Divisor
Que estranha imagem nos
surge... Difícil
entender ou apreender
seu real significado.
Misto de perplexidade
pelo inusitado ou medo
pela necessidade de
entendê-la.
O ser humano percorre
sua vida desejando
coisas que na maioria
das vezes não saberia
sequer o que fazer com
elas. E um divisor de
águas nos surge em
determinado momento e em
determinada hora nos
obriga, inevitavelmente,
a tomar posições diante
das nossas dúvidas,
sejam elas quais forem
e, sobretudo, diante dos
nossos receios.
Que estranha imagem é
essa que vem perturbar o
que acreditávamos estar
harmonizado e que coloca
em movimento o que
necessitávamos que
estivesse na inércia?
Quando nos colocamos
esse estado de paralisia
voluntária diante da
vida, fazemos escolhas
que não desejamos ver
mudadas. Encaminhamos
mente e corpo para
situações que julgamos
seguras, porque
definidas, e com isso
nos tranquilizamos.
Todavia, o turbilhão que
existe ao nosso redor,
mais dia menos dia, nos
atinge de forma
violenta, porque não
percebemos sua presença
ou porque nos
recusávamos a vê-lo ou
porque, simplesmente
ignorávamos sua
existência. O mundo
pequeno – porque pessoal
–, que idealizamos e que
julgávamos suficiente
para nos manter em
equilíbrio, vem ruindo
às nossas vistas sem que
nada possamos fazer para
impedir. A lei do
progresso é imperativa e
todos precisam crescer!
Como nosso crescimento
quase sempre se faz
horizontalmente, por nos
preocuparmos mais com
quantidade do que com
qualidade, é inevitável
essa saturação de
sentimentos
superficiais, de
situações feéricas que
plasmamos, dentro e fora
de nós, como sendo reais
e absolutamente
necessárias à nossa
tranquilidade e,
consequentemente, à
nossa felicidade.
Com a saturação, o
divisor surge e a imagem
se concretiza.
Sentimo-nos,
literalmente, diante de
uma muralha, como se
fosse uma bifurcação,
dividindo o espaço que
imaginávamos uno,
indivisível. De um lado,
a amplidão, o espaço, a
liberdade, o encontro
com seu EU. De outro, o
caminho estreito que,
mesmo assim, nos dá a
sensação de segurança. E
aí está o primeiro
obstáculo à compreensão
do que ocorre: é só
sensação de segurança;
não é verdadeira na
acepção da palavra por
não ser conquista
pessoal – mas não
sabemos disso.
Passado esse momento de
estupor pelo inusitado
da imagem clara e
definida diante de nós,
deparamo-nos com o
segundo obstáculo: o
medo da escolha de novas
experiências, de novos
caminhos. Se a sensação
que até hoje
experimentamos não é
real, o que nos impede,
então, de prosseguir por
outras estradas?
Escolher o caminho é
imperioso, pois não é
mais possível permanecer
nessa situação de saber
o que fazer e não
conseguir, ou não poder
fazer porque o medo nos
impede. É imprescindível
escolher porque é da lei
divina que prossigamos.
Toda amplidão assusta
aquele que tem receio de
exercitar seu legítimo
direito de crescer.
Insegurança,
inconsciência ou ambas?
Anseios, frustrações ou
esperança de que se está
no caminho certo? Em
algum momento, quem
saberá quando, se alguém
nos disse que aquele era
o melhor. A criança
confia e segue. E o
adulto, por que
continua?
Tem-se a impressão de
que a criança persiste
em existir dentro desse
adulto, pois a amplidão
e o espaço que ele
deveria buscar e
necessita lhe surgem
imensos diante desses
olhos infantis; e o medo
se estabelece e se faz
presente,
impulsionando-o a
permanecer no que
conhece. Talvez, a ideia
de homens maus ou de
monstros noturnos ainda
o assuste; não mais como
figuras de contos
infantis, mas
representados nos
problemas que novas
experiências possam
trazer, e que acredita
não terá condição de
solucionar sem que se
machuque. Ou sofra!
Sofrimento, todavia, não
é sinônimo de progresso.
Podem existir
simultaneamente, mas,
nunca, um representando
o outro no quadro
evolutivo ao qual o
homem está sujeito. O
surgimento de ambos em
nossa jornada na busca
de uma perfeição
relativa – só Deus tem a
perfeição absoluta –,
está na razão direta das
escolhas – boas ou más,
felizes ou infelizes –
que houvermos feito
diante dos obstáculos
que criamos ao nosso
redor em tempos
pretéritos, próximos ou
remotos.
Mas, apesar da solidão
que nos abate e que
tantas vezes nos consome
nas constantes escolhas
que necessitamos fazer –
e somente cada um de nós
em profundo isolamento
interior pode fazê-las
–, o Criador se faz
presente em nós – porque
Onipresente – e nos
acena com a esperança;
esperança de que a
iluminação para a qual
estamos destinados já
inicia seu despertar em
nós, no momento em que
nos colocamos diante da
muralha. Ontem, mal
sabíamos de sua
existência; hoje, com
alguma lucidez, já
percebemos a imensa
oportunidade de
realizarmos nosso
destino divino: o de
sermos luzes.
Todavia, mesmo
percebendo os contornos
dessa nova estrada, já
não tão mergulhada na
escuridão, temos a
consciência de que para
chegarmos a essa nova
proposta de vida –
chegar à Luz como luzes
– é preciso abandonar
esses atavismos, essas
inseguranças e
entregar-se à fé
construtiva, sem
desculpismos de qualquer
natureza, nos permitindo
fazer o que deve ser
feito.
O novo contorno aí está.
Ainda surge na nossa
vida como algo a ser
melhor definido e melhor
compreendido. Breve, mas
muito mais breve do que
cada um de nós possa
imaginar, os contos de
fada das nossas
infâncias, carregados de
monstros e homens maus,
diluir-se-ão e essa
criança, ainda medrosa,
porque insegura,
desabrochará. Marcha
firme? Certamente!
Alguns temores? É
provável. Mas, agora, a
certeza de que nunca
mais será criança porque
nunca mais alguém lhe
dirá por onde seguir.
Suas escolhas serão suas
para sempre.