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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 42 - 10 de Fevereiro de 2008

JÁDER SAMPAIO
jadersampaio@uai.com.br
Belo Horizonte, Minas Gerais (Brasil)

Mediunidade intuitiva

Sábado à tarde. Um pedido de orientação me fez chegar mais cedo ao Célia Xavier. A jovem não havia entrado em detalhes, apenas queria conversar sobre mediunidade. A pergunta era: como eu posso ter certeza que sou médium? 

Se fosse uma mediunidade de vidência ou audiência, a pergunta seria: será que eu não sou louca? Contudo, tratava-se de um tipo de mediunidade classificada por Kardec como intuitiva.

Mediunidade intuitiva é uma classificação que cabe em uma gama diversa de manifestações. Embora Kardec estivesse tratando de médiuns escreventes quando tocou no assunto (1), sua definição se aplica também a médiuns falantes, de pressentimentos, pintores, entre outros. 

A descrição da faculdade é simples. O médium percebe o conteúdo do que vai escrever ou falar antes do fenômeno acontecer, e movimenta o lápis ou a garganta de vontade própria. Como não há nenhuma interferência do Espírito comunicante nas vias motoras do médium, não há mudança de caligrafia ou de entonação de voz, a menos que o médium assim o deseje (e o faça por conta própria, muitas vezes para se sentir mais seguro). 

O problema dos médiuns intuitivos é a distinção entre seus próprios pensamentos e os pensamentos oriundos dos Espíritos. Há faculdades em que a percepção dos Espíritos é nítida e semelhante à percepção dos órgãos dos sentidos. O mesmo não se dá com a intuição. O médium tem razões para crer que o pensamento não foi criado por ele, mas também não sente segurança para afirmar que é oriundo de um Espírito, e em caso afirmativo, hesita quanto à fidelidade do que está escrevendo. 

A mediunidade intuitiva é um conjunto de sugestões espirituais registradas pelo pensamento/sentimento do intermediário que é traduzido, interpretado e registrado por ele. Para se ter noção da precariedade da comunicação intuitiva, faça uma vivência. Peça a um amigo para lhe contar, sem citar nomes, um episódio que aconteceu com ele, em ritmo de narrativa, pegue um lápis e vá anotando da forma possível o que ele diz. Compare o resultado final com uma gravação daquilo que ele narrou. Como se saiu? Imagine agora uma situação em que você não é capaz de ouvir claramente, em que as idéias são percebidas com dificuldade, é necessário manter a concentração sobre o conteúdo, sem dispersar-se e as suas próprias emoções alteram a comunicação com a fonte. Estas são algumas das dificuldades deste tipo de mediunidade. 

Kardec estava atento a este tipo de situações quando escreveu sobre o assunto. Acostumado a trabalhar com médiuns mecânicos e semimecânicos, ele assim se refere à mediunidade intuitiva: 

“Efetivamente, a distinção (2) é às vezes difícil de fazer-se.” 

Uma observação que Kardec faz quanto ao mecanismo desta faculdade é o que se pode chamar de criação simultânea. O médium não cria o texto em sua mente e organiza as idéias para, a seguir, redigir. O pensamento “nasce à medida que a escrita vai sendo traçada e, amiúde, é contrário à idéia que antecipadamente se formara. Pode mesmo estar fora dos limites dos conhecimentos e capacidades do médium”. (O Livro dos Médiuns, parágrafo 180) 

Quatro elementos identificadores se encontram, portanto, no texto kardequiano: a falta de impulsos mecânicos, a voluntariedade da escrita mediúnica, a criação simultânea das idéias do texto e a presença de conhecimentos e informações que podem estar além das capacidades do médium. 

Mesmo encontrando estas quatro características (e a última é muito importante para a identificação de um médium intuitivo), ainda assim o produto desta mediunidade é passível de mescla com as idéias pessoais do intermediário. Isto faz com que os Espíritos digam a Kardec a seguinte frase: 

“São muito comuns (3), mas muito sujeitos a erro, por não poderem, muitas vezes, discernir o que provêm dos Espíritos e o que deles próprios emana”. (O Livro dos Médiuns, parágrafo 191) 

Este tipo de faculdade desaponta bastante os que desejam ver fenômenos definitivos, que dão evidências da vida após a morte. Parece-se com o garimpo manual, descarta-se muita areia para encontrar uma ou outra pepita de ouro verdadeiro. O curioso é que os céticos ficam a dizer: “só vejo areia”, e quando surge o ouro vociferam “quem sabe este charlatão não o colocou aí quando nos distraímos”. 

Eu expliquei aos poucos estas informações à jovem, que me pareceu um pouco desapontada no final da conversa. Talvez ela tenha sido incentivada a escrever o que lhe ocorria, mas não tenha surgido nada em seu texto que atenda ao quarto critério de Kardec. Tudo indica que continuou em dúvida. 

Com o surgimento da Psicologia Analítica, a distinção entre mediunidade intuitiva e animismo ficou ainda mais difícil. Jung afirmou que alguns fenômenos psicológicos nos quais a pessoa se sente um expectador, são frutos da fantasia ou da imaginação ativa; esta última, uma manifestação de arquétipos do inconsciente coletivo, mas isto é assunto para um outro artigo. 

Notas:

(1) O Livro dos Médiuns, cap. XV.

(2) Entre o pensamento do Espírito comunicante e o pensamento do médium.

(3) Os médiuns intuitivos. 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita