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Entrevista
Ano 1 - N° 41 - 3 de Fevereiro de 2008
FERNANDA BORGES
fernanda@oconsolador.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)

Marcelo Henrique Pereira: 

“Pensar que a crítica é instrumento das trevas, e deve ser rechaçada, 
é um crasso engano”

Atuante em diversas atividades em associações e centros espíritas e um dos colaboradores da revista O Consolador, Marcelo Henrique Pereira, nascido no Rio de Janeiro, mas residente em São José, na grande Florianópolis (SC), é o nosso entrevistado da semana.

Formado em Direito e mestre em Ciência Jurídica, preside no momento a Associação dos Divulgadores do Espiritismo de Santa Catarina (ADE-SC) e o Centro Cultural Espírita Herculano Pires (CCEHP), sendo ainda  secretário para a promoção da juventude da Confederação Espírita Pan-Americana e editor-chefe da Revista Espírita Harmonia.

Para Marcelo Henrique, adepto declarado do chamado Espiritismo laico, assuntos polêmicos como a eutanásia e o aborto podem ser vistos ou avaliados de maneiras diversas. Favorável à ortotanásia, entende que é positiva qualquer ação ou tentativa de garantia da qualidade de vida para o indivíduo, enquanto Espírito encarnado, na ambiência existencial física.

Eis a seguir a entrevista. 

O Consolador: O movimento espírita em nosso país lhe agrada ou falta algo nele que favoreça uma melhor divulgação da Doutrina?

– Vejo que nosso movimento, na verdade, compreende muitos "movimentos". Há, claramente, avanços na questão da assunção de espaços na Sociedade, com a disseminação dos conceitos espíritas no cenário "extra-muros ou paredes" da Instituição Espírita. Mas, isto ainda está no estágio inicial, engatinhando... Percebo a necessidade de ocuparmos espaços, principalmente no ambiente universitário, como, aliás, já propugnava o professor Herculano, no início da década de 70 do século passado. E isso não significa, a uma primeira leitura, que "façamos eventos espíritas nas Universidades", tão-somente, porque nestes casos, além de um punhado de curiosos, só conseguiremos atrair os próprios espíritas – e, muitos deles, nem pertencentes à academia. Precisamos, sim, promover debates sobre temas gerais, de interesse coletivo, em que possamos dialogar com outras filosofias e ciências, na aproximação entre as distintas correntes de pensamento, na elucidação dos temas e na construção coletiva, parceira e compromissada de alternativas para os principais problemas existenciais da Humanidade. No contexto espírita, ainda, não posso me furtar de fazer um comentário em relação à imprensa "espírita", que tem um desempenho sofrível, principalmente em termos de publicações impressas (jornais, revistas e boletins). Os veículos desse segmento se tornaram repetitivos, caíram na mesmice, voltam-se para si mesmos, privilegiam a divulgação de mensagens mediúnicas (algumas, até, de modo constante e duplicado), sem espaço para a crítica (e auto-crítica), o jornalismo investigativo, a produção de novas teses e a sua conseqüente discussão. Tem-se por norma no movimento que a crítica "é instrumento das trevas", e deve ser rechaçada, o que é um crasso engano. Provocativamente, diria que devemos dar ao leitor a oportunidade de decisão, de escolha, por si mesmo, e por isso, de algum modo, nos veículos de que participamos, procuramos publicar (na mesma edição ou em subseqüentes) textos aparente ou filosoficamente contraditórios, para que o estudo, a meditação e o raciocínio aplicado de cada indivíduo possa ser o instrumento de aplicabilidade da teoria espírita para sua vida. Quem sabe se resgatarmos, como fez Herculano, estas premissas, estaremos avançando a passos largos para a apresentação de um Espiritismo mais "real", mais próximo de nós mesmos e do nosso cotidiano. 

O Consolador: Quais os cargos ou funções que você já exerceu no movimento espírita?

– Diversos. Os principais: presidente da Associação dos Divulgadores do Espiritismo de Santa Catarina (ADE-SC); presidente do Centro Cultural Espírita Herculano Pires (CCEHP); secretário para a promoção da juventude da Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA); diretor de Política e Metodologias de Comunicação e diretor administrativo da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (ABRADE); vice-presidente da Sociedade Espírita de Assistência e Promoção Social Tereza de Jesus (SEAPS-TJ); diretor de Infância e Juventude, de Comunicação Social e do Livro Espírita do Conselho Regional Espírita do Continente – Grande Florianópolis, da Federação Espírita Catarinense (FEC); coordenador-geral e regente do Coral Espírita Harmonia; regente adjunto do Coral do Núcleo Espírita de Artes (NEA); editor-chefe da Revista Espírita Harmonia; editor do Jornal Mãos Unidas; editor do Boletim Virtual da ABRADE – Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo; diretor de Comunicação Social do Conselho Regional Espírita de Florianópolis, da Federação Espírita Catarinense (FEC). 

O Consolador: Que cargo ou função exerce neste momento?

– Presidente da Associação dos Divulgadores do Espiritismo de Santa Catarina (ADE-SC); presidente do Centro Cultural Espírita Herculano Pires (CCEHP); secretário para a promoção da juventude da Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA) e editor-chefe da Revista Espírita Harmonia. 

O Consolador: Quando e como você teve contato com o Espiritismo?

– Meu primeiro contato com o Espiritismo foi no núcleo familiar, já que meu avô realizava leituras e comentários de "O Evangelho segundo o Espiritismo" em seu lar. Depois, aos 11 anos de idade, passei a freqüentar palestras e grupo de estudo na Sociedade Espírita de Assistência e Promoção Social Tereza de Jesus (SEAPS-TJ) e, com 13 anos incompletos fiz minha primeira palestra pública no Centro Espírita Paulo de Tarso, no Bairro do Estreito, em Florianópolis (SC). O contato se deu em virtude de certo descontentamento (pessoal) com a Igreja Católica (após a primeira comunhão), quando, em duas paróquias diferentes, procurei a autoridade eclesiástica para dirimir certas dúvidas, tendo recebido, na maioria dos questionamentos, a seguinte resposta: "Isso é mistério. Mistério da fé, meu filho". Daí surgiu a necessidade de buscar respostas e a proximidade de minha residência de um Centro Espírita facilitou a "busca". 

O Consolador: Como foi para a sua família a sua adesão à Doutrina Espírita?

– Praticamente nos tornamos espíritas (enquanto freqüentadores e participantes de grupo de estudos e palestras), ao mesmo tempo, eu, minha mãe, minha tia e minha irmã, pois todos, à época, residíamos juntos, logo após o falecimento de meu pai. 

O Consolador: Dos três aspectos do Espiritismo – científico, filosófico e religioso – qual o atrai mais?

– Primeiramente, vale uma distinção importante, aliás, cunhada por Kardec em interessante discurso contido na "Revista Espírita", que corrobora, inclusive, o preâmbulo de "O Livro dos Espíritos": filosofia espiritualista, com bases científicas e conseqüências morais. Assim, sem entrar no mérito de celeuma existente no movimento espírita, não considero plausível conceituar como um dos três aspectos do Espiritismo o religioso, com base, principalmente, na "tradução" do vocábulo religião em nosso plano material. Entendo a doutrina como um conjunto de três facetas, interligadas: filosofia, ciência e moral. Destes, inegavelmente, minha proximidade maior é com a filosofia, embora tenha, por formação acadêmica e profissional, grande ligação com a ciência. 

O Consolador: Que autores espíritas mais lhe agradam?

– Destacaria como o maior de todos eles (encarnados, já que os autores espirituais pertenceriam a outro "segmento") o inesquecível e fantástico professor José Herculano Pires, cognominado pelo Espírito Emmanuel (sob a pena psicográfica de Chico Xavier) "o metro que melhor mediu Kardec". Herculano vivenciou e praticou, durante sua vida, o completo contexto kardequiano e, em sua tarefa filosófico-científica, desenvolveu uma grandiosa capacidade lítero-jornalística que o torna a referência número "1" em teoria e prática espírita, num legado de mais de 80 obras, ainda praticamente desconhecido de grande parte dos espíritas. Todavia, a parcela consciente e desperta do movimento conhece e relembra os ensinos de Herculano, dando-nos, certamente, uma esperança positiva quanto ao "futuro" das instituições e das vivências espiritistas em nosso país e no planeta. 

O Consolador: Que livros espíritas que tenha lido você considera de leitura indispensável aos iniciantes?

– Além das recomendações básicas dadas pelas instituições tradicionais ("O Que é o Espiritismo", "O Livro dos Espíritos" e "O Livro dos Médiuns"), eu destacaria: "Curso Dinâmico de Espiritismo: O grande desconhecido", do Professor Herculano Pires; "Mediunidade: Vida e comunicação", do Professor Herculano Pires; e "Espiritismo Básico", de Pedro Franco Barbosa. 

O Consolador: Se você fosse passar alguns anos num lugar remoto, com acesso restrito às atividades e trabalhos espíritas, que livros pertinentes à Doutrina Espírita levaria?

– Penso que, se pudesse escolher, levaria a obra fundamental ("O Livro dos Espíritos") e o conjunto de 12 volumes da "Revista Espírita", para mim suficientes em termos de conhecimento da doutrina, capazes de me manter "envolvido" com o estudo, a meditação e a experimentação da teoria espírita. 

O Consolador: As divergências doutrinárias em nosso meio reduzem-se a poucos assuntos. Um deles diz respeito ao chamado Espiritismo laico. Para você, o Espiritismo é uma religião?

– Creio já ter tocado "de leve" no assunto, ao responder sobre o tríplice aspecto da doutrina. Também, o leitor pode fazer ilações em face da minha qualificação (cargos ocupados) no movimento e minha ligação específica ao movimento pan-americano (CEPA). Efetivamente, quando de minha iniciação e os primeiros anos de atividade espírita, tinha eu a plena convicção da existência de uma "religião espírita", no sentido amplo da idéia de aproximação da criatura ao Criador e da vivência da religiosidade, ainda que despida de quaisquer "adereços" (cultos, oferendas, donativos, aparatos instrumentais, hierarquia, dogmas e princípios de fé, etc.). Com o tempo, o estudo, a análise racional, percebi e constatei que a proposta de Kardec (em conjunto com a Falange Espiritual que o assessorou) era a de proclamar a existência de um movimento de idéias, mais para a conotação filosófica, sem descurar de sua experimentação científica (inclusive com a pontual aproximação com as ciências terrenas), e, também, propugnando pela melhoria espiritual (no âmbito dos valores morais). Aproximei-me, então, do movimento "laico", que, ao contrário do que dele se diz, não tem qualquer intenção sectária, divisionista ou segregacional. Defende, outrossim, um dos pilares da própria filosofia espiritista, a liberdade de pensar, de falar, de escrever, de agir, e aglutina, hoje, pensadores importantes no cenário nacional e internacional, os quais já se encontram libertos da aparente dicotomia entre "bem" e "mal", "religiosidade" e "ateísmo", "Deus" e "não-Deus", presente em grande parte dos Espíritos que ainda aqui estagiam.  

O Consolador: Fale um pouco mais sobre o pensamento dos adeptos do Espiritismo laico.

– Para nós, laicos, não há a mínima necessidade de entender o Espiritismo como uma prática ou uma teoria de caráter religioso, porque a religião é a grande responsável (em todos os tempos e lugares) pela manutenção da ignorância, do atavismo, da dificuldade de entendimento e da existência de "verdades únicas", aos quais os indivíduos devem se atrelar ou se curvar (convertendo-se), em busca de uma fantasiosa salvação. Percebemos, cada vez mais, que a proposta espírita se adequa perfeitamente ao "modus vivendi" da Humanidade atual, numa ambiência planetária de diversidade e pluralidade e com a proliferação de sistemas e ferramentas que garantem o exercício dos direitos (individuais e sociais), justamente pelo seu caráter libertário, espelhado na célebre parábola da "semeadura e colheita", colocando-nos, todos – sem exceção – na posição de personagem principal do "enredo" (real) de nossa vida. Por isso, não é a "adesão" à religião espírita (seus fundamentos, princípios e práticas) que assegura ao indivíduo a certeza de sua melhoria. Do contrário, é a sua abertura, a sua inter-relação com o cotidiano, com as demais filosofias e ciências, que prepara o terreno para a edificação de um mundo mais fraterno, alteritário e plural, porque materializa a idéia de que, independentemente de nossas preferências filosóficas (e, até, religiosas, por que não?), o que vale (e valerá sempre) é o esforço e a realização de atitudes positivas, transformadoras (individual e coletivamente). O movimento laico, por fim, não busca "competir" com o segmento tradicional, nem, tampouco, busca qualquer superioridade ou hegemonia. Defende, no entanto, a liberdade de assim se considerar e se posicionar na Sociedade, dando às pessoas o direito de opção, numa proposta verdadeiramente distinta da "tradicional", sem qualquer menosprezo a ela, ou a pessoas ou instituições que a escolheram e a praticam. Futuramente, assim creio, será possível "construir pontes", investindo nas semelhanças, nas idéias afins, e deixando a pequenina parcela de diferença (de entendimento e, até, de práxis), de lado, acreditando ser possível efetivar um mundo melhor, mais fraterno e mais evoluído. 

O Consolador: Outro tema que geralmente suscita debates acalorados diz respeito à obra publicada na França por J. B. Roustaing. Qual é sua apreciação dessa obra?

– Para ser sucinto, claro e definitivo, "Os quatro evangelhos" é uma obra espiritualista, com profundas diferenças em relação ao edifício doutrinário espírita, mas é respeitável enquanto produção literária. Não atendeu, em síntese, aos parâmetros estabelecidos pelo cientista Rivail, na formatação inicial da Doutrina Espírita (que permaneceu até seus últimos dias, mas que foi posta de lado pelos espíritas contemporâneos): o Consenso Universal dos Ensinos dos Espíritos, que atesta ser verdade a apresentação de uma tese, em diversos lugares, em épocas distintas, por médiuns diferentes, em comparação com os princípios fundamentais espíritas. A obra de Roustaing, por ele alcunhada de "A revelação da revelação" ocupa capítulo à parte em relação ao Espiritismo – doutrina cunhada por Allan Kardec – mas, inserindo-se lado a lado com este último, no compêndio das doutrinas, religiões e filosofias espiritualistas. Lamentavelmente, no seio da Federação Espírita Brasileira, desde sua formação até os presentes dias, há ferrenhos admiradores e defensores do rustenismo, o que desnatura e desfigura o edifício espírita, com prejuízos notórios e lamentáveis para a compreensão das idéias espiritistas. 

O Consolador: O terceiro assunto em que a prática espírita às vezes diverge está relacionado com os passes padronizados, propostos na obra de Edgard Armond. Embora saibamos que no geral a opção dos espíritas seja tão-somente pela imposição das mãos tal como recomenda J. Herculano Pires, que você pensa a respeito?

– Particularmente sou bastante ortodoxo em relação ao passe. Não o vejo como "prática espírita", embora reconheça certa validade em relação aos efeitos que possa produzir, assemelhando-se, portanto, a qualquer das terapias (antigas ou atuais) que sejam ministradas tanto em ambientes "culturais", "religiosos", "espiritualistas" ou "espíritas", quanto em consultórios e clínicas. Em tudo e por tudo, a equação a ser considerada é: vontade + merecimento (ambos do paciente) + ação fluídica ou energética (do aplicador, que pode ser terceiro ou o próprio indivíduo). Em nossa casa, temos passes. O que demonstra que, independente de minhas posições pessoais, vivemos a oportunidade do diálogo, da discussão fraterna e consciente e do voto democrático. Se fosse pela minha "vontade" e entendimento, não o teríamos, embora reconheça que, ao retirar tal prática, a freqüência e a participação em nossa instituição seriam reduzidos, provavelmente, a menos de um terço. Todavia, de tempos em tempos, procuramos nos reunir e debater constantemente a questão, tanto para o progresso do entendimento individual quanto coletivo. Ao praticarmos o passe, em nosso Centro Cultural, por questões "técnicas" e "doutrinárias", ficamos com a recomendação do inesquecível professor Herculano. Sempre! 

O Consolador: Como você vê a discussão em torno do aborto? No seu modo de ver as coisas, os espíritas deveriam ser mais ousados na defesa da vida como tem feito a Igreja?

– Não, de maneira nenhuma! Sou frontalmente contra a "pedagogia do não", que é a campanha deflagrada, há alguns anos, pela Federação Espírita Brasileira. Como educador (fui professor primário, secundário, universitário, e, atualmente leciono para pós-graduação), entendo que a insistência nas "negativas" (Não matar; não se suicidar; não à eutanásia; não à pena de morte; não ao aborto) é medida contraproducente. É o mesmo que dizer a uma criança de três ou quatro anos não colocar o dedo na tomada de energia elétrica. Ela teimará e aprenderá por si mesma. Não estou querendo dizer, com isso, que devamos adotar a política do "laissez faire" (deixar fazer, deixar acontecer), sem qualquer "amarra" ou "baliza" legal. Há, em verdade, da mesma maneira como o divisionismo presente em diversos segmentos da atualidade, um movimento favorável à liberação, à descriminalização do aborto e outro contrário, que pretende diminuir as hipóteses legais de aborto, presentes em nosso ordenamento jurídico. Nosso discurso deve ser apoiado na base racional espírita, apontando para a análise de causas e efeitos, mas não deve ser substitutivo da liberdade de opção, de escolha, do livre-arbítrio das pessoas. Apesar da existência de obras (mediúnicas e "mediúnicas") sobre o abortamento, devemos considerar, sempre, que a "contabilidade" divina não é cartesiana e não há condenação prévia de ninguém para o cumprimento de penas iguais e nos mesmos moldes para todos. A individualidade espiritual – bem como os motivos, a conjuntura, a capacidade de discernimento e de tomada de atitudes – em todas as situações fáticas é considerada, avaliada, sopesada, sempre. Portanto, de maneira pontual, há alguns anos, sustentei e produzi artigos defendendo o aborto do anencéfalo, considerando-o, desde que atestado cientificamente (clinicamente) uma desnecessidade submeter a mãe, a família e o próprio "feto" a uma experiência extremamente desagradável e violenta, só pelo cumprimento "doutrinário" da máxima "não matar", como mandamento de Moisés, como se estivéssemos, todos, sujeitos ao condão de "determinismo espiritual" e não pudéssemos, com o uso do raciocínio e da moralidade espiritual, tomarmos decisões mais coerentes, lógicas e de bom senso, espiritualmente sopesadas, no sentido de promover a vida, defendê-la e garanti-la, dentro de determinados parâmetros. Não se trata, contudo, da aplicação de nenhum método de "depuração da raça", como apressadamente criticam alguns, sem conhecer o conteúdo e a argumentação. Do contrário, será – sempre – a aplicação prática do axioma de que nós somos os condutores da vida material, a cada oportunidade, e não meros títeres conduzidos por Deus ou pelos Espíritos Superiores. 

O Consolador: A eutanásia, como sabemos, é uma prática que não tem o apoio da Doutrina Espírita. Kardec e outros autores já se posicionaram sobre esse tema. Surgiu, no entanto, ultimamente a idéia de ortotanásia, defendida até mesmo por médicos espíritas. Qual a sua opinião a respeito?

– Sou igualmente favorável, ainda que, com estes dois posicionamentos, eu possa sofrer algum tipo de "excomunhão" espírita (risos!). Efetivamente, os ortodoxos espíritas devem estar arrepiados com tais colocações, que são fruto, evidentemente, da minha liberdade de pensamento e de ação, do exercício crítico e racional do "pensar espírita", e da discussão em fóruns presenciais ou virtuais, entre espíritas, pesquisadores e estudiosos qualificados, que optaram, em termos de movimento espírita, por uma prática diferente, em congressos, eventos, encontros, simpósios, que não são o "mero desfile" de personalidades que fazem conferências e palestras, mas mesas-redondas, painéis e apresentação e discussão de teses e idéias. Da mesma forma como considero algumas hipóteses de abortamento não só como válidas (criminal e espiritualmente), também defendo um "término" de vida com qualidade. Não havendo mais recursos à medicina para "salvar" uma vida, ou mantê-la, dignamente, defendo a idéia de que o paciente saia do atendimento clínico ou hospitalar e possa (ele ou os seus mais próximos e legalmente responsáveis) escolher a forma e o conteúdo dos seus "últimos momentos", propiciando, assim, um desligamento "o mais natural possível". Num debate recente – que gerou, inclusive, um artigo de minha lavra – falo da questão dos indivíduos que, por questões conjunturais, estejam vivendo em lugares inóspitos, rudimentares, paupérrimos, sem qualquer proximidade com os mais avançados recursos da medicina (e da ciência) de primeiro mundo. Não têm, portanto, acessibilidade a medicamentos, equipamentos e ambientes que "prolongariam" sua vida, como o fazem com os pacientes que estejam em regiões mais desenvolvidas do planeta. Então, como não têm condições financeiras ou sócio-hospitalares de se submeter a tais tratamentos, podem "morrer à míngua", ou com tratamentos precários, enquanto os "civilizados", os "abonados" têm que ficar anos e anos ligados a aparelhos, consumindo recursos, trabalho, energia e à custa de muito sofrimento de seus entes queridos, que esperam por uma melhora que (talvez) nunca virá? Que contra-senso! Sou, sim, favorável não só à ortotanásia, mas a toda e qualquer ação ou "tentativa" de garantia da qualidade de vida para o indivíduo, enquanto Espírito encarnado na ambiência existencial física. Fora dela, é claro, o Espírito é imortal, não padecendo de "males físicos". Mas, aqui, se (e o que) pudermos fazer para minorar dores e inconvenientes, que o façamos, sempre! 

O Consolador: Como você vê o nível da criminalidade e da violência que parece aumentar em todo o país e como nós, espíritas, podemos cooperar para que essa situação seja revertida?

– Individualmente, pelo combate da violência em nós mesmos, esforçando-nos por avaliarmos constantemente nossas atitudes (individuais e coletivas). Socialmente, participando de movimentos sociais (bairro, cidade, estado e, até, país), em iniciativas governamentais ou privadas, disseminando a cultura da paz e procurando colaborar com ações que visem tanto a promoção da segurança quanto o combate da violência. E, politicamente, engajando-se no processo, fazendo com que a cidadania possa ser enriquecida com o conhecimento (das leis espirituais e da dinâmica espiritual da vida). De há muito, o espírita acostumou-se a ouvir (e a dizer) que não deveríamos aproximar Espiritismo e Ciência Política. Outro engano histórico: tivemos espíritas atuantes que desempenharam cargos eletivos (executivo e legislativo) e precisamos resgatar o envolvimento dos espíritas conscientes na construção efetiva de uma Sociedade mais feliz e harmonizada. 

O Consolador: A preparação do advento do mundo de regeneração em nosso planeta já deu, como sabemos, seus primeiros passos. Daqui a quantos anos você acredita que a Terra deixará de ser um mundo de provas e expiações, passando plenamente à condição de um mundo de regeneração, em que, segundo Santo Agostinho, a palavra “amor” estará escrita em todas as frontes e uma equidade perfeita regulará as relações sociais?

– Falar em cronologia temporal, sobretudo em termos de "previsões" (no nível de especulação, já que não detenho tal mediunidade) é um "salto no escuro"! Particularmente, não acredito em divisões "temporais", determinando um conjunto de anos, décadas ou séculos para tal ou qual fase na História da Humanidade Terrena. Prefiro pensar na idéia de "substituição paulatina" de ideais, princípios e práticas (e, conseqüentemente, das próprias individualidades encarnadas) no orbe em que vivemos, dando oportunidade ao processo de "seleção espiritual" (em uma analogia à "seleção natural" biológica), que credencia os "mais aptos" (espiritualmente) a prosseguirem encarnando, desencarnando e retornando a este plano, e, como oportunidade, também, análoga, aos que dele se despedem, sendo "convidados" a habitar outros mundos, um recomeço que, com interesse e boa-vontade, lhes dará o seguimento do curso evolutivo. Também tenho visto a repetitividade de um "pseudo-conceito" espírita, pelas instituições e periódicos, que atestam que, no mundo regenerado, estaremos livres das principais mazelas que assolam nossa realidade atual. Penso diferente: as mazelas (embora, talvez, não em tal quantitativo ou extensão) poderão ainda estar latentes nos indivíduos, aflorando aqui ou ali, mas, seguramente, os Espíritos habitantes deste novo estágio planetário estarão mais conscientes da necessidade da vigilância e da ação construtiva. A idéia do amor, como prelecionou Agostinho, será muito mais forte do que a do egoísmo, sendo, pois, a regra áurea da fraternidade a base das convenções, das legislações e das relações sociais. Mas, tudo é um processo, construído coletivamente, e não "legado" pela Espiritualidade, pronto e acabado, como um "presente" para a Humanidade. O esforço – constante e perpétuo – é que irá configurar o cenário e as vivências, portanto. 

O Consolador: Em face dos problemas que a sociedade terrena está enfrentando, qual deve ser a prioridade máxima dos que dirigem atualmente o movimento espírita no Brasil e no mundo?

– Ética, sem dúvida alguma. Transplantar a ética individual para o coletivo, desde que esta ética não seja a mera reprodução dos valores pessoais (moral individual, distinta e decorrente da cultura, dos hábitos, dos comportamentos, das ideologias). Ética na acepção plena da palavra, que está consubstanciada nos principais cânones, ensinamentos e preleções dos sábios e avatares de todos os tempos: fazer ao semelhante o que quereríamos que a nós fosse feito. Não a ética insossa ou silente das academias e dos discursos, mas aquela posta em ação, com o envolvimento real do espírita na construção de novos modelos sociais, participando ativamente e pró-ativamente da Sociedade. Quiçá o façamos!

 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita