JOSÉ
CARLOS
MONTEIRO
DE MOURA
jcarlosmoura@terra.com.br
Belo
Horizonte,
Minas
Gerais
(Brasil)
A mentira
Na epístola de Erasto
aos lioneses, lida por
Allan Kardec, no
banquete de 19 de
setembro de 1861 (REVISTA
ESPÍRITA, outubro de
1861, Edicel, S.Paulo,
s/d, p. 324), ele lhes
fez a famosa advertência
sobre a necessidade de a
verdade ser respeitada
de forma absoluta,
afirmando textualmente:
“melhor repelir dez
verdades momentaneamente
do que admitir uma só
mentira, uma única
teoria falsa”.
Repetia assim, em
linguagem própria para a
ocasião, o milenar
ensinamento do Sermão do
Monte, quando Jesus
recomendou, expressa e
taxativamente: “Seja,
porém, o vosso falar:
Sim, sim; Não, não;
porque o que passa disto
é de procedência
maligna.” (Mateus,
5:37)
A história se encarregou
de transformar em letra
morta o ensinamento do
Mestre, que tanto quanto
as palavras de Erasto,
não passam, na maioria
das vezes, de mero
recurso de retórica. Do
ponto de vista social, a
mentira assume aspectos
de verdadeira
instituição,
constituindo mesmo uma
forma de cortesia e de
boa educação (sic).
É inclusive recomendada
no âmbito da política, a
exemplo do que fazia
velha raposa do antigo
PRM destas gerais,
quando afirmava que “o
bom político não diz nem
sim nem não;
diz pois não, uma
vez que a expressão
comporta uma dupla
interpretação,dependendo
do ponto de vista e do
interesse daquele a quem
é dirigida. Gabriel
Tarde (A
CRIMINALIDADE COMPARADA,
Ed. Nacional de Direito
Ltda., Rio, 1957, p. 244
e seguintes), um dos
maiores nome da
Sociologia Criminal,
sustenta a existência de
uma íntima correlação
entre a civilização e a
mentira, ao afirmar: “De
todas as condições que
favorecem a eclosão do
delito, mesmo do delito
brutal e violento, a
mais fundamental, sem
contradição, é o hábito
da mentira”. Em
contrapartida, lembra
que “o amor à verdade,
mesmo desagradável, está
ligado ao amor á
justeza, mesmo
prejudicial”. Apesar do
toque de irônica
amargura que caracteriza
o seu trabalho, ele não
deixa de conter verdades
que a própria vida
comprova, principalmente
ao dizer que “a arte de
amar, com seus
galanteios, tão falsos
quanto suas promessas, é
a arte de mentir, se
creio em Ovídio; a arte
de governar, da mesma
maneira, se creio em
Maquiavel. Houve alguma
vez um sucesso sério em
amor sem embuste, em
política sem calúnias,
em religião sem
hipocrisia, em
diplomacia sem
perfídias, em negócios
sem astúcia, em guerras
sem armadilhas”?
A sua carga mais
contundente, porém, é a
dirigida contra as
religiões em geral.
Investe contra elas de
lança em riste, dizendo:
“Toda época, toda nação
um pouco adiantada em
civilização, teve, no
sentido indicado, seus
clérigos. No tempo de
Cícero, já a alta
sociedade romana tinha
chegado ao ponto em que
a religião, como
salgueiro oco, só vive
pela casca, boa ainda
como abrigo. Em nossos
dias, toda nossa Europa
oferece o mesmo
espetáculo, somente bem
generalizado. Mesmo na
Ásia, o ceticismo se
divulga entre classes
muçulmanas elevadas, por
exemplo na Pérsia, onde
os nacionalistas, os
sufis, praticam seu
culto sem a menor fé,
hipocrisia transparente
e aprovada que recebeu,
parece o nome de Ketman
(ver Elisée Reclus,
Asie antérieure)”.
Não obstante o
extremismo
anti-religioso de Tarde,
influenciado pelo
positivismo e
materialismo do final de
século XIX, ninguém
desconhece que o
Cristianismo, sobretudo
o romano, sempre se
utilizou da mentira para
justificar as inúmeras
atrocidades praticadas
pela Igreja em nome de
Deus! A Companhia de
Jesus, que EMMANUEL, em
A CAMINHO DA LUZ,
define como sendo obra
do “cérebro obcecado e
doentio de Inácio de
Loiola” (p. 176) , fez
dela, rebatizada com o
nome de restrição
mental, um
importantíssimo
instrumento de suas
ações e pretensões,
sintetizado na conhecida
fórmula finis coronat
opus, encontradiça
em todas as obras
editadas sob seu
auspício. Nesse
particular aspecto ele é
contundente com respeito
aos seus métodos, ao
afirmar: “A Companhia de
Jesus, de nefasta
memória, não procurava
conhecer os meios, para
cogitar tão-somente dos
fins imorais a que se
propunha” (p. 177).
Partiu dela o conhecido
aforismo os fins
justificam os meios,
de uso indiscriminado
nos dias atuais.
Antes, porém, a mentira
já era recomenda e
utilizada, sobretudo
pela Inquisição. O
MANUAL DOS INQUSIDORES,
escrito por Frei Nicolau
Emérico, da Ordem dos
Pregadores, e Grande
Inquisidor de Aragão, e
o MALLEUS MALEFICARUM,
O MARTELO DAS BRUXAS,
de autoria dos também
inquisidores Heinrich
Kramer e James Sprenger,
consagram os mais
aleivosos procedimentos,
que se apoiavam
solidamente na
mentira.
Durante a colonização
espanhola na América,
coube aos franciscanos a
inglória tarefa de obter
a submissão dos incas,
maias e astecas,
praticamente destruídos
pela ganância da mui
católica Espanha,
através do engodo e da
mentira (a respeito,
O LIVRO NEGRO DO
CRISTIANISMO,
DOIS MIL ANOS DE
CRIMES EM NOME DE DEUS,
de Jacopo Fo, Sergio
Tomat e Laura Malucelli,
Ediouro, 2005, p. 183 e
seguintes).
No Espiritismo, a
mentira não encontra
terreno para prosperar,
embora alguns poucos
companheiros, movidos
por uma falsa caridade
cristã, assumam, diante
de determinados fatos
desagradáveis ocorridos
nas suas instituições,
uma postura omissa, nem
sempre compatível com o
procedimento do
autêntico homem de
bem, nos termos da
colocação feita por
Kardec, no Capítulo
XVII, nº. 3, de O
EVANGELHO SEGUNDO O
ESPIRITISMO. E isso
porque, alguns poucos
comodistas ainda
insistem em transferir
para a Espiritualidade
os problemas do
quotidiano, o que não
deixa de ser, até certo
ponto, uma mentirosa
maneira de fugirem dos
encargos mais
espinhosos.
Outros persistem no
lamentável hábito de
cultivarem uma certa
alienação em face de
gravíssimas questões que
agitam o mundo e o
Brasil. É o caso, por
exemplo, dos inusitados
projetos de lei em
tramitação no Congresso
que regulamentam, entre
outras coisas, o
casamento de
homossexuais, situação
manifestamente contrária
à lei natural, o que
vale dizer à Lei de
Deus. A adoção de uma
postura contrária a tal
aberração não implica, a
nosso ver, nenhuma
discriminação contra os
homossexuais, que, como
seres humanos, são
merecedores de todo o
respeito e, até, de
compaixão...
Diante dessa situação, é
impossível deixar de
pensar a respeito de
quais seriam, por
exemplo, as atitudes de
um Cairbar Schutel, de
um Herculano Pires ou de
um Bezerra de Menezes,
lembrando que coube a
este último a destemida
iniciativa contra a
aplicação indiscriminada
do malfadado artigo 157
do Código Penal de 1890,
que, entre a suas ações
típicas, definia como
fato delituoso “praticar
o Espiritismo”.
O momento vivido pela
humanidade, que
constitui o seu mais
culminante ponto de
mutação, exige um
esforço concentrado de
todos os homens de boa
vontade, entre os quais
os espíritas têm o dever
inarredável de figurar,
para que a nova
civilização que se
avizinha seja
basicamente construída
sobre a verdade e que a
pessimista realidade
retrata por Gabriel
Tarde seja
definitivamente relegada
ao plano das más
recordações por que a
Terra já passou − e por
que tenha ainda de
passar − até atingir o
patamar de um planeta de
regeneração.