LEDA MARIA
FLABOREA
ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP
(Brasil)
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O sono da alma:
perigosa
tentação
No Monte das Oliveiras,
o crepúsculo anunciava a
chegada da noite,
momento sublime
convidando à meditação.
Jesus, na companhia de
Simão Pedro, João e
Tiago, alcançou o monte
para viver a derradeira
hora com os discípulos
amados. Sabia que ali
mesmo seria preso e
condenado ao calvário.
Solicitou o Mestre aos
companheiros que
permanecessem em oração
e vigilância, junto com
ele, para que tivesse a
glorificação de Deus no
supremo testemunho.
Afastou-se e,
colocando-se em prece, a
pequena distância, pôde
ser observado em toda
sua sublimidade por
aqueles corações que O
ouviam e amavam.
Narra Lucas¹ que, sem
motivo que pudesse ser
explicado, os três
adormeceram no decurso
da oração, enquanto
Jesus orava
fervorosamente, mesmo
diante de tão grande dor
que se avizinhava.
Essa passagem evangélica
remete-nos a duas
reflexões que devem ser
expostas por estarem
ligadas à nossa condição
atual de eternos
aprendizes da Sabedoria
Divina. A primeira é uma
chamada à
conscientização das
tarefas que estão sob
nossos cuidados. Diz
Emmanuel² que o aprendiz
do Evangelho deve ser “o
campo de trabalho do
Reino, onde se esforçará
operoso e vigilante,
compreendendo que o
Cristo prossegue em
serviço redentor para o
resgate total das
criaturas – ‘Nenhuma
das ovelhas de meu Pai
se perderá’”.
Todavia, não ignoramos a
presença de inúmeros
companheiros – e quantas
vezes nós próprios! –
com atividades
alicerçadas nos
ensinamentos cristãos,
que permanecem dormindo
nas conveniências
pessoais, geralmente
ligadas a interesses
mesquinhos, nas vaidades
efêmeras. Os chamamentos
transitórios nos iludem
e fazem com que o tempo
seja gasto em
futilidades.
Malbaratamos as
oportunidades valiosas
que nos são oferecidas
para nosso crescimento
espiritual e
permanecemos voltados
apenas para as questões
pessoais que nos afetam
o cotidiano.
Com propriedade, ainda,
lembra Emmanuel² que
“falam do Cristo,
referem-se à sua
imperecível
exemplificação, como se
fossem sonâmbulos
inconscientes do que
dizem e do que fazem,
para despertarem tão só
no instante da morte
corporal, em soluções
tardias”.
Somos os discípulos de
hoje que esquecem o
mandato do qual somos
portadores, que se
inquietam pela rápida
execução dos seus
desejos e caprichos,
procurando aproveitar
cada momento da
existência como se fosse
o último, acreditando
que os dias correm
depressa demais, para
tantos prazeres
materiais a serem
experimentados.
Olvidam que a vida é
eterna e que o tempo no
corpo físico, ante essa
eternidade, é quase
nada. E ao despertarem
no mundo espiritual, os
obreiros distraídos, sob
a cobrança da própria
consciência, choram e
clamam pelo reencontro
da paz do Cristo. “A
minha paz vos dou. Não a
paz do mundo, mas a
minha paz.”
Assim, como Jesus, ao ver
os discípulos dormindo,
lhes disse: “Por que
estais dormindo?
Levantai-vos e orai para
que não entreis em
tentação”, também o
discípulo invigilante
ouve, nos refolhos da
sua consciência, a voz
do Senhor dizendo a
Pedro: “Então, nem
por uma hora pudeste
velar comigo?”³ E se
não conseguimos, ainda,
permanecer uma hora com
o Cristo, na prática dos
Seus ensinamentos, como
pretender a união com
Ele para sempre?
Somos os Lázaros modernos
a quem o Cristo chama:
Acorda! Levanta! Sai!
Acorda para a consciência
de que és um ser
espiritual, imortal,
criado por Deus para
viver na plenitude do
Seu Amor.
Levanta dessa ociosidade
que te prende às algemas
materiais, que te limita
a mente e te engessa no
passado.
Sai do egoísmo que te
bitola a visão do cosmo
e que te faz imaginar
que és o centro do
Universo. Sai do teu
“eu” fantasioso e amplia
a mente para tudo que
esteja ao teu redor,
seja estrela, seja
homem.
Abandona a velha
estrutura que te mantém
atado a valores antigos
de cor, religião,
posição social, e
entrega-te a Deus, como
ser cósmico que és, ser
divino com luz própria e
infinitas capacidades de
voar para a felicidade
plena.
Uma segunda reflexão
– Sobre a narrativa de
Lucas e Mateus
encontramos – com grande
beleza – em Humberto de
Campos.4 Diz
o querido instrutor
espiritual que após o
episódio do Horto das
Oliveiras, onde dormira
com seus companheiros –
não atendendo ao pedido
de Jesus para a oração e
vigilância – no momento
em que o coração amoroso
do Mestre mais
necessitava de
assistência e afeto,
João, o filho de Zebedeu,
implorava, em lágrimas,
que Ele perdoasse seu
descuido da hora
extrema.
“Certa noite, após as
reflexões costumeiras,
sentiu ele que um sono
brando lhe anestesiava
os centros vitais. Como
numa atmosfera de sonho,
verificou que o Mestre
se aproximava. (...)
Precedendo suas palavras
do sereno sorriso dos
tempos idos, disse-lhe
Jesus:
– João, a minha soledade
no horto é também um
ensinamento do Evangelho
e uma exemplificação!
Ela significará, para
quantos vierem em nossos
passos, que cada
Espírito na Terra tem de
ascender sozinho ao
calvário de sua
redenção, muitas vezes
com a despreocupação dos
entes mais amados no
mundo. Em face dessa
lição, o discípulo do
futuro compreenderá que
sua marcha tem que ser
solitária, uma vez que
seus familiares e
companheiros de
confiança se entregam ao
sono da indiferença!
Doravante, pois,
aprendendo a necessidade
do valor individual no
testemunho, nunca deixes
de orar e vigiar.”4
Assim, necessário se faz
que, enquanto nos
encontrarmos no corpo
físico, não durmamos em
espírito, desatentos aos
convites de Jesus. É
fundamental para nossa
proteção e sustentação
que nos levantemos e nos
esforcemos, porque é “no
sono da alma que se
encontram as mais
perigosas tentações,
através de pesadelos e
fantasias”.²
Bibliografia:
1. Lucas,
22:46.
2.
XAVIER, F. C. – Caminho,
Verdade e Vida – pelo
Espírito Emmanuel – 17ª
ed., FEB – Rio de
Janeiro/RJ – lições 87 e
88, 1997.
3.
Mateus, 26:40.
4.
XAVIER, F. C. – Boa Nova
– pelo Espírito Humberto
de Campos – 25ª ed., FEB,
Rio de Janeiro/RJ – Cap.
27, 1999.