MILTON MEDRAN MOREIRA
medran@via-rs.net
Porto Alegre, RS
(Brasil)
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A flor e o fruto
“Os maiores crimes de
hoje indicam muito mais
manchas de tinta que de
sangue.” – Thomas Lynch
– ensaísta americano.
O país vive, neste
preciso momento, um dos
maiores conflitos
políticos e sociais de
sua história. Não cabe,
aqui, atribuir culpas da
grave crise em que
mergulhamos a um ou a
outro dos polos
políticos que há meses
se digladiam e de cujo
conflito resultou o
afastamento da
presidente da República.
São, reconheça-se,
sempre discutíveis, um
tanto nebulosas e
contraditórias as razões
trazidas por um ou por
outro dos lados
opoentes. Personagens
que, ainda ontem,
esgrimiam em um campo
político, fazem-no,
neste momento, com igual
entusiasmo verborrágico,
no campo oposto. Isso
debilita a credibilidade
de todos. São coisas da
política, setor no qual
o embate de demandas e
interesses se sobrepõe,
de regra, à prática da
coerência!
Sob qualquer ângulo
político, entretanto, em
que se visualizar a
crise, um fator parece
claro: fomos, como povo
– ou, numa perspectiva
espiritualista, como
comunidade de Espíritos
comprometidos com seu
progresso coletivo –,
demasiadamente lenientes
na condução de nosso
crescimento integral.
À luz da filosofia
espírita, o progresso
humano se dá pelo
aprimoramento de dois
atributos do espírito: a
inteligência e a
moralidade. Allan
Kardec, a propósito,
escreveu em “Obras
Póstumas”: “A
Inteligência nem sempre
é penhor da moralidade e
o homem mais inteligente
pode fazer uso
pernicioso de sua
faculdade. Por outro
lado, a simples
moralidade pode não ter
capacidade. É, pois,
necessária a união da
inteligência e da
moralidade”.
Na raiz da crise hoje
vivida desponta a
constatação de que
cidadãos integrantes de
uma elite cultural
avançaram
significativamente no
campo da inteligência,
estacionando,
entretanto, no seu
aperfeiçoamento ético.
De repente, nos demos
conta de que, justamente
em determinados setores
da política e do
empresariado do país, se
haviam desenvolvido
sofisticadas formas de
criminalidade para cujo
combate, em um primeiro
momento, a sociedade
parecia despreparada.
Teorias e práticas
jurídico-penais
voltavam-se quase que
exclusivamente ao
combate de crimes
comumente praticados por
agentes pertencentes a
classes sociais mais
modestas, onde a
educação custa a chegar
e a inteligência, assim,
carece de estímulos ao
melhor desenvolvimento.
Esse panorama mudou, na
mesma medida em que a
reconquista democrática,
foi permitindo o
aprimoramento de
instituições e a busca
da justiça para todos.
Hoje temos leis e
instituições mais aptas
ao combate da chamada
criminalidade do
“colarinho branco”, até
porque a estas se
garantiu a independência
funcional. Assim, se a
inteligência sofisticou
o crime, deu-se, por
outro lado, a
correspondente
sofisticação nos
instrumentos de seu
combate. E mesmo que,
nesse afã, possam
ocorrer equívocos e
injustiças pontuais que
a História e a vida, na
sua infinitude, se
encarregarão de
corrigir. Caminhamos
para um estágio onde,
presume-se, se há de
melhor valorizar a ética
pública. O Brasil não
será o mesmo nas
próximas décadas.
Momentos de crise
profunda como este são
convites a
transformações
igualmente profundas.
Na questão 791 de O
Livro dos Espíritos,
os interlocutores de
Kardec advertiram que a
otimização civilizatória
só se daria quando o
elemento moral estivesse
tão desenvolvido quanto
a inteligência. Até
porque o “fruto”
(desenvolvimento ético)
não pode vir antes da
“flor” (inteligência).
Estaremos a caminho
dessa estação onde
flores e frutos
produzirão um novo
cenário para este, até
aqui, tão sofrido
Brasil? Bem, isso
depende,
fundamentalmente, da
faina de todos nós.
Milton Medran Moreira, advogado e jornalista,
é diretor do Centro
Cultural Espírita de
Porto Alegre.