MARCELO
HENRIQUE PEREIRA
cellosc@floripa.com.br
Florianópolis, Santa Catarina
(Brasil)
Abreviar
a vida!? Que vida?
"[...]
A ninguém darei, para agradar,
remédio mortal, nem conselho que
o induza à destruição. Também
não darei a nenhuma mulher um
remédio abortivo." - Hipócrates,
em seu juramento de médico.
Questões
éticas são sempre polêmicas,
independentemente do cenário e do
tema que as contenham. Nos
últimos tempos, além da
discussão sobre corrupção na
política, retornaram ao debate os
delineamentos da vida e da morte,
com os subtemas aborto,
eutanásia, ortotanásia,
células-tronco, desarmamento e
pena de morte, para nos
restringirmos às principais.
No
calor das discussões, brotam
apaixonadas defesas de pontos de
vista que desencadeiam, por vezes,
movimentos sociais ou
institucionais, favoráveis ou
contrários, permissivos ou
proibitivos, criminalizadores ou
descriminalizantes de condutas
humanas. A paixão, nestes casos,
quase sempre oblitera a razão
pela cegueira que provoca em
relação às demais teses e
entendimentos: só é correto,
viável e possível o meu
raciocínio!
Tenho
lido artigos (espíritas ou não,
com abordagens médicas ou
jurídicas) sobre dois dos
assuntos acima: aborto e
ortotanásia. O primeiro será
objeto de apreciação do
Congresso Nacional dentro em
breve; o segundo consta de recente
Resolução editada pelo Conselho
Federal de Medicina (CFM).
Complementarmente, o Projeto de
Lei n. 1.135/92 e/ou seus
substitutivos e emendas são
direcionados à ampliação das
situações legais franqueadoras
do aborto, no território
brasileiro, e o ato do CFM permite
o desligamento de aparelhos ou a
interrupção da aplicação de
medicamentos que garantiam,
artificialmente, o prolongamento
da vida.
Ambas
as situações têm merecido
rechaço de grupos e movimentos
religiosos brasileiros, entre os
quais a Federação Espírita
Brasileira (FEB), a Associação
Médico-Espírita do Brasil (AME-Brasil)
e a Associação Brasileira dos
Magistrados Espíritas (Abrame),
adotando a sintonia do discurso
que elege a vida (humana) como dom
divino e, neste sentido,
condicionando o seu término ou a
sua continuidade ao Determinismo
Divino. Em muitos depoimentos,
entrevistas, artigos e moções, o
Juramento de Hipócrates é
repisado, principalmente em
função do trecho que destacamos,
no início deste ensaio. Outros,
ainda, fazem referência
explícita a excertos de O
Evangelho segundo o Espiritismo
e de O Livro dos Espíritos,
para fundamentar suas
construções filosófico-morais.
Respeitamos
todos os posicionamentos exarados,
sobretudo pelo fato de entender
que cada indivíduo se manifesta
em função do nível evolutivo em
que se encontra, exercendo, assim,
o livre exame racional com base em
suas convicções. Importante
ressaltar, todavia, que, dada a
diversidade de compreensão
espiritual, não podemos ser
agressivos nem violentos com
aqueles que não concordem conosco
e, de modo salutar, é imperioso
fomentar o debate no campo das
idéias, sem imposições ou
subserviências.
Da
premissa doutrinária da
evolutividade dos conceitos
espíritas e da necessidade do
acompanhamento das descobertas
científicas, é fundamental que o
Espiritismo transite à vontade
entre os movimentos sociais, para
visualizar possíveis avanços no
conhecimento, incorporando-os, se
for o caso, ao seu edifício
filosófico. De outra sorte, com a
adequada e necessária inserção
dos espíritas na sociedade,
visualiza-se a possibilidade real
de influenciação das
informações espirituais na
organização coletiva, nos mais
diversificados campos de atuação
humana.
É
tempo, pois, de novos paradigmas,
representando a tônica do
processo de desenvolvimento
material e espiritual da
Humanidade, lembrando que as
idéias novas provocam, sempre que
surgem, reações antagônicas e,
não raro, ferrenha oposição e
embargo. Não queremos afirmar, de
pronto, que a abertura legislativa
para novos posicionamentos,
comportamentos e ações (no
âmbito da provocação do aborto
e da adoção da ortotanásia)
seja a "verdade" e tenha
caráter de definitividade. Do
contrário, estamos "em
marcha" e é possível, no
percurso, que algumas
"brechas" jurídicas
sejam excessivas ou indevidas. O
tempo se encarregará de
avaliá-las criteriosa e
judiciosamente. O mais importante,
nisto tudo, é acompanhar de
perto, com olhos
espíritas-espirituais, tais
importantes questões da
atualidade e que, neste
particular, o conhecimento
espírita, em face da
aproximação com a realidade
espiritual e as Leis Divinas,
possa direcionar nosso
raciocínio, expressão e ação,
sem a adoção de posicionamentos
retrógrados, fisiologistas,
fundamentalistas, reducionistas,
místicos e míticos, carregados
de preconceito ou prejulgamentos,
que nos afastam tanto dos outros
quanto da racionalidade que
permeia a existência humana.
Ressignificar
a vida, reconceituando-a segundo
os parâmetros espirituais é o
primeiro passo. Será que estamos
preparados e cônscios de realizar
tais misteres?