontentamento
(pessoal) com a
Igreja Católica
(após a primeira
comunhão),
quando, em duas
paróquias
diferentes,
procurei a
autoridade
eclesiástica
para dirimir
certas dúvidas,
tendo recebido,
na maioria dos
questionamentos,
a seguinte
resposta: "Isso
é mistério.
Mistério da fé,
meu filho". Daí
surgiu a
necessidade de
buscar respostas
e a proximidade
de minha
residência de um
Centro Espírita
facilitou a
"busca".
O Consolador:
Como foi para a
sua família a
sua adesão à
Doutrina
Espírita?
– Praticamente
nos tornamos
espíritas
(enquanto
freqüentadores e
participantes de
grupo de estudos
e palestras), ao
mesmo tempo, eu,
minha mãe, minha
tia e minha
irmã, pois
todos, à época,
residíamos
juntos, logo
após o
falecimento de
meu pai.
O Consolador:
Dos três
aspectos do
Espiritismo –
científico,
filosófico e
religioso – qual
o atrai mais?
– Primeiramente,
vale uma
distinção
importante,
aliás, cunhada
por Kardec em
interessante
discurso contido
na "Revista
Espírita", que
corrobora,
inclusive, o
preâmbulo de "O
Livro dos
Espíritos":
filosofia
espiritualista,
com bases
científicas e
conseqüências
morais. Assim,
sem entrar no
mérito de
celeuma
existente no
movimento
espírita, não
considero
plausível
conceituar como
um dos três
aspectos do
Espiritismo o
religioso, com
base,
principalmente,
na "tradução" do
vocábulo
religião em
nosso plano
material.
Entendo a
doutrina como um
conjunto de três
facetas,
interligadas:
filosofia,
ciência e moral.
Destes,
inegavelmente,
minha
proximidade
maior é com a
filosofia,
embora tenha,
por formação
acadêmica e
profissional,
grande ligação
com a ciência.
O Consolador:
Que autores
espíritas mais
lhe agradam?
– Destacaria
como o maior de
todos eles
(encarnados, já
que os autores
espirituais
pertenceriam a
outro
"segmento") o
inesquecível e
fantástico
professor José
Herculano Pires,
cognominado pelo
Espírito
Emmanuel (sob a
pena
psicográfica de
Chico Xavier) "o
metro que melhor
mediu Kardec".
Herculano
vivenciou e
praticou,
durante sua
vida, o completo
contexto
kardequiano e,
em sua tarefa
filosófico-científica,
desenvolveu uma
grandiosa
capacidade
lítero-jornalística
que o torna a
referência
número "1" em
teoria e prática
espírita, num
legado de mais
de 80 obras,
ainda
praticamente
desconhecido de
grande parte dos
espíritas.
Todavia, a
parcela
consciente e
desperta do
movimento
conhece e
relembra os
ensinos de
Herculano,
dando-nos,
certamente, uma
esperança
positiva quanto
ao "futuro" das
instituições e
das vivências
espiritistas em
nosso país e no
planeta.
O Consolador:
Que livros
espíritas que
tenha lido você
considera de
leitura
indispensável
aos iniciantes?
– Além das
recomendações
básicas dadas
pelas
instituições
tradicionais ("O
Que é o
Espiritismo", "O
Livro dos
Espíritos" e "O
Livro dos
Médiuns"), eu
destacaria:
"Curso Dinâmico
de Espiritismo:
O grande
desconhecido",
do Professor
Herculano Pires;
"Mediunidade:
Vida e
comunicação", do
Professor
Herculano Pires;
e "Espiritismo
Básico", de
Pedro Franco
Barbosa.
O Consolador: Se
você fosse
passar alguns
anos num lugar
remoto, com
acesso restrito
às atividades e
trabalhos
espíritas, que
livros
pertinentes à
Doutrina
Espírita
levaria?
– Penso que, se
pudesse
escolher,
levaria a obra
fundamental ("O
Livro dos
Espíritos") e o
conjunto de 12
volumes da
"Revista
Espírita", para
mim suficientes
em termos de
conhecimento da
doutrina,
capazes de me
manter
"envolvido" com
o estudo, a
meditação e a
experimentação
da teoria
espírita.
O Consolador: As
divergências
doutrinárias em
nosso meio
reduzem-se a
poucos assuntos.
Um deles diz
respeito ao
chamado
Espiritismo
laico. Para
você, o
Espiritismo é
uma religião?
– Creio já ter
tocado "de leve"
no assunto, ao
responder sobre
o tríplice
aspecto da
doutrina.
Também, o leitor
pode fazer
ilações em face
da minha
qualificação
(cargos
ocupados) no
movimento e
minha ligação
específica ao
movimento
pan-americano
(CEPA).
Efetivamente,
quando de minha
iniciação e os
primeiros anos
de atividade
espírita, tinha
eu a plena
convicção da
existência de
uma "religião
espírita", no
sentido amplo da
idéia de
aproximação da
criatura ao
Criador e da
vivência da
religiosidade,
ainda que
despida de
quaisquer
"adereços"
(cultos,
oferendas,
donativos,
aparatos
instrumentais,
hierarquia,
dogmas e
princípios de
fé, etc.). Com o
tempo, o estudo,
a análise
racional,
percebi e
constatei que a
proposta de
Kardec (em
conjunto com a
Falange
Espiritual que o
assessorou) era
a de proclamar a
existência de um
movimento de
idéias, mais
para a conotação
filosófica, sem
descurar de sua
experimentação
científica
(inclusive com a
pontual
aproximação com
as ciências
terrenas), e,
também,
propugnando pela
melhoria
espiritual (no
âmbito dos
valores morais).
Aproximei-me,
então, do
movimento
"laico", que, ao
contrário do que
dele se diz, não
tem qualquer
intenção
sectária,
divisionista ou
segregacional.
Defende,
outrossim, um
dos pilares da
própria
filosofia
espiritista, a
liberdade de
pensar, de
falar, de
escrever, de
agir, e
aglutina, hoje,
pensadores
importantes no
cenário nacional
e internacional,
os quais já se
encontram
libertos da
aparente
dicotomia entre
"bem" e "mal",
"religiosidade"
e "ateísmo",
"Deus" e
"não-Deus",
presente em
grande parte dos
Espíritos que
ainda aqui
estagiam.
O Consolador:
Fale um pouco
mais sobre o
pensamento dos
adeptos do
Espiritismo
laico.
– Para nós,
laicos, não há a
mínima
necessidade de
entender o
Espiritismo como
uma prática ou
uma teoria de
caráter
religioso,
porque a
religião é a
grande
responsável (em
todos os tempos
e lugares) pela
manutenção da
ignorância, do
atavismo, da
dificuldade de
entendimento e
da existência de
"verdades
únicas", aos
quais os
indivíduos devem
se atrelar ou se
curvar
(convertendo-se),
em busca de uma
fantasiosa
salvação.
Percebemos, cada
vez mais, que a
proposta
espírita se
adequa
perfeitamente ao
"modus vivendi"
da Humanidade
atual, numa
ambiência
planetária de
diversidade e
pluralidade e
com a
proliferação de
sistemas e
ferramentas que
garantem o
exercício dos
direitos
(individuais e
sociais),
justamente pelo
seu caráter
libertário,
espelhado na
célebre parábola
da "semeadura e
colheita",
colocando-nos,
todos – sem
exceção – na
posição de
personagem
principal do
"enredo" (real)
de nossa vida.
Por isso, não é
a "adesão" à
religião
espírita (seus
fundamentos,
princípios e
práticas) que
assegura ao
indivíduo a
certeza de sua
melhoria. Do
contrário, é a
sua abertura, a
sua
inter-relação
com o cotidiano,
com as demais
filosofias e
ciências, que
prepara o
terreno para a
edificação de um
mundo mais
fraterno,
alteritário e
plural, porque
materializa a
idéia de que,
independentemente
de nossas
preferências
filosóficas (e,
até, religiosas,
por que não?), o
que vale (e
valerá sempre) é
o esforço e a
realização de
atitudes
positivas,
transformadoras
(individual e
coletivamente).
O movimento
laico, por fim,
não busca
"competir" com o
segmento
tradicional,
nem, tampouco,
busca qualquer
superioridade ou
hegemonia.
Defende, no
entanto, a
liberdade de
assim se
considerar e se
posicionar na
Sociedade, dando
às pessoas o
direito de
opção, numa
proposta
verdadeiramente
distinta da
"tradicional",
sem qualquer
menosprezo a
ela, ou a
pessoas ou
instituições que
a escolheram e a
praticam.
Futuramente,
assim creio,
será possível
"construir
pontes",
investindo nas
semelhanças, nas
idéias afins, e
deixando a
pequenina
parcela de
diferença (de
entendimento e,
até, de práxis),
de lado,
acreditando ser
possível
efetivar um
mundo melhor,
mais fraterno e
mais evoluído.
O Consolador:
Outro tema que
geralmente
suscita debates
acalorados diz
respeito à obra
publicada na
França por J. B.
Roustaing. Qual
é sua apreciação
dessa obra?
– Para ser
sucinto, claro e
definitivo, "Os
quatro
evangelhos" é
uma obra
espiritualista,
com profundas
diferenças em
relação ao
edifício
doutrinário
espírita, mas é
respeitável
enquanto
produção
literária. Não
atendeu, em
síntese, aos
parâmetros
estabelecidos
pelo cientista
Rivail, na
formatação
inicial da
Doutrina
Espírita (que
permaneceu até
seus últimos
dias, mas que
foi posta de
lado pelos
espíritas
contemporâneos):
o Consenso
Universal dos
Ensinos dos
Espíritos, que
atesta ser
verdade a
apresentação de
uma tese, em
diversos
lugares, em
épocas
distintas, por
médiuns
diferentes, em
comparação com
os princípios
fundamentais
espíritas. A
obra de
Roustaing, por
ele alcunhada de
"A revelação da
revelação" ocupa
capítulo à parte
em relação ao
Espiritismo –
doutrina cunhada
por Allan Kardec
– mas,
inserindo-se
lado a lado com
este último, no
compêndio das
doutrinas,
religiões e
filosofias
espiritualistas.
Lamentavelmente,
no seio da
Federação
Espírita
Brasileira,
desde sua
formação até os
presentes dias,
há ferrenhos
admiradores e
defensores do
rustenismo, o
que desnatura e
desfigura o
edifício
espírita, com
prejuízos
notórios e
lamentáveis para
a compreensão
das idéias
espiritistas.
O Consolador: O
terceiro assunto
em que a prática
espírita às
vezes diverge
está relacionado
com os passes
padronizados,
propostos na
obra de Edgard
Armond. Embora
saibamos que no
geral a opção
dos espíritas
seja tão-somente
pela imposição
das mãos tal
como recomenda
J. Herculano
Pires, que você
pensa a
respeito?
–
Particularmente
sou bastante
ortodoxo em
relação ao
passe. Não o
vejo como
"prática
espírita",
embora reconheça
certa validade
em relação aos
efeitos que
possa produzir,
assemelhando-se,
portanto, a
qualquer das
terapias
(antigas ou
atuais) que
sejam
ministradas
tanto em
ambientes
"culturais",
"religiosos",
"espiritualistas"
ou "espíritas",
quanto em
consultórios e
clínicas. Em
tudo e por tudo,
a equação a ser
considerada é:
vontade +
merecimento
(ambos do
paciente) + ação
fluídica ou
energética (do
aplicador, que
pode ser
terceiro ou o
próprio
indivíduo). Em
nossa casa,
temos passes. O
que demonstra
que,
independente de
minhas posições
pessoais,
vivemos a
oportunidade do
diálogo, da
discussão
fraterna e
consciente e do
voto
democrático. Se
fosse pela minha
"vontade" e
entendimento,
não o teríamos,
embora reconheça
que, ao retirar
tal prática, a
freqüência e a
participação em
nossa
instituição
seriam
reduzidos,
provavelmente, a
menos de um
terço. Todavia,
de tempos em
tempos,
procuramos nos
reunir e debater
constantemente a
questão, tanto
para o progresso
do entendimento
individual
quanto coletivo.
Ao praticarmos o
passe, em nosso
Centro Cultural,
por questões
"técnicas" e
"doutrinárias",
ficamos com a
recomendação do
inesquecível
professor
Herculano.
Sempre!
O Consolador:
Como você vê a
discussão em
torno do aborto?
No seu modo de
ver as coisas,
os espíritas
deveriam ser
mais ousados na
defesa da vida
como tem feito a
Igreja?
– Não, de
maneira nenhuma!
Sou frontalmente
contra a
"pedagogia do
não", que é a
campanha
deflagrada, há
alguns anos,
pela Federação
Espírita
Brasileira. Como
educador (fui
professor
primário,
secundário,
universitário,
e, atualmente
leciono para
pós-graduação),
entendo que a
insistência nas
"negativas" (Não
matar; não se
suicidar; não à
eutanásia; não à
pena de morte;
não ao aborto) é
medida
contraproducente.
É o mesmo que
dizer a uma
criança de três
ou quatro anos
não colocar o
dedo na tomada
de energia
elétrica. Ela
teimará e
aprenderá por si
mesma. Não estou
querendo dizer,
com isso, que
devamos adotar a
política do "laissez
faire" (deixar
fazer, deixar
acontecer), sem
qualquer
"amarra" ou
"baliza" legal.
Há, em verdade,
da mesma maneira
como o
divisionismo
presente em
diversos
segmentos da
atualidade, um
movimento
favorável à
liberação, à
descriminalização
do aborto e
outro contrário,
que pretende
diminuir as
hipóteses legais
de aborto,
presentes em
nosso
ordenamento
jurídico. Nosso
discurso deve
ser apoiado na
base racional
espírita,
apontando para a
análise de
causas e
efeitos, mas não
deve ser
substitutivo da
liberdade de
opção, de
escolha, do
livre-arbítrio
das pessoas.
Apesar da
existência de
obras
(mediúnicas e
"mediúnicas")
sobre o
abortamento,
devemos
considerar,
sempre, que a
"contabilidade"
divina não é
cartesiana e não
há condenação
prévia de
ninguém para o
cumprimento de
penas iguais e
nos mesmos
moldes para
todos. A
individualidade
espiritual – bem
como os motivos,
a conjuntura, a
capacidade de
discernimento e
de tomada de
atitudes – em
todas as
situações
fáticas é
considerada,
avaliada,
sopesada,
sempre.
Portanto, de
maneira pontual,
há alguns anos,
sustentei e
produzi artigos
defendendo o
aborto do
anencéfalo,
considerando-o,
desde que
atestado
cientificamente
(clinicamente)
uma
desnecessidade
submeter a mãe,
a família e o
próprio "feto" a
uma experiência
extremamente
desagradável e
violenta, só
pelo cumprimento
"doutrinário" da
máxima "não
matar", como
mandamento de
Moisés, como se
estivéssemos,
todos, sujeitos
ao condão de
"determinismo
espiritual" e
não pudéssemos,
com o uso do
raciocínio e da
moralidade
espiritual,
tomarmos
decisões mais
coerentes,
lógicas e de bom
senso,
espiritualmente
sopesadas, no
sentido de
promover a vida,
defendê-la e
garanti-la,
dentro de
determinados
parâmetros. Não
se trata,
contudo, da
aplicação de
nenhum método de
"depuração da
raça", como
apressadamente
criticam alguns,
sem conhecer o
conteúdo e a
argumentação. Do
contrário, será
– sempre – a
aplicação
prática do
axioma de que
nós somos os
condutores da
vida material, a
cada
oportunidade, e
não meros
títeres
conduzidos por
Deus ou pelos
Espíritos
Superiores.
O Consolador: A
eutanásia, como
sabemos, é uma
prática que não
tem o apoio da
Doutrina
Espírita. Kardec
e outros autores
já se
posicionaram
sobre esse tema.
Surgiu, no
entanto,
ultimamente a
idéia de
ortotanásia,
defendida até
mesmo por
médicos
espíritas. Qual
a sua opinião a
respeito?
– Sou igualmente
favorável, ainda
que, com estes
dois
posicionamentos,
eu possa sofrer
algum tipo de
"excomunhão"
espírita
(risos!).
Efetivamente, os
ortodoxos
espíritas devem
estar arrepiados
com tais
colocações, que
são fruto,
evidentemente,
da minha
liberdade de
pensamento e de
ação, do
exercício
crítico e
racional do
"pensar
espírita", e da
discussão em
fóruns
presenciais ou
virtuais, entre
espíritas,
pesquisadores e
estudiosos
qualificados,
que optaram, em
termos de
movimento
espírita, por
uma prática
diferente, em
congressos,
eventos,
encontros,
simpósios, que
não são o "mero
desfile" de
personalidades
que fazem
conferências e
palestras, mas
mesas-redondas,
painéis e
apresentação e
discussão de
teses e idéias.
Da mesma forma
como considero
algumas
hipóteses de
abortamento não
só como válidas
(criminal e
espiritualmente),
também defendo
um "término" de
vida com
qualidade. Não
havendo mais
recursos à
medicina para
"salvar" uma
vida, ou
mantê-la,
dignamente,
defendo a idéia
de que o
paciente saia do
atendimento
clínico ou
hospitalar e
possa (ele ou os
seus mais
próximos e
legalmente
responsáveis)
escolher a forma
e o conteúdo dos
seus "últimos
momentos",
propiciando,
assim, um
desligamento "o
mais natural
possível". Num
debate recente –
que gerou,
inclusive, um
artigo de minha
lavra – falo da
questão dos
indivíduos que,
por questões
conjunturais,
estejam vivendo
em lugares
inóspitos,
rudimentares,
paupérrimos, sem
qualquer
proximidade com
os mais
avançados
recursos da
medicina (e da
ciência) de
primeiro mundo.
Não têm,
portanto,
acessibilidade a
medicamentos,
equipamentos e
ambientes que
"prolongariam"
sua vida, como o
fazem com os
pacientes que
estejam em
regiões mais
desenvolvidas do
planeta. Então,
como não têm
condições
financeiras ou
sócio-hospitalares
de se submeter a
tais
tratamentos,
podem "morrer à
míngua", ou com
tratamentos
precários,
enquanto os
"civilizados",
os "abonados"
têm que ficar
anos e anos
ligados a
aparelhos,
consumindo
recursos,
trabalho,
energia e à
custa de muito
sofrimento de
seus entes
queridos, que
esperam por uma
melhora que
(talvez) nunca
virá? Que
contra-senso!
Sou, sim,
favorável não só
à ortotanásia,
mas a toda e
qualquer ação ou
"tentativa" de
garantia da
qualidade de
vida para o
indivíduo,
enquanto
Espírito
encarnado na
ambiência
existencial
física. Fora
dela, é claro, o
Espírito é
imortal, não
padecendo de
"males físicos".
Mas, aqui, se (e
o que) pudermos
fazer para
minorar dores e
inconvenientes,
que o façamos,
sempre!
O Consolador:
Como você vê o
nível da
criminalidade e
da violência que
parece aumentar
em todo o país e
como nós,
espíritas,
podemos cooperar
para que essa
situação seja
revertida?
–
Individualmente,
pelo combate da
violência em nós
mesmos,
esforçando-nos
por avaliarmos
constantemente
nossas atitudes
(individuais e
coletivas).
Socialmente,
participando de
movimentos
sociais (bairro,
cidade, estado
e, até, país),
em iniciativas
governamentais
ou privadas,
disseminando a
cultura da paz e
procurando
colaborar com
ações que visem
tanto a promoção
da segurança
quanto o combate
da violência. E,
politicamente,
engajando-se no
processo,
fazendo com que
a cidadania
possa ser
enriquecida com
o conhecimento
(das leis
espirituais e da
dinâmica
espiritual da
vida). De há
muito, o
espírita
acostumou-se a
ouvir (e a
dizer) que não
deveríamos
aproximar
Espiritismo e
Ciência
Política. Outro
engano
histórico:
tivemos
espíritas
atuantes que
desempenharam
cargos eletivos
(executivo e
legislativo) e
precisamos
resgatar o
envolvimento dos
espíritas
conscientes na
construção
efetiva de uma
Sociedade mais
feliz e
harmonizada.
O Consolador: A
preparação do
advento do mundo
de regeneração
em nosso planeta
já deu, como
sabemos, seus
primeiros
passos. Daqui a
quantos anos
você acredita
que a Terra
deixará de ser
um mundo de
provas e
expiações,
passando
plenamente à
condição de um
mundo de
regeneração, em
que, segundo
Santo Agostinho,
a palavra “amor”
estará escrita
em todas as
frontes e uma
equidade
perfeita
regulará as
relações
sociais?
– Falar em
cronologia
temporal,
sobretudo em
termos de
"previsões" (no
nível de
especulação, já
que não detenho
tal mediunidade)
é um "salto no
escuro"!
Particularmente,
não acredito em
divisões
"temporais",
determinando um
conjunto de
anos, décadas ou
séculos para tal
ou qual fase na
História da
Humanidade
Terrena. Prefiro
pensar na idéia
de "substituição
paulatina" de
ideais,
princípios e
práticas (e,
conseqüentemente,
das próprias
individualidades
encarnadas) no
orbe em que
vivemos, dando
oportunidade ao
processo de
"seleção
espiritual" (em
uma analogia à
"seleção
natural"
biológica), que
credencia os
"mais aptos"
(espiritualmente)
a prosseguirem
encarnando,
desencarnando e
retornando a
este plano, e,
como
oportunidade,
também, análoga,
aos que dele se
despedem, sendo
"convidados" a
habitar outros
mundos, um
recomeço que,
com interesse e
boa-vontade,
lhes dará o
seguimento do
curso evolutivo.
Também tenho
visto a
repetitividade
de um
"pseudo-conceito"
espírita, pelas
instituições e
periódicos, que
atestam que, no
mundo
regenerado,
estaremos livres
das principais
mazelas que
assolam nossa
realidade atual.
Penso diferente:
as mazelas
(embora, talvez,
não em tal
quantitativo ou
extensão)
poderão ainda
estar latentes
nos indivíduos,
aflorando aqui
ou ali, mas,
seguramente, os
Espíritos
habitantes deste
novo estágio
planetário
estarão mais
conscientes da
necessidade da
vigilância e da
ação
construtiva. A
idéia do amor,
como prelecionou
Agostinho, será
muito mais forte
do que a do
egoísmo, sendo,
pois, a regra
áurea da
fraternidade a
base das
convenções, das
legislações e
das relações
sociais. Mas,
tudo é um
processo,
construído
coletivamente, e
não "legado"
pela
Espiritualidade,
pronto e
acabado, como um
"presente" para
a Humanidade. O
esforço –
constante e
perpétuo – é que
irá configurar o
cenário e as
vivências,
portanto.
O Consolador: Em
face dos
problemas que a
sociedade
terrena está
enfrentando,
qual deve ser a
prioridade
máxima dos que
dirigem
atualmente o
movimento
espírita no
Brasil e no
mundo?
– Ética, sem
dúvida alguma.
Transplantar a
ética individual
para o coletivo,
desde que esta
ética não seja a
mera reprodução
dos valores
pessoais (moral
individual,
distinta e
decorrente da
cultura, dos
hábitos, dos
comportamentos,
das ideologias).
Ética na acepção
plena da
palavra, que
está
consubstanciada
nos principais
cânones,
ensinamentos e
preleções dos
sábios e
avatares de
todos os tempos:
fazer ao
semelhante o que
quereríamos que
a nós fosse
feito. Não a
ética insossa ou
silente das
academias e dos
discursos, mas
aquela posta em
ação, com o
envolvimento
real do espírita
na construção de
novos modelos
sociais,
participando
ativamente e
pró-ativamente
da Sociedade.
Quiçá o façamos!
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