EUGÊNIA PICKINA
eugeniamva@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil)
Caminho e
destino
Não há como
desprezar o
testemunho do
poeta Rilke:
“não nos
sentimos muito à
vontade no mundo
que criamos.”
(1)
Ora, se não
podemos mais
render homenagem
ao fácil
otimismo pregado
pela época das
Luzes,
disseminadora da
idéia de que,
nos resultados
do anseio
faustiano de
saber tudo,
encontraríamos
as receitas que
fariam surgir a
era de ouro (e
me refiro ao
mito da
ciência), em
realidade, o que
está ao nosso
alcance, de
forma mais
modesta, é o
assumir da
tarefa da
auto-salvação,
ou individuação,
segundo uma
linguagem
psíquica.
E o que há
contra nós?
“Preferimos nos
arruinar a
mudar,
Morrer nas
garras de nossos
pavores
Que subir à cruz
do momento
E deixar que
nossas ilusões
morram.”
(2)
E o que há a
nosso favor?
No contexto
contemporâneo,
creio que as
duas fantasias
que os humanos
devem superar
são:
a) a ilusão do
“outro mágico”:
aqui, a pessoa
se ilude à
medida que
acredita que
surgirá alguém
que tornará sua
vida fácil,
confortável e
livre de
sofrimentos; e
b) a ilusão do
“grande líder”:
nesse caso, a
pessoa crê que
suas escolhas e
decisões possam
ser atribuídas a
autoridades ou
líderes
carismáticos,
que podem
encarnar, por
exemplo, o papel
de um ídolo
pessoal, ou
guru, cujas
ações e
promessas são
interpretadas
pelo iludido
como fomento a
vícios de
dependência e
servidão.
Não podemos
ignorar que
todos aqueles
que nos ofertam
respostas
fáceis, na
verdade, não
entenderam as
perguntas...
Com isso, a
opção por
padrões
enganosos,
balizados pela
adoção de
comportamentos
pautados ou pela
espera da
chegada de um
“herói”, ou pela
atitude da
subserviência
(dependência),
leva à regressão
(letargia), em
lugar de
crescimento
colhido no
necessário
sofrimento da
vida a que
estamos
sujeitos, pois
imperfeitos.
Sim: querer uma
vida de
gratificações
imediatistas,
conduzida pela
evitação da dor
e das
responsabilidades,
obedece à
malfadada opção
feita pelo
indivíduo,
distraído, que
prefere uma
existência
infantilizada,
narcotizada
pelas fugas, a
uma vida
autêntica e
responsável...
Não podemos
fugir de nós
mesmos; logo,
cedo, ou tarde,
quem escapa às
conseqüências de
seus atos
irresponsáveis
ou nefastos,
fará contato com
os abismos, pois
não há atalhos
para a
felicidade.
Então, o que é
esperado de
nós?
O que temos a
oferecer é nossa
sincera
disposição de
“caminhar” o
caminho. E essa
disposição não
pode ser feita
uma única vez.
Cada dia
solicita uma
renovação dessa
honesta
“abertura”, à
medida que, vez
ou outra, há a
aproximação com
o medo, confusão
e preguiça, que
nos faz repetir
atitudes
viciadas no “não
querer sentir
dor” ou no
“teimar em
desistir um
pouco”.
De outro lado,
deve ficar claro
que se estamos
sujeitos a essas
respostas
reflexas,
atávicas,
devemos
sustentar a
vontade no
encalço
consciente de
superá-las em
nossos
cotidianos e, em
conseqüência,
lograr avançar o
passo.
Ao contrário do
infantilismo,
que leva a
pessoa a
cultivar
lamentos pelo
próprio destino,
não podemos
esperar que
outro cuide de
nós. Ser adulto,
ao contrário de
um dado
cronológico, tem
a ver com nível
de consciência e
de
responsabilidade
pessoal, isto é,
tem a ver com
nossa habilidade
pessoal de
assumir deveres
e também
esperanças.
Dessa maneira,
buscar a
expansão da
consciência, que
pode ser
entendida como
dar atenção à
alma, faz
presumir a
prática
necessária de
dois requisitos:
a) dar aplicação
às virtudes na
vida de relação
consigo mesmo e
com os outros; e
b) trabalhar,
sem camuflagens,
os vícios e
dificuldades.
Para amadurecer
e melhor viver,
devemos, sem
receio, cuidar
em acender a
nossa luz sem
recusar
conhecer, para
transformar,
nosso lado
sombrio, pois,
como está
transcrito no
Evangelho
gnóstico de
Tomé, “caso
você traga para
fora o que está
dentro de si, o
que tiver
trazido irá
salvá-lo. Mas,
se você não traz
para fora o que
existe em você,
o que não tiver
trazido irá
destruí-lo”.
Ora, aquele que
nutre a meta de
“caminhar o
caminho”, ou
seja, aquele que
zela pela sua
condição de
caminheiro,
compreende que é
preciso honrar a
tarefa de
ampliar sua
capacidade de
dar-receber e,
com isso,
alargar sua cota
de amor próprio,
pois é
impossível amar
o semelhante sem
amar a si
mesmo...
Eis, portanto, a
tarefa
principal: “amar
o próximo como a
si mesmo”, pois,
se vivemos em um
época incerta e
fugidia, como
contraponto, na
certeza da nossa
filiação divina
podemos
organizar nossas
forças para
viver o bom
combate em
relação a nós
mesmos para
prosseguir, sem
desvios, em
direção à Luz.
Bibliografia:
(1) RILKE, R. M.
Duino Elegies.
Nova York:
Vintage Books,
1989, n. 1,
linhas 11-12.
(2) AUDEN, W. H.
“The Age of
Anxiety”,
in Collected
Poems. Nova
York: Random
House, 1976, p.
407.