Fenômenos do
arrependimento em face
da culpa e da expiação
Para o dicionarista
Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira
"arrependimento" é uma
insatisfação causada por
violação de lei ou de
conduta moral, e que
resulta na livre
aceitação do castigo e
na disposição de evitar
futuras violações. (1)
Essa é a definição da
ética e se refere mais
particularmente à lei e
à moral humanas. No
aspecto religioso,
define-se pela
intensificação dos
matizes de remorso que
se instala na
consciência ao ensejo de
erro cometido e que pode
impulsionar ao
desiderato de mudança de
comportamento e ao
desejo de
penitenciar-se. (2)
Pela invigilância
precipitamos nas
síndromes de culpa
[considerada aqui como
uma falta voluntária a
uma obrigação, ou a um
princípio ético] (3),
irrompendo de súbito o
remorso tisnado de
múltiplos aspectos,
impondo manchas de
sombra à tecitura sutil
do perispírito. Este
estado de contrição,
incessantemente
potencializado pelo
pulsar das
reminiscências
denegridas,
consubstancia-se num
vórtice mental,
intoxicando-nos, pouco a
pouco, espraiando ao
nosso redor um halo
contaminado pela
desarmonia íntima,
corrompendo, não raro, a
psicosfera espiritual de
quem compartilha nossa
companhia. Este fenômeno
psíquico se constitui do
martírio da consciência
e, por essa razão,
densas e sombrias forças
de angústias se
insinuam.
Diversas pessoas
moderadas, muitas vezes,
por invigilância, tornam
vítimas quase inermes do
pensamento impetuoso,
tornando-os mais
acicatados na
consciência do que os
imprudentes. Muitas
vezes sob o guante da
excitação momentânea,
que caracteriza a
impulsividade, deixam-se
abater por inconsolável
arrependimento, dando
azo a um angustioso
impacto de inquietação
da consciência ante a
condição tardia para
desfazer o equívoco
consumado.
É importante também
sabermos que após
cometermos um erro
conscientemente, este
pode propagar em nós a
possibilidade de
reabilitação, razão pelo
qual não devemos nos
entregar apáticos ao
desalento ou remorso
anestesiante. Por todos
os motivos possíveis
precisamos nos acautelar
contra as atitudes
intempestivas. Fujamos
dos propósitos
inferiores sob pena de
mais tarde
inevitavelmente sermos
consumidos pela aflitiva
sensação de contrição
psíquica.
Ajuizemos quanto à
direção dos próprios
passos, de maneira a
evitarmos o nevoeiro da
aflição sob o acicate do
pesar profundo que
permanecerá em nós,
advertindo sobre o mal
praticado. Urge desse
modo, a busca do
autoperdão, da
auto-aceitação, da
auto-estima estimulada
pelo esforço de
reequilibro espiritual,
a fim de minimizar os
reparos dos danos
causados.
Os reveses da vida
física podem significar
penitências dos
equívocos do passado e,
ao mesmo tempo,
experiências
provacionais presentes,
delineando o porvir.
Desse modo, depreende-se
que da dimensão de tais
desventuras se possam
inferir qual gênero foi
a jornada reencarnatória
anterior. Freqüentemente
é isso possível, pois
que cada um é corrigido
naquilo por onde errou.
Todavia, não há como
interpretar daí uma
regra universal. As
tendências e fortes
pendores instintivos
constituem indício mais
seguro, posto que os
testemunhos por que
passa o Espírito o são,
tanto pelo que tange ao
passado, quanto pelo que
toca ao futuro.
Consoante as lições
kardecianas, a duração
da expiação, para
qualquer transgressão, é
indeterminada e está
atrelada ao
arrependimento do
culpado com o
conseqüente retorno ao
bem. A punição permanece
de acordo com a
obstinação no mal, e
seria infindo se a
obstinação fosse
permanente; e de rápida
duração se o
arrependimento surge
imediatamente. Diante
disso, e como a
consciência nunca dorme,
somos constrangidos a
ser juízes da própria
sorte, podendo abreviar
o suplício ou
prolongá-lo
indefinidamente. Nossa
felicidade, ou
infelicidade, depende da
vontade de fazermos o
bem. E, nesse contexto,
a submissão paciente aos
sofrimentos da vida é
atitude de alto relevo
para a consumação da
quitação do débito
contraído.
Nunca será redundante
repetir-se que, assim
como pensamos e agimos,
edificaremos a
existência, vivendo-a de
conformidade com o
comportamento elegido.
Suportar a dor da culpa
e aproveitá-la para
meditar, para orar, para
se aproximar de Deus é a
expressão da sabedoria,
até porque Jesus nunca
nos abandona, e espera
de nós a atitude mais
austera e sincera.
Sofrendo a punição, que
suplanta o orgulho, o
egoísmo, podemos ter a
certeza de estar
galgando superiores
degraus na escala do
crescimento espiritual.
(4)
Lembremo-nos, em suma,
do ensinamento do
Mestre, "vigiando e
orando, para não
sucumbirmos às
tentações, de vez que
mais vale chorar sob os
aguilhões da resistência
que sorrir sob os
narcóticos da queda”.
(5) Arrostemos, pois, o
tormento do remorso, da
consciência culpada, com
denodo, resignação e
sobretudo comprometidos
com a reforma íntima. É
tarefa fácil?... Não! É
difícil?... Bastante! Um
dos grandes desafios
para nós. Mas é
justamente no momento de
acérrimas expiações que
demonstramos ao Senhor
da Vida a expressão do
avanço moral sob o
influxo da resignação
que nos conduzirá à
placidez da consciência
retificada.
FONTES:
1- Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa,
editora Nova Fronteira,
2004.
2- "O Livro dos
Espíritos, QUESTÃO.
999". "O arrependimento
auxilia a melhora do
Espírito, porém, o erro
deve ser expiado".
3- Culpa e
arrependimento
geralmente estão
associadas aos conceitos
de castigos ou
recompensas de acordo
com a idéia de Deus
incutida em nossa mente,
por causa da educação
religiosa que recebemos.
4- Na q. 171 de "O Livro
dos Espíritos", os
Espíritos superiores nos
dizem que "o bom pai
deixa sempre aberta a
seus filhos uma porta
para o arrependimento".
Assim, podemos conceber
que Deus também nos
oferece todas as
ferramentas necessárias
para refazermos o
caminho, e buscarmos a
nossa felicidade.
5- Xavier, Francisco
Cândido. Fonte Viva,
ditado pelo Espírito
Emmanuel, RJ: Ed. FEB,
2004, Cap.110.