WEB

BUSCA NO SITE

Edição Atual Edições Anteriores Adicione aos Favoritos Defina como página inicial

Indique para um amigo


O Evangelho com
busca aleatória

Capa desta edição
Biblioteca Virtual
 
Biografias
 
Filmes
Livros Espíritas em Português Libros Espíritas en Español  Spiritist Books in English    
Mensagens na voz
de Chico Xavier
Programação da
TV Espírita on-line
Rádio Espírita
On-line
Jornal
O Imortal
Estudos
Espíritas
Vocabulário
Espírita
Efemérides
do Espiritismo
Esperanto
sem mestre
Links de sites
Espíritas
Esclareça
suas dúvidas
Quem somos
Fale Conosco

Crônicas e Artigos

Ano 10 - N° 467 - 29 de Maio de 2016

MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis, RJ (Brasil)

 


Pureza engessada


Seguem fatos lamentáveis. Têm a ver com a falta de traquejo de alguns espíritas em serem acolhedores com – pasmem! – espíritas provenientes de outros centros ou cidades.

Era o ano de 2010, a Cia. de teatro da União Municipal Espírita de Petrópolis (Umep), centro do qual eu faço parte há mais de 30 anos, iria apresentar, num teatro da Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, a peça teatral Quero Voltar para Casa, obra mais importante do nosso repertório.

Escrita pela atriz paulista Flora Geny, Quero Voltar para Casa me foi dada de presente pelo marido dela, o também ator Dionísio Azevedo, no início dos anos 1990. Ambos já faleceram.

A peça conta a história de cinco pessoas que acordam numa aconchegante pousada depois de sofrerem graves acidentes de carro. Lá, são tratadas com muito carinho. No entanto, da pousada não conseguem sair. Querem voltar para suas vidas, seus compromissos, mas simplesmente não encontram o caminho de volta. Ajudadas pelo administrador da pousada, os cinco hóspedes, à medida que se adaptam ao lugar e se unem para raciocinar juntos, vão, cada um à sua vez, descobrindo o real sentido do local que os acolhe.

Estreamos com uma minitemporada na Umep em 1992. Sucesso total. Em 1993, mais apresentações bem-sucedidas. Mas como éramos amadores, não mais a encenamos à época. Só retomamos o trabalho em 2001, quando a Cia. de teatro já estava estabelecida de forma regular e com novos elementos. Anos depois, com a chegada de Vagner Souza, diretor teatral e produtor cultural, ao movimento espírita de Petrópolis, a peça ganhou contornos profissionais. Partimos, então, para apresentações em locais públicos e em cidades vizinhas. Sucesso novamente. Teatros lotados, e por muita gente não espírita, é bom ressaltar. Todos saem tocados. Riem, choram e lavam a alma.

Nas palavras de Jayme Lobato – escritor, palestrante e produtor do programa Semeando Ideias, da Rádio Rio de Janeiro –, Quero Voltar para Casa “traz a Doutrina Espírita, sem falar nela, para os dias de hoje, o que é muito bom”. E segundo Izaura Hart, amiga espírita de longa data e apresentadora do programa Estudo Sistematizado, da mesma rádio, a peça é “um misto de risos e lágrimas, de lição e consolo, além de mostrar na prática o que os livros espíritas ensinam”. E segundo Humberto Portugal, que durante dez anos foi dirigente da área de assuntos externos do Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro (Ceerj), trata-se de "um espetáculo que emociona e arrebata, trazendo consolo, conhecimento e paz. Para ver e rever... sempre”.

Pois bem. Munido de grande entusiasmo e de farto material de divulgação, fui aos centros espíritas da Tijuca e arredores divulgar a peça. Aí, pude atestar como o movimento espírita ainda é engessado.

Como eu não conseguiria percorrer todos os centros da região, pensei em enviar o material por correio e com uma carta explicando o teor da peça. De um dos centros, recebi uma mensagem dizendo que o material, antes de ser divulgado, seria submetido à apreciação dos titulares na próxima reunião de diretoria, que aconteceria em meados do mês seguinte. Argumentei que, até lá, a temporada que faríamos – três finais de semana seguidos – já estaria na reta final. Acrescentei, ainda, que se tratava de um grupo proveniente de um centro espírita com mais de 60 anos; que eu tinha, à época, 26 anos de Espiritismo e que era cria de pessoas conhecidas do movimento espírita do RJ. Em vão. A aprovação para divulgar o trabalho só viria depois da análise do baixo clero daquela instituição. Falei para a pessoa esquecer o assunto. E como deduzi que talvez enfrentasse o mesmo problema em outros centros caso enviasse o material por correio, resolvi que daria atenção às instituições onde eu conseguiria ir pessoalmente.

Em uns, fui muito bem recebido. Identifiquei-me e pude divulgar o trabalho à vontade. Em outros fui tratado com ressalvas. Eu poderia somente distribuir os panfletos no saguão do centro espírita. Já em outros, recebi autorização somente para deixar as filipetas em cima do balcão de informações, mas não poderia dar um pio. E houve também centros em que fui tratado como intruso. Não poderia divulgar nada lá dentro e pronto! Para esses, disse cordial e taxativamente que iria para a porta do centro, na calçada. Afinal, a rua é pública. Nela, ninguém da diretoria poderia me incomodar. E lá fui eu panfletar e falar em alto e bom som o nome e o teor da peça em plena rua. Resultado: sessões lotadas, apesar do gesso que muitos espíritas insistem em envolver a si próprios e às casas que dirigem.

Confesso que fiquei surpreso com a recepção fria que tive em algumas casas espíritas. Esperava um misto de fraternidade, acolhimento, entusiasmo e alegria cristã. Não foi o que sempre aconteceu.

O mais gritante episódio envolvendo Quero Voltar para Casa ocorreu, no entanto, quando recebi o telefonema de um jovem de uma cidade mineira. Ele havia ouvido falar da Cia. de teatro da Umep e queria informações, trocar experiências etc. Conversa vai, conversa vem, falei da possibilidade de apresentarmos a peça em sua cidade. Ele, então, reiterou que, se a apresentação fosse num dos centros espíritas, o texto teria de ser enviado antes para análise da diretoria. Para que ele disse isso? Confesso que fiquei danado da vida. Retruquei, aborrecido, que preferíamos, como de hábito, apresentar a peça num local público e fazermos a divulgação na calçada, caso os centros espíritas não concordassem em nos ajudar. Outro baixo clero dando uma de censor, e para cima de uma peça teatral consagrada, era o auge da pretensão e um pouco demais para mim. Até hoje penso no susto que minha indignação deve ter dado naquele rapaz.

Pelo que depreendi, cada centro espírita se julga o único portador do verdadeiro Espiritismo. Qualquer pessoa ou trabalho espírita que venha de outro local é visto como um alienígena que precisa, antes, ser submetido à apreciação das supremas autoridades em Doutrina Espírita que só aquele determinado centro possui. É a tal da pureza doutrinária, termo que incomoda a mim e a muitos amigos espíritas. Em nome dela, profitentes da mesma religião, em vez de cooperarem uns com os outros, atrapalham-se porque desconfiam uns da procedência dos outros. Pureza engessada, portanto.  

Acho prejudicial esse tipo de mentalidade. Afinal, se um palestrante ou grupo artístico de Belo Horizonte, por exemplo, é impedido de divulgar seu trabalho nos centros espíritas de Curitiba, onde irá se apresentar, a quem ele recorrerá, além dos veículos de comunicação locais? Às igrejas católicas? Aos templos evangélicos? Claro que recorrerá aos grupos espíritas, desde que esses não coloquem barreira por desconfiarem da qualidade doutrinária do que será apresentado.

Quando publiquei Inquietações de um Espírita, meu primeiro livro, Iracema e Tupinambá, casal de amigos espíritas da Cidade Maravilhosa e donos de uma livraria espírita, sugeriram ao presidente do centro do qual fazem parte que me chamassem para uma palestra e sessão de autógrafos. A resposta foi negativa. Alegação: – Ah, ninguém conhece ele. Ué? Então passe a conhecer! Não só a mim, mas a outros tantos companheiros de ideal que estão desenvolvendo trabalhos interessantíssimos, mas não são chamados para ir ali ou aqui porque o baixo clero do local, guardião absoluto da pureza doutrinária engessada, não conhece A, B ou C. Mas como não quer se dar ao trabalho de conhecer, alega que ninguém conhece. Transfere um preconceito individual para um pronome indefinido chamado ninguém.

Pouco antes de publicar Inquietações de um Espírita, eu já havia feito palestra em um centro no bairro carioca do Meier. Depois que o livro saiu, os convites espocaram. Já divulguei meu trabalho em vários grupos espíritas da capital e do interior do RJ e também em SP e MG. Nunca mais soube se o Tupi e a Iracema tentaram emplacar meu nome no centro deles. Mas provavelmente a resposta deve ser a mesma ainda: Ah, ninguém conhece ele.

Ser escritor espírita é, aliás, um bom ensejo para constatar como esse ardor em defender a suposta pureza doutrinária vem engessando o movimento espírita.

O pessoal da minha editora comentou comigo que, há um tempo, um clube do livro espírita encomendou 500 exemplares de meu segundo título – O Espiritismo é Pop. Em seguida, informou que o terceiro – Provocações Doutrinárias – estava sendo analisado pelo mesmo clube para, posteriormente, ser oferecido aos sócios. É claro que fiquei feliz com a notícia. Escritores querem ser lidos, comentados etc. Recentemente, fiquei sabendo que um grande centro espírita do RJ está pensando em me convidar para um café literário. É uma atividade regular que a instituição realiza. Só que, antes de formalizarem o convite, estão analisando meus livros. Fiquei feliz novamente pelo interesse em minha obra. Só que, ao mesmo tempo, em ambos os casos veio junto uma ponta de incômodo. Será que o fato de eu ter 30 anos de movimento espírita, três obras publicadas até agora e por uma editora conceituada não são elementos suficientes para referendar minha obra? Para que submetê-la a tantas análises? Será que o clube do livro e o centro do café literário não confiam no que a minha editora publica? Para que tanta filtragem assim? Será que o meu Espiritismo é incompatível com o Espiritismo alheio? Mas não é tudo Doutrina Espírita?

Sei que deve haver cuidado devido ao fato de muitos escritores que se dizem espíritas estarem publicando obras com erros doutrinários. Em contrapartida, não acho de bom tom desconfiarmos de editoras que há anos primam por um trabalho sério e cuidadoso. Esse excesso de zelo pode transformar todos nós em donos da verdade espírita, a ponto de Joãozinho achar que só ele e o pessoal do centro dele entendem de Doutrina Espírita e, em nome da tal pureza, dificultarem o trabalho de espíritas de outras regiões devido a desconfianças infundadas.

Termino esse capitulo com uma história que meu amigo Sidney Aride, de Nova Iguaçu (RJ), me contou. Um amigo dele, a quem chamarei de Ciro, mudou-se para outra cidade por questões de trabalho. Lá chegando, procurou um centro espírita e se apresentou. Disse que vinha de Nova Iguaçu, onde frequentava a instituição espírita XYZ há 15 anos, exercendo tarefas como aplicador de passes, palestrante e evangelizador de mocidade. Sabe o que fizeram com Ciro? Mandaram-no se matricular no Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita (Esde), curso de três anos voltado para quem está começando no movimento espírita.

De nada adiantou Ciro dizer que já havia feito o Esde, tampouco sua folha corrida. Naquele centro, para trabalhar, só depois de fazer o Esde. Ciro achou melhor procurar um centro de mentalidade mais aberta, onde foi aceito sem engessamentos, e está lá até hoje.

Sei que às vezes é complicado aceitar de cara alguém que já chega pronto. Mas creio que, num caso desses, o dirigente deveria pedir algumas referências a Ciro, checá-las e, tão logo confirmada a procedência, integrá-lo aos poucos às atividades do local. Bem melhor do que vê-lo como um intruso a ser tratado como iniciante porque teve a petulância de querer saber tanto de Espiritismo quanto os habitantes locais. E bem melhor do que, em nome da pureza doutrinária (e engessada), jogar um balde de água fria em alguém de primeira linha que chega para somar. 



 


Voltar à página anterior


O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita