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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 51 - 13 de Abril de 2008

EUGÊNIA PICKINA 
eugeniamva@yahoo.com.br 
Londrina, Paraná (Brasil)
 

Caminho e destino

Não há como desprezar o testemunho do poeta Rilke: “não nos sentimos muito à vontade no mundo que criamos.” (1) 

Ora, se não podemos mais render homenagem ao fácil otimismo pregado pela época das Luzes, disseminadora da idéia de que, nos resultados do anseio faustiano de saber tudo, encontraríamos as receitas que fariam surgir a era de ouro (e me refiro ao mito da ciência), em realidade, o que está ao nosso alcance, de forma mais modesta, é o assumir da tarefa da auto-salvação, ou individuação, segundo uma linguagem psíquica. 

E o que há contra nós? 

“Preferimos nos arruinar a mudar,

Morrer nas garras de nossos pavores

Que subir à cruz do momento

E deixar que nossas ilusões morram.” (2) 

E o que há a nosso favor? 

No contexto contemporâneo, creio que as duas fantasias que os humanos devem superar são:  

a) a ilusão do “outro mágico”: aqui, a pessoa se ilude à medida que acredita que surgirá alguém que tornará sua vida fácil, confortável e livre de sofrimentos; e  

b) a ilusão do “grande líder”: nesse caso, a pessoa crê que suas escolhas e decisões possam ser atribuídas a autoridades ou líderes carismáticos, que podem encarnar, por exemplo, o papel de um ídolo pessoal, ou guru, cujas ações e promessas são interpretadas pelo iludido como fomento a vícios de dependência e servidão.  

Não podemos ignorar que todos aqueles que nos ofertam respostas fáceis, na verdade, não entenderam as perguntas... 

Com isso, a opção por padrões enganosos, balizados pela adoção de comportamentos pautados ou pela espera da chegada de um “herói”, ou pela atitude da subserviência (dependência), leva à regressão (letargia), em lugar de crescimento colhido no necessário sofrimento da vida a que estamos sujeitos, pois imperfeitos.  

Sim: querer uma vida de gratificações imediatistas, conduzida pela evitação da dor e das responsabilidades, obedece à malfadada opção feita pelo indivíduo, distraído, que prefere uma existência infantilizada, narcotizada pelas fugas, a uma vida autêntica e responsável...  

Não podemos fugir de nós mesmos; logo, cedo, ou tarde, quem escapa às conseqüências de seus atos irresponsáveis ou nefastos, fará contato com os abismos, pois não há atalhos para a felicidade.   

Então, o que é esperado de nós? 

O que temos a oferecer é nossa sincera disposição de “caminhar” o caminho. E essa disposição não pode ser feita uma única vez. Cada dia solicita uma renovação dessa honesta “abertura”, à medida que, vez ou outra, há a aproximação com o medo, confusão e preguiça, que nos faz repetir atitudes viciadas no “não querer sentir dor” ou no “teimar em desistir um pouco”.  

De outro lado, deve ficar claro que se estamos sujeitos a essas respostas reflexas, atávicas, devemos sustentar a vontade no encalço consciente de superá-las em nossos cotidianos e, em conseqüência, lograr avançar o passo. 

Ao contrário do infantilismo, que leva a pessoa a cultivar lamentos pelo próprio destino, não podemos esperar que outro cuide de nós. Ser adulto, ao contrário de um dado cronológico, tem a ver com nível de consciência e de responsabilidade pessoal, isto é, tem a ver com nossa habilidade pessoal de assumir deveres e também esperanças.  

Dessa maneira, buscar a expansão da consciência, que pode ser entendida como dar atenção à alma, faz presumir a prática necessária de dois requisitos: a) dar aplicação às virtudes na vida de relação consigo mesmo e com os outros; e b)  trabalhar, sem camuflagens, os vícios e dificuldades.

Para amadurecer e melhor viver, devemos, sem receio, cuidar em acender a nossa luz sem recusar conhecer, para transformar, nosso lado sombrio, pois, como está transcrito no Evangelho gnóstico de Tomé, “caso você traga para fora o que está dentro de si, o que tiver trazido irá salvá-lo. Mas, se você não traz para fora o que existe em você, o que não tiver trazido irá destruí-lo”. 

Ora, aquele que nutre a meta de “caminhar o caminho”, ou seja, aquele que zela pela sua condição de caminheiro, compreende que é preciso honrar a tarefa de ampliar sua capacidade de dar-receber e, com isso, alargar sua cota de amor próprio, pois é impossível amar o semelhante sem amar a si mesmo...

Eis, portanto, a tarefa principal: “amar o próximo como a si mesmo”, pois, se vivemos em um época incerta e fugidia, como contraponto, na certeza da nossa filiação divina podemos organizar nossas forças para viver o bom combate em relação a nós mesmos para prosseguir, sem desvios, em direção à Luz. 

Bibliografia:

(1) RILKE, R. M. Duino Elegies. Nova York: Vintage Books, 1989, n. 1, linhas 11-12.

(2) AUDEN, W. H. “The Age of Anxiety”, in Collected Poems. Nova York: Random House, 1976, p. 407.
 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita