EUGÊNIA PICKINA
eugeniamva@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil)
Ouça o chamado
do coração
Não podemos
desconsiderar o
seguinte fato: o
desconhecido não
é somente o
mundo exterior,
mas
principalmente o
que está
implicado com o
mundo interior.
Contudo, o
conhecimento
sobre si mesmo
se define também
pelo tipo de
diálogo mantido
com o mundo
exterior,
obediente ao
processo de
interações
sociais...
Logo, é preciso
realçar o fato
de que a razão
deve ser
profundamente
tolerante às
dimensões
emocionais,
sociais e
espirituais, uma
vez que a
humanidade está
sempre sujeita a
“novos
nascimentos”,
pois em contínuo
aprendizado e,
por isso, o
futuro é
necessariamente
aberto.
Ainda, todos
nós, de alguma
maneira, fazemos
perguntas
relacionadas a
aspectos
particulares de
nossas
existências e
também
produzimos
respostas
igualmente
particulares,
extraídas de
nossas
experiências,
pois, na
condição de
“projetos
inacabados”,
somos
suscetíveis a
vários tipos de
análise. Basta
lembrar que
etimologicamente
o termo
“análise”
significa mexer,
afrouxar, estar
disponível para
a
auto-atualização.
No entanto, há
certas questões
que nos alcançam
de maneira mais
geral, ou nos
angustiam, e que
merecem uma
atenção
redobrada: qual
é a vocação de
sua vida, o seu
“chamado”? E não
me refiro aqui
somente à sua
fonte de
sustento. (*)
Certamente
iremos encontrar
uma coragem
maior para viver
caso levemos a
sério a
responsabilidade
para cada um ser
quem é – o que
pressupõe
contribuir (e
servir) em
sintonia com o
próprio
manancial de
aptidões.
Insisto nisso
porque há duas
tarefas que
reclamam nossos
esforços:
a) viver a
própria vida, o
que evidencia o
compromisso com
a
individuação,
na expressão
utilizada por
Jung, ou seja,
as tentativas
postas em ação
para tornar-se
um ser
diferenciado
[dimensão
individual]; e
b) cooperar com
a construção de
um mundo mais
humano, mais
solidário, mais
ajustado aos
princípios do
amor e da
justiça social
[dimensão
social].
Desse modo, caso
aceitemos o
postulado de que
retornamos
preparados para
a existência
neste Planeta,
pois dispomos de
um prévio
programa,
simplesmente
confiaríamos no
fato de que
nossas
necessidades nos
fariam encontrar
os meios
necessários para
o prosseguimento
de nosso
aprendizado. Com
isso, seríamos
mais rigorosos
com o próprio
chamado, ou no
mínimo o
trataríamos com
mais afeto e
respeito.
Então, o que
devemos fazer
quando tal
pergunta se
coloca? Dar
atenção à
vocação,
emaranhada na
natural
necessidade de
servir,
solicita, em
primeiro lugar,
ouvir o coração.
Baltasar Gracián,
o filósofo
espanhol, disse
uma vez:
“Nunca se deve
contradizer o
coração, pois
ele costuma
prognosticar o
mais importante:
é um oráculo
pessoal”.
(1)
Nesse encalço, a
própria
aspiração de um
mundo melhor
ata-se
necessariamente
à importância do
cultivo do
talento que cada
um poderá
desenvolver e,
em conseqüência,
ofertar em
benefício da
coletividade.
Para isso,
qualquer menção
à automatização,
ou à comparação
(imitação), é
condenada, pois,
em realidade, o
que está em jogo
é a insistência
no
desenvolvimento
das habilidades
pessoais,
genuinamente
aptas a orientar
o existir-fazer
com
criatividade,
perseverança e
alegria.
Ouso ir mais
longe. E para me
sensibilizar com
o significado da
vocação,
valho-me da
ponderação
sensata de
Emmanuel:
“Trabalha para o
bem geral, mesmo
assim, porque o
Senhor concedeu
a cada
cooperador o
material
conveniente e
justo”.
(2)
Material
conveniente e
justo? Sim, se
aceitamos o fato
de que trazemos
conosco as
sementes
instrumentais do
que “podemos
ser-fazer”, na
dimensão ligada
às aptidões, o
que causaria
sofrimento? A
recusa (ou
deformação) ao
desenvolvimento
e aplicação das
próprias
aptidões... E
essa recusa
recrudesce uma
pergunta que li
uma vez (*) e
que considero
pertinente para
todos nós:
Se você
estivesse
sozinho, a mil
milhas de
distância de
qualquer outra
pessoa, e
estivesse
morrendo, o que
seria preciso
sentir para você
morrer com a
sensação de ter
honrado suas
tarefas?
Creio que seria
preciso que
sentíssemos uma
coisa: que
vivemos nossa
vida em sintonia
com o chamado do
coração...
Reitero,
portanto. O
referente
existencial que
combina
talento e
responsabilidade
pode funcionar e
ajudar o
caminheiro a
realizar, com
ânimo e
esperança, a sua
condição de
Espírito em mais
uma “experiência
corporal”...
Bibliografia:
(1) GRACIÁN,
Baltasar. A
arte da
prudência:
aforismos
selecionados.
Tradução de
Davina M. de
Araújo. RJ:
Sextante, 2006,
p. 67.
(2)
EMMANUEL/XAVIER,
Francisco
Cândido. Pão
Nosso. 28
ed. RJ: FEB,
2006, p. 29.
(*) Quando me
refiro à fonte
de sustento,
embora entenda o
talento também
vinculado à
condição do
exercício do
trabalho
(profissão),
creio que o
conceito poderia
ser ampliado
para além da sua
finalidade
material,
auxiliando na
conquista
individual de
outros aspectos
da dimensão
emocional,
social e
espiritual,
inter-relacionados.
(**) A pergunta,
corretamente
transcrita, se
encontra em
Fire in the
Belly, de
Sam Keen,
Toronto: Bantam,
1991, p. 158.