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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 9 - 13 de Junho de 2007

WILSON CZERSKI
wilsonczerski@brturbo.com.br
Curitiba, Paraná (Brasil)  

A ditadura da beleza e o extravio da essência

Para os materialistas, o homem resume-se ao conglomerado celular representado pelo corpo carnal e nada dele subsiste ao fenômeno morte. Para os espiritualistas em geral, possuímos uma alma eterna, às vezes diluindo sua identidade no espírito divino após a experiência física. Nas religiões orientais e correntes esotéricas, somos constituídos por um espírito ou alma e vários corpos, até sete ou nove. Para os espíritas, simplificadamente, o homem possui três elementos: o corpo físico, a alma e o perispírito ou corpo fluídico que serve de intermediário entre ambos. Revelações outras de encarnados e desencarnados parecem não deixar dúvidas de que há pelo menos mais dois corpos: o vital ou etéreo e o mental.

Em mais um dos muitos paradoxos que o comportamento do ser humano é apanhado, vê-se cada vez mais pessoas capazes de se declarar religiosas, agindo como materialistas. Referimo-nos ao endeusamento do corpo. Em 1994 foram realizadas 100.000 cirurgias plásticas no Brasil, número que saltou para 400.000 no ano passado. Metade delas tinham objetivos estéticos, com 40% de lipoaspirações, 30% nas mamas e 20% faciais. Embora os homens estejam aderindo, a imensa maioria é de mulheres, muitas delas dispostas a gastar R$100.000 para fazer intervenções em até dez regiões do corpo, algumas repetidas com o tempo. Há casos extremos em que somados às cirurgias corretivas, tem-se o uso de implantes de silicone e aplicações de botox, tudo para se "transfigurar" no próprio ídolo, seja uma atriz famosa ou uma dançarina bem dotada.

Em 94, 5% do total das plásticas envolviam adolescentes, percentual que triplicou em 2003, num total de 60.000. O alto grau de insatisfação das adolescentes com o corpo se dá ou por falta ou pelo excesso de formas, mas bem poucos casos necessitariam, do ponto de vista médico, intervenção destra natureza. Para contornar o que julgam ser o grande drama de suas vidas, muitas contam com o incentivo das próprias mães.

O corpo físico constitui-se em valioso patrimônio do ser humano encarnado na Terra. É o veículo imprescindível à sua manifestação no mundo material. Sem ele, o espírito estaria impossibilitado de cumprir importantes etapas de sua evolução rumo à perfeição e felicidade que lhe são inerentes como destinação de criaturas divinas. Somente reencarnado na Terra, de posse de um corpo carnal, é que pode expiar as faltas do pretérito, reajustando-se com seus semelhantes, perante as leis divinas e a própria consciência. Por ele, desenvolve as faculdades potenciais pelas provas e missões a que se submete. Razão pela qual deve zelar com muita dedicação pelo seu bem-estar, evitando toda ordem de excessos que possam lhe comprometer o bom funcionamento. Vícios, ociosidade, trabalho demasiado, drogas, alimentação inadequada devem ser evitados para que a natureza siga seu curso livremente até o momento em que, tal qual uma veste desgastada, seja abandonado.

Justos, pois, os cuidados que visem a manutenção e/ou melhoria da saúde: exercícios físicos, alimentação balanceada, higiene, medicação quando necessária, inclusive a preventiva, os esforços, enfim, para manter a aparência saudável, espelhando no corpo a alegria que se irradia da própria alma.

Entretanto, embora o respeito ao livre-arbítrio individual, propõe-se uma reflexão em torno da postura obsessiva com que o corpo passou a ser exaltado. Para quê? Até quando? Proporcionar mais felicidade? A marcha implacável do tempo fará desvanecer por completo a ilusão. Em vez da admiração à embalagem, melhor cuidar do conteúdo. O corpo não passa de uma casca, perecível, descartável. E quando tal ocorrer, o que guardará dentro?

Não seria melhor voltarmos um pouco para os antigos filósofos que nos recomendam a busca incansável das virtudes? Jesus não nos falou para ajuntarmos tesouros no céu imunes à ação dos ladrões, traças e ferrugem? Que prodígios não realiza o amor ao próximo? Valerá a pena, será lícito aplicar quantias econômicas tão vultosas para cultivar a vaidade exacerbada quando há tanta miséria, enfermidade, ignorância ao nosso lado? Estas adolescentes, tão preocupadas com a beleza artificial, que valores éticos, sociais e espirituais terá para apresentar no futuro? Estimulando-as a cirurgias desnecessárias e enaltecendo o capricho narcisista, não as estamos condenando a serem adultos inseguros, medíocres, privados de ideais e incapazes de alçar vôos mais longínquos na realização de si mesmos?

Cada cabeça, uma sentença. Somos livres para agir, mas da semeadura que fizermos, dos frutos teremos que nos alimentar, justa e inevitavelmente. É a lei de causa e efeito. Nesta ou na outra dimensão, o reencontro com a realidade, gerada por nós mesmos e transformada na paz conquistada com esforço digno ou em sombra de dor pelos equívocos a reclamar doloroso recomeço. Só depende de nós.
 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita