O grande desafio do
Espiritismo
A fatura que eu tinha
para pagar vencera no
dia 25. Mas 25 havia
caído no sábado. Na
segunda-feira, 27,
dirigi-me ao terminal
bancário. Coloquei o
código de barras sob as
luzinhas da máquina para
a leitura, e a telinha
acusou: título vencido,
dirija-se ao caixa do
banco para fazer o
pagamento.
Não era possível!
Digitei novamente minha
senha. Entrei, de novo,
na área de pagamento de
títulos e, em vez de
colocar 25, no espaço da
data de vencimento, como
havia feito antes,
escrevi 27. Pronto!
Agora foi possível o
pagamento.
Foi necessário usar um
pequeno e inteligente
estratagema para enganar
o computador e fazê-lo
permitir que eu pagasse
a conta. Tudo porque
alguém, encarregado da
programação da máquina
eletrônica, se esquecera
de informar ao sistema
que 25 não era dia útil
e, logo, os títulos
vencidos naquela data
teriam seu pagamento
prorrogado para a
segunda-feira.
O episódio do cotidiano
me levou a pensar:
fala-se tanto em
inteligência artificial;
que as máquinas vão
dominar o mundo e delas
nos tornaremos
dependentes ou até
vítimas. Bobagem! Por
mais fantásticas que
sejam essas máquinas,
elas nunca pensarão e
sempre dependerão de
nós, que,
inteligentemente, as
programamos e as
utilizamos.
É certo que, sabendo
explorá-las
convenientemente, o ser
humano, com o auxílio
dessas fabulosas
ferramentas, vai abrindo
caminhos fantásticos,
inimagináveis há bem
pouco tempo. Dias
desses, vi na televisão
que algumas empresas
japonesas já não usam
recepcionistas humanas.
Simpáticos robozinhos,
com aparência e voz
feminina, dão todas as
informações solicitadas
por quem chega à
recepção. Todas? Bem, só
aquelas que a
experiência e a
observação humana, de
muitos anos, conseguiram
detectar como sendo as
buscadas pela clientela
e que foram implantadas
na memória das máquinas.
Novas demandas exigirão
novas informações a
serem adicionadas no
“cérebro” dos robozinhos
recepcionistas. Quem as
adicionará que não o ser
humano?
O Livro dos Espíritos,
obra que acaba de
completar 159, na
questão 23, define o
espírito como “princípio
inteligente do
universo”. Na primeira
quadra deste Século 21,
a ciência segue presa ao
dogma de que a
inteligência é produto
do cérebro humano. Nasce
dessa concepção a utopia
de se construir a
inteligência artificial,
aquela que, dizem, há de
ser produzida por
cérebros também
artificiais. Nesse
cenário, o grande
desafio dos
espiritualistas continua
sendo aquele
corajosamente enfrentado
por Allan Kardec, no
Século 19: a proposição
de um novo paradigma do
conhecimento que tenha
por realidade
fundamental o Espírito
imortal.
Toda a problemática
espírita está contida no
desafio acima. Falhando
nesse objetivo, que não
é só do Espiritismo e
que somente poderá ser
alcançado mediante a
interlocução com
incipientes, mas
respeitáveis, segmentos
com disposição e coragem
de fugir do paradigma
materialista, a grande
proposta de Kardec terá
falhado. Poderá
subsistir apenas como
uma religião. Uma boa
religião, capaz de dar
consolo, mas inapta a
provocar transformações.
E é delas que o homem e
o mundo estão, de fato,
carentes.
Milton R. Medran Moreira
– Procurador de Justiça,
escritor, jornalista.
Membro do Centro
Cultural Espírita de
Porto Alegre.