Engano
Irmão X
Desde que Dona
Marina acolhera
um pobre rapaz
doente, em seu
próprio carro,
por duas vezes
consecutivas,
conduzindo-o a
tratamento no
hospital, que os
mexericos
principiaram...
Agitou-se o
bairro. “Dona
Marina
extraviara-se do
lar, Dona Marina
se inimizara com
o marido e
aceitara um
companheiro
diferente”,
falava-se aqui e
além, a
comentários
sussurrados.
Segredo de boca
em boca. A
imaginação
doentia
completava os
esboços que a
malícia traçava.
Claro que o
segundo homem
devia ser um
moço
endinheirado e
bonitão... Dona
Marina, de modo
algum, se
comprometeria
com um
joão-ninguém.
E, de
bisbilhotice em
bisbilhotice,
quando o assunto
chegou ao
marido, o pobre
do Placidino,
devotado
contador sempre
encerrado no
escritório, o
caso parecia uma
corrente de
enxurrada,
desembocando num
recôncavo de
vale tranquilo.
Não ficou terra
de bondade, nem
planta de afeto
que não se
tornassem lama
grossa.
Placidino para
logo se
envenenou.
“Ah!... –
resmungava,
interpretando
simples passeios
da mulher por
encontros
indesejáveis –
bem que a vejo
mudada!...
Vestidos e mais
vestidos,
gargalhadas para
dar e vender e
automóvel com
alta
quilometragem...
Ao passo que
ele, marido e
pai exemplar, se
esfalfava por
cima de números,
pagando o
reconforto da
casa, a
companheira se
espoliava em
desequilíbrios e
infidelidade” –
pensava em
desconsolo.
Por tudo isso,
regressava ao
lar, noite a
noite,
derramando
reprovação e
azedume.
Reclamava,
altercava.
Nutria
acusações, sem
poder
exprimi-las de
viva voz. Queria
provas, quanto à
deslealdade da
mulher, e,
enquanto as
provas não
vinham, passou a
ocultar um
revólver
carregado de
balas no próprio
bolso. E
raciocinava: se
visse a esposa
com outro,
matá-la-ia sem
vacilar... E
depois?...
Depois, que
faria da própria
existência?!...
Valeria a pena
sobreviver? Não.
Encontraria
meios de abater
o agressor e
aniquilar-se. Os
dois filhinhos
do casal teriam
a proteção dos
avós. Ele,
Placidino, não
aspirava a
permanecer no
mundo, além da
tragédia, se a
tragédia se
consumasse.
E, ruminando
ideias de
homicídio e
suicídio, no
caldo do ciúme,
tampado no peito
em ponto de
explosão,
Placidino voltou
ao lar, certa
noite, em
horário
imprevisto, com
a empregada
ausente e os
filhos em férias
escolares num
sítio
distante... Dona
Marina recebeu-o
alegre, mas
naturalmente
intrigada,
indagando que
acontecia para
que o esposo
retornasse mais
cedo. Ria-se.
Parecia querer
detê-la na
sala-de-estar
para
entendimento
mais longo. Não
sabia que a
expectação
angustiada do
esposo
exprimisse
desconfiança e
pediu-lhe as
razões da
tristeza que lhe
categorizava o
abatimento.
Placidino não
respondeu.
Desvencilhou-se-lhe
das carícias,
repelindo-lhe o
abraço e avançou
para o quarto de
dormir, seguido
por ela, e,
estarrecido, viu
que um homem se
ocultava na peça
íntima, sob
cortina espessa.
Cego de ciúme e
desesperação,
não parou a
mente em
descontrole para
pensar. Sacou da
arma, alvejou o
desconhecido,
disparou contra
a esposa e, em
seguida, varou o
próprio crânio,
desmontando-se
no tapete.
Três mortos em
alguns minutos.
E, somente mais
tarde, Placidino,
desencarnado,
veio a saber, na
Vida Maior, que
o homem do
aposento,
cuidadosamente
enrolado no
reposteiro, era
um irmão anônimo
e infeliz que
ali se escondera
unicamente para
roubar.
Do livro
Aulas da Vida,
obra mediúnica
psicografada
pelo médium
Francisco
Cândido Xavier.