Um dos
fundadores deste periódico, do
qual é diretor de redação;
editor do jornal O Imortal
desde dezembro de 1983 e
vice-presidente do Centro
Espírita Nosso Lar, de Londrina
(PR), Astolfo Olegário de
Oliveira Filho nasceu em família
espírita e atua, desde a
juventude, nas tarefas de estudo e
divulgação do Espiritismo. Autor
do livro 20 Lições sobre
Mediunidade, publicado em
novembro de 2003 pela Editora
Leopoldo Machado, é de sua
autoria a maioria dos estudos
espíritas constantes do site
desta revista, os quais abrangem
as obras de Kardec, André Luiz,
Manoel Philomeno de Miranda, Léon
Denis, Gabriel Delanne e muitos
outros, além de temas variados
como mediunidade, sexualidade,
alcoolismo, suicídio, passe
magnético, que integram também o
referido site.
Nesta
entrevista, ele nos fala sobre a
evangelização dos nossos filhos
e sua importância no mundo em que
vivemos.
O Consolador -
Por que devemos evangelizar nossos
filhos?
Astolfo
Olegário – Lemos logo na
introdução de O Evangelho
segundo o Espiritismo:
"Diante desse código divino,
a própria incredulidade se curva.
É o terreno em que todos os
cultos podem encontrar-se, a
bandeira sob a qual todos podem
abrigar-se, por mais diferentes
que sejam as suas crenças. Porque
nunca foi objeto de disputas
religiosas, sempre e por toda
parte provocadas pelos dogmas. Se
o discutissem, as seitas teriam,
aliás, encontrado nele a sua
própria condenação, porque a
maioria delas se apegou mais à
parte mística do que à parte
moral, que exige a reforma de cada
um. Para os homens, em particular,
é uma regra de conduta, que
abrange todas as circunstâncias
da vida privada e pública, o
princípio de todas as relações
sociais fundadas na mais rigorosa
justiça. É, por fim, e acima de
tudo, o caminho infalível da
felicidade a conquistar, uma
ponta do véu erguida sobre a vida
futura" (O Evangelho segundo
o Espiritismo, Introdução, item
I). Evangelizar uma pessoa, seja
ela uma criança, seja ela um
adulto, é indicar-lhe o mapa da
felicidade, é dar-lhe condições
de encontrar o reino de paz com
que todos sonhamos.
- Em que
momento deve a evangelização ser
iniciada?
Astolfo
Olegário - Na infância, esse
período da existência corpórea
que Emmanuel, num feliz momento de
inspiração, definiu: "A
juventude pode ser comparada a
esperançosa saída de um barco
para uma longa viagem. A velhice
será a chegada ao porto. A
infância é a preparação".
É durante a
infância, ensina o Espiritismo,
que o Espírito "é mais
acessível às impressões que
recebe, capazes de lhe auxiliarem
o adiantamento, para o que devem
contribuir os incumbidos de
educá-lo" (O Livro dos
Espíritos, item 383).
Explicando
melhor a questão, Emmanuel afirma:
"O período infantil é o
mais sério e o mais propício à
assimilação dos princípios
educativos. Até os sete anos, o
Espírito ainda se encontra em
fase de adaptação para a nova
existência. Ainda não existe uma
integração perfeita entre ele e
a matéria orgânica. Suas
recordações do plano espiritual
são, por isto, mais vivas,
tornando-se mais suscetível de
renovar o caráter e estabelecer
novo caminho. Passada a época
infantil, atingida a maioridade,
só o processo violento das provas
rudes, no mundo, pode renovar o
pensamento e a concepção das
criaturas, porquanto a alma
encarnada terá retomado o seu
patrimônio nocivo do pretérito e
reincidirá nas mesmas quedas, se
lhe faltou a luz interior dos
sagrados princípios
educativos" ("O
Consolador", pergunta 109).
- Onde a
evangelização deve ser
realizada?
Astolfo
Olegário - No lar, que será
sempre, de acordo com o
Espiritismo, a melhor escola para
a preparação das almas
encarnadas. Ensina-nos Santo
Agostinho (ESE, cap. 14, item 9):
"Oh! espiritistas,
percebei o grande papel da
Humanidade; compreendei que,
quando produzis um corpo, a alma
que nele se encarna vem do espaço
para progredir. Cumpri com os
vossos deveres e empregai o vosso
amor em aproximar essa alma de
Deus. Essa a missão que vos foi
conferida e da qual recebereis a
recompensa, se a cumprirdes
fielmente".
O assunto não
passou despercebido a Emmanuel,
que explica: "As noções
religiosas, com a exemplificação
dos mais altos deveres da vida,
constituem a base de toda
educação, no sagrado instituto
da família" ("O
Consolador", pergunta 108).
É de Kardec o
seguinte depoimento: "É
notável verificar que as
crianças educadas nos princípios
espíritas adquirem uma capacidade
de raciocinar precoce que as torna
infinitamente mais fáceis de
serem conduzidas. Nós as vimos em
grande número, de todas as idades
e dos dois sexos, nas mais
diversas famílias onde fomos
recebidos e pudemos fazer essa
observação pessoalmente. Isso
não as priva da natural alegria,
nem da jovialidade. Todavia, não
existe nelas essa turbulência,
essa teimosia, esses caprichos que
tornam tantas outras
insuportáveis. Pelo contrário,
revelam um fundo de docilidade, de
ternura e respeito filiais que as
leva a obedecer sem esforço e as
torna responsáveis nos estudos"
("Viagem Espírita em
1862", pág. 30).
- Qual é o
fundamento filosófico da
evangelização da criança?
Astolfo
Olegário - O assunto foi
tratado magistralmente pelo
professor Humberto Mariotti em
artigo publicado na Revista
Educação Espírita, a respeito
da Teoria Aparencial da
Criança, um tema que Kardec
já havia examinado na obra
fundamental do Espiritismo ao
ensinar que a criança aparece no
mundo envergando a roupagem da
inocência.
A Teoria
Aparencial da Criança
mostra-nos que precisamos
enfrentar a questão da educação
dessas criaturas inocentes com
maior realismo, porque, se elas
são inocentes apenas na
aparência e escondem sua
realidade íntima nas formas
físicas em desenvolvimento, manda
a boa lógica que as tratemos com
mais desembaraço. Partindo do
fato aparencial, Herculano Pires
diz-nos que temos de encarar o
desenvolvimento infantil como um
processo psicológico de
afloramento, não só de
disposições culturais, mas
também de conteúdos. Lembra-nos
o saudoso escritor paulista que
por trás da tábula rasa, da
mente desprovida de qualquer
conhecimento – uma idéia que
nos veio do empirismo inglês –
sabemos que existem as profundezas
da memória espiritual, da
consciência subliminar de
que tratou Frederic Myers.
Humberto Mariotti deixou isso bem
claro em seu artigo. "Por
trás de cada criança está o Ser
com todos os seus graus de
evolução palingenésica, pois
para a Educação Espírita a
infância é apenas uma etapa
fugaz e cambiante e não uma
condição permanente,
espiritualmente considerada."
- Que
importância têm os estudos de
Myers sobre a consciência
subliminar?
Astolfo
Olegário – Importância
muito grande. Segundo a tese de
Frederic Myers, mais válida hoje
do que em sua época, temos a
mente supraliminar e
a mente subliminar. Essa
divisão corresponde aos conceitos
de consciente e inconsciente da
Psicanálise. Essa mente que se
revela como algo mais profundo que
a mente de relação é a
que podemos chamar mente de
profundidade.
Nossa mente
de relação, que estabelece
nossa relação com o mundo e com
os outros, repousa sobre uma
espécie de patamar, abaixo do
qual se encontra a nossa mente
de profundidade. Foi por isso
que Myers chamou a mente de
relação de consciência
supraliminar e a mente de
profundidade de consciência
subliminar. A primeira está sobre
o limiar da consciência, a
segunda está abaixo desse limiar.
Quando sentimos um impulso
inconsciente ou temos um
pressentimento, houve uma
invasão, segundo Myers, da mente
de relação pelas correntes
psíquicas do pensamento e da
emoção da mente de
profundidade. Há uma
relação constante entre as duas
formas mentais, que aumenta na
proporção em que se desenvolve o
ser.
A educação
espírita não pode limitar-se à
mente de relação,
que só representa um momento do
ser. Herculano Pires tratou disso
com muita clareza, ao explicar que
em cada existência terrena o ser
desenvolve certas potencialidades,
mas a lei de inércia o retém
numa posição determinada pelos
limites da cultura em que se
desenvolveu. Com a morte corporal
ele volta ao mundo espiritual e
tem uma nova existência nesse
mundo, onde suas percepções se
ampliam permitindo-lhe compreender
que a sua perfectibilidade não
tem limites.
Voltando a nova
encarnação, ele pode reencetar
com mais eficiência o
desenvolvimento de sua
perfectibilidade, mas, se não
receber na vida terrena os
estímulos necessários, poderá
sentir-se novamente preso à
condição da vida anterior na
Terra, estacionando numa
repetição de estágio. É isso o
que se chama círculo vicioso
da reencarnação. A
evangelização da criatura humana
desde o berço tem por função
evitar que ela venha a cair nesse
círculo.
- Há exemplos
concretos comprobatórios da tese
de Frederic Myers?
Astolfo
Olegário – Sim. Jane
Martins Vilela, em sua coluna no
jornal O Imortal,
reportou-se certa vez à
manifestação de um Espírito que
na sessão mediúnica declarou o
seguinte: "Eu vim buscar
ajuda, mas eu acho que não
mereço". "Errei demais,
fiz maldade demais. Estive num
navio negreiro, onde mantinha a
ordem no local. Usava um chicote
com pontas de chumbo e o
descarregava sobre os negros. Eu
achava que aquilo era o certo. Nem
os considerava gente. Castigava
demais, abusei no poder.
Desencarnei e percebi meu erro.
Depois reencarnei num subúrbio do
Rio de Janeiro, esqueci minha
vontade de melhorar. Tornei-me um
marginal dos piores. Matei,
incitei pessoas ao uso de drogas.
Fui preso e fiquei muito tempo no
presídio, até que morri baleado
lá. Estive muito tempo sofrendo,
até que vi a luz que me
direcionou para esta Casa. Eu sei
que errei, fracassei nessas
existências. Agora eu estou com
medo de reencarnar, porque aqui no
mundo espiritual vejo que tenho
que melhorar, mas é só eu ganhar
um corpo de carne, reencarnar, e
vou errar tudo outra vez."
Ao ser
orientado pelo esclarecedor, o
Espírito perguntou-lhe: "Por
que não tive acesso a essas
informações tão belas que você
me traz?" "Nunca
ninguém, enquanto vivi, me falou
assim. Eu só ouvia que tinha que
me vingar e fazer com os outros o
que fizeram comigo. E me ensinaram
a usar arma desde cedo."
- E na
literatura espírita, você se
lembra de algum caso em que essa
tese se aplique?
Astolfo
Olegário – Claro, eles se
contam em grande número como o
que André Luiz, em seu livro Ação
e Reação, cap. 16,
relata acerca de Adelino Correia,
o médium devotado ao bem que, no
entanto, denotava a condição de
trabalhador em experiências
difíceis. Adelino apresentava
longa faixa de eczema na pele à
mostra. Certa porção da cabeça,
os ouvidos e muitos pontos da face
exibiam placas vermelhas, sobre as
quais se formavam diminutas
vesículas de sangue, ao passo que
as demais regiões da epiderme
surgiam gretadas, evidenciando uma
afecção cutânea largamente
cronicificada. Além disso,
acanhado e tristonho, Adelino
indicava tormentos ocultos a lhe
dominarem a mente, embora seus
olhos, maravilhosamente lúcidos,
evidenciassem a marca da
humildade.
Adelino fora,
no passado, Martim, que matara o
próprio pai e agora expiava em
dura provação o crime cometido.
O pai e ele eram companheiros
inseparáveis nos jogos, nos
estudos, no serviço e na caça,
até que, quando contavam,
respectivamente, 43 e 21 anos de
idade, o genitor resolveu casar-se
com uma jovem de grande
metrópole, Maria Emília, na
época com 20 anos. Martim, amado
pelo pai e atraído pela jovem
madrasta, passou a experimentar
torturantes conflitos
sentimentais. Ele, que até então
se julgava o melhor amigo do pai,
passou a detestá-lo, não lhe
tolerando a posse sobre a mulher
que desejava. Foi por isso que,
auxiliado por dois capatazes de
sua confiança e com aprovação
da madrasta, administrou uma
poção entorpecente no pai, que
estava acamado naquele dia,
provocando em seguida um incêndio
no qual sua vítima indefesa veio
a falecer. Morto o pai, Martim
apoderou-se-lhe dos haveres e
tentou a felicidade junto com
Maria Emília, mas o genitor
desencarnado, a inflamar-se em
cólera, envolveu-o em nuvens de
fluidos inflamados, contra os
quais o infeliz não possuía
defesa...
Arrependido e
devotado, na esfera espiritual,
aos serviços mais duros, Martim
conquistara com o tempo
apreciáveis lauréis que lhe
permitiram voltar à esfera humana
para iniciar o pagamento da larga
dívida em que se onerou. Atirado
a imensas dificuldades materiais,
desde cedo cresceu órfão de pai,
mas, custodiado por benfeitores da
colônia, foi conduzido a uma casa
espírita, ainda muito jovem, onde
a leitura dos princípios
espíritas constituiu para ele
recordações naturais dos
ensinamentos assimilados na
colônia espiritual de onde viera.
Foi assim, a partir do recebimento
dos ensinamentos espíritas, que
ele despertou para uma vida nova.
Tanto num caso, o do Espírito
fracassado e temeroso de novos
tentames reencarnatórios, quanto
na história de Adelino,
observa-se a importância dos
estímulos a que se refere
Herculano Pires para que a vida de
relação seja enriquecida pelos
princípios apreendidos no passado
e enfatizados por ocasião da
chamada programação
reencarnatória.