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Crônicas e Artigos

Ano 10 - N° 467 - 29 de Maio de 2016

LEDA MARIA FLABOREA
ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)

 


Divisor


Que estranha imagem nos surge... Difícil entender ou apreender seu real significado. Misto de perplexidade pelo inusitado ou medo pela necessidade de entendê-la.

O ser humano percorre sua vida desejando coisas que na maioria das vezes não saberia sequer o que fazer com elas. E um divisor de águas nos surge em determinado momento e em determinada hora nos obriga, inevitavelmente, a tomar posições diante das nossas dúvidas, sejam elas quais forem e, sobretudo, diante dos nossos receios.

Que estranha imagem é essa que vem perturbar o que acreditávamos estar harmonizado e que coloca em movimento o que necessitávamos que estivesse na inércia?

Quando nos colocamos esse estado de paralisia voluntária diante da vida, fazemos escolhas que não desejamos ver mudadas. Encaminhamos mente e corpo para situações que julgamos seguras, porque definidas, e com isso nos tranquilizamos. Todavia, o turbilhão que existe ao nosso redor, mais dia menos dia, nos atinge de forma violenta, porque não percebemos sua presença ou porque nos recusávamos a vê-lo ou porque, simplesmente ignorávamos sua existência. O mundo pequeno – porque pessoal –, que idealizamos e que julgávamos suficiente para nos manter em equilíbrio, vem ruindo às nossas vistas sem que nada possamos fazer para impedir. A lei do progresso é imperativa e todos precisam crescer!

Como nosso crescimento quase sempre se faz horizontalmente, por nos preocuparmos mais com quantidade do que com qualidade, é inevitável essa saturação de sentimentos superficiais, de situações feéricas que plasmamos, dentro e fora de nós, como sendo reais e absolutamente necessárias à nossa tranquilidade e, consequentemente, à nossa felicidade.

Com a saturação, o divisor surge e a imagem se concretiza. Sentimo-nos, literalmente, diante de uma muralha, como se fosse uma bifurcação, dividindo o espaço que imaginávamos uno, indivisível. De um lado, a amplidão, o espaço, a liberdade, o encontro com seu EU. De outro, o caminho estreito que, mesmo assim, nos dá a sensação de segurança. E aí está o primeiro obstáculo à compreensão do que ocorre: é só sensação de segurança; não é verdadeira na acepção da palavra por não ser conquista pessoal – mas não sabemos disso.

Passado esse momento de estupor pelo inusitado da imagem clara e definida diante de nós, deparamo-nos com o segundo obstáculo: o medo da escolha de novas experiências, de novos caminhos.  Se a sensação que até hoje experimentamos não é real, o que nos impede, então, de prosseguir por outras estradas? Escolher o caminho é imperioso, pois não é mais possível permanecer nessa situação de saber o que fazer e não conseguir, ou não poder fazer porque o medo nos impede. É imprescindível escolher porque é da lei divina que prossigamos.

Toda amplidão assusta aquele que tem receio de exercitar seu legítimo direito de crescer. Insegurança, inconsciência ou ambas? Anseios, frustrações ou esperança de que se está no caminho certo? Em algum momento, quem saberá quando, se alguém nos disse que aquele era o melhor.  A criança confia e segue. E o adulto, por que continua?

Tem-se a impressão de que a criança persiste em existir dentro desse adulto, pois a amplidão e o espaço que ele deveria buscar e necessita lhe surgem imensos diante desses olhos infantis; e o medo se estabelece e se faz presente, impulsionando-o a permanecer no que conhece. Talvez, a ideia de homens maus ou de monstros noturnos ainda o assuste; não mais como figuras de contos infantis, mas representados nos problemas que novas experiências possam trazer, e que acredita não terá condição de solucionar sem que se machuque. Ou sofra!

Sofrimento, todavia, não é sinônimo de progresso. Podem existir simultaneamente, mas, nunca, um representando o outro no quadro evolutivo ao qual o homem está sujeito. O surgimento de ambos em nossa jornada na busca de uma perfeição relativa – só Deus tem a perfeição absoluta –, está na razão direta das escolhas – boas ou más, felizes ou infelizes – que houvermos feito diante dos obstáculos que criamos ao nosso redor em tempos pretéritos, próximos ou remotos.

Mas, apesar da solidão que nos abate e que tantas vezes nos consome nas constantes escolhas que necessitamos fazer – e somente cada um de nós em profundo isolamento interior pode fazê-las –, o Criador se faz presente em nós – porque Onipresente – e nos acena com a esperança; esperança de que a iluminação para a qual estamos destinados já inicia seu despertar em nós, no momento em que nos colocamos diante da muralha. Ontem, mal sabíamos de sua existência; hoje, com alguma lucidez, já percebemos a imensa oportunidade de realizarmos nosso destino divino: o de sermos luzes.

Todavia, mesmo percebendo os contornos dessa nova estrada, já não tão mergulhada na escuridão, temos a consciência de que para chegarmos a essa nova proposta de vida – chegar à Luz como luzes – é preciso abandonar esses atavismos, essas inseguranças e entregar-se à fé construtiva, sem desculpismos de qualquer natureza, nos permitindo fazer o que deve ser feito.

O novo contorno aí está. Ainda surge na nossa vida como algo a ser melhor definido e melhor compreendido. Breve, mas muito mais breve do que cada um de nós possa imaginar, os contos de fada das nossas infâncias, carregados de monstros e homens maus, diluir-se-ão e essa criança, ainda medrosa, porque insegura, desabrochará. Marcha firme? Certamente! Alguns temores? É provável. Mas, agora, a certeza de que nunca mais será criança porque nunca mais alguém lhe dirá por onde seguir. Suas escolhas serão suas para sempre.



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita