JÁDER SAMPAIO
jadersampaio@uai.com.br
Belo Horizonte, Minas Gerais
(Brasil)
Mediunidade intuitiva
Sábado à tarde. Um pedido de
orientação me fez chegar
mais cedo ao Célia Xavier. A
jovem não havia entrado em
detalhes, apenas queria
conversar sobre mediunidade.
A pergunta era: como eu
posso ter certeza que sou
médium?
Se fosse uma mediunidade de
vidência ou audiência, a
pergunta seria: será que eu
não sou louca? Contudo,
tratava-se de um tipo de
mediunidade classificada por
Kardec como intuitiva.
Mediunidade intuitiva é uma
classificação que cabe em
uma gama diversa de
manifestações. Embora Kardec
estivesse tratando de
médiuns escreventes quando
tocou no assunto (1), sua
definição se aplica também a
médiuns falantes, de
pressentimentos, pintores,
entre outros.
A descrição da faculdade é
simples. O médium percebe o
conteúdo do que vai escrever
ou falar antes do fenômeno
acontecer, e movimenta o
lápis ou a garganta de
vontade própria. Como não há
nenhuma interferência do
Espírito comunicante nas
vias motoras do médium, não
há mudança de caligrafia ou
de entonação de voz, a menos
que o médium assim o deseje
(e o faça por conta própria,
muitas vezes para se sentir
mais seguro).
O problema dos médiuns
intuitivos é a distinção
entre seus próprios
pensamentos e os pensamentos
oriundos dos Espíritos. Há
faculdades em que a
percepção dos Espíritos é
nítida e semelhante à
percepção dos órgãos dos
sentidos. O mesmo não se dá
com a intuição. O médium tem
razões para crer que o
pensamento não foi criado
por ele, mas também não
sente segurança para afirmar
que é oriundo de um
Espírito, e em caso
afirmativo, hesita quanto à
fidelidade do que está
escrevendo.
A mediunidade intuitiva é um
conjunto de sugestões
espirituais registradas pelo
pensamento/sentimento do
intermediário que é
traduzido, interpretado e
registrado por ele. Para se
ter noção da precariedade da
comunicação intuitiva, faça
uma vivência. Peça a um
amigo para lhe contar, sem
citar nomes, um episódio que
aconteceu com ele, em ritmo
de narrativa, pegue um lápis
e vá anotando da forma
possível o que ele diz.
Compare o resultado final
com uma gravação daquilo que
ele narrou. Como se saiu?
Imagine agora uma situação
em que você não é capaz de
ouvir claramente, em que as
idéias são percebidas com
dificuldade, é necessário
manter a concentração sobre
o conteúdo, sem dispersar-se
e as suas próprias emoções
alteram a comunicação com a
fonte. Estas são algumas das
dificuldades deste tipo de
mediunidade.
Kardec estava atento a este
tipo de situações quando
escreveu sobre o assunto.
Acostumado a trabalhar com
médiuns mecânicos e
semimecânicos, ele assim se
refere à mediunidade
intuitiva:
“Efetivamente, a distinção
(2) é às vezes difícil de
fazer-se.”
Uma observação que Kardec
faz quanto ao mecanismo
desta faculdade é o que se
pode chamar de criação
simultânea. O médium não
cria o texto em sua mente e
organiza as idéias para, a
seguir, redigir. O
pensamento “nasce à medida
que a escrita vai sendo
traçada e, amiúde, é
contrário à idéia que
antecipadamente se formara.
Pode mesmo estar fora dos
limites dos conhecimentos e
capacidades do médium”. (O
Livro dos Médiuns,
parágrafo 180)
Quatro elementos
identificadores se
encontram, portanto, no
texto kardequiano: a falta
de impulsos mecânicos, a
voluntariedade da escrita
mediúnica, a criação
simultânea das idéias do
texto e a presença de
conhecimentos e informações
que podem estar além das
capacidades do médium.
Mesmo encontrando estas
quatro características (e a
última é muito importante
para a identificação de um
médium intuitivo), ainda
assim o produto desta
mediunidade é passível de
mescla com as idéias
pessoais do intermediário.
Isto faz com que os
Espíritos digam a Kardec a
seguinte frase:
“São muito comuns (3), mas
muito sujeitos a erro, por
não poderem, muitas vezes,
discernir o que provêm dos
Espíritos e o que deles
próprios emana”. (O Livro
dos Médiuns, parágrafo
191)
Este tipo de faculdade
desaponta bastante os que
desejam ver fenômenos
definitivos, que dão
evidências da vida após a
morte. Parece-se com o
garimpo manual, descarta-se
muita areia para encontrar
uma ou outra pepita de ouro
verdadeiro. O curioso é que
os céticos ficam a dizer:
“só vejo areia”, e quando
surge o ouro vociferam “quem
sabe este charlatão não o
colocou aí quando nos
distraímos”.
Eu expliquei aos poucos
estas informações à jovem,
que me pareceu um pouco
desapontada no final da
conversa. Talvez ela tenha
sido incentivada a escrever
o que lhe ocorria, mas não
tenha surgido nada em seu
texto que atenda ao quarto
critério de Kardec. Tudo
indica que continuou em
dúvida.
Com o surgimento da
Psicologia Analítica, a
distinção entre mediunidade
intuitiva e animismo ficou
ainda mais difícil. Jung
afirmou que alguns fenômenos
psicológicos nos quais a
pessoa se sente um
expectador, são frutos da
fantasia ou da imaginação
ativa; esta última, uma
manifestação de arquétipos
do inconsciente coletivo,
mas isto é assunto para um
outro artigo.
Notas:
(1) O
Livro dos Médiuns, cap.
XV.
(2) Entre o
pensamento do Espírito
comunicante e o pensamento
do médium.
(3) Os
médiuns intuitivos.