Chico precisava trabalhar. E
trabalhava muito para
cumprir o combinado com
Emmanuel. Em 1941, colocou
no papel uma de suas obras
preferidas, Paulo e
Estêvão,
ditada por seu guia. Durante
oito meses, ele se trancou
no porão da casa do patrão
Rômulo Joviano, na Fazenda
Modelo, após o expediente.
Todas as noites, das 17h15 à
1h, desfilaram, diante de
seus olhos, numa tela
imaginária, cenas de 2 mil
anos atrás, sequências da
vida dos apóstolos de
Cristo, imagens de Roma
antiga.
O trabalho era pesado. Chico
preenchia as páginas em
branco com textos assinados
por seu guia, passava a
limpo os originais,
datilografava tudo na
máquina emprestada pelo
patrão e apagava o que tinha
escrito a lápis para
reaproveitar o papel. O
salário continuava curto.
A mulher de Rômulo, Wanda
Joviano, mandava uma
empregada lhe servir um
lanche e escalava um
funcionário para deixar o
rapaz em casa de charrete.
Havia apenas uma condição:
ele deveria estar de volta,
pontualmente, às 7h30 no dia
seguinte. Enquanto escrevia
Paulo e Estêvão,
Chico teve um companheiro
constante e compenetrado: um
sapo enorme. No início, o
rapaz olhou desconfiado para
o bicho. Emmanuel acalmou o
protegido. O animal também
era filho de Deus, uma forma
de transição. Chico se
acostumou com o espectador,
embora o achasse estranho.
Todas as tardes, o bicho o
esperava na entrada do
porão, acompanhava-o até a
mesa e ficava quieto num
canto. Quando o escritor
saía, ele saía junto e sumia
no mato. No dia seguinte,
estava lá, a postos, pronto
para outra. Chico teve
crises de choro durante os
oito meses de trabalho.
Quando pingou o ponto final
na obra, viu um Espírito
desmontar uma espécie de
painel, que transformava
aquele cômodo numa cabine
isolada do mundo. Começou a
sentir saudades dos
personagens do livro,
saudades da viagem no tempo,
gratidão a Emmanuel.
Precisava agradecer.
Correu os olhos pelo quarto
subterrâneo e deparou com o
sapo. Tudo resolvido.
Encarou o animal e garantiu:
- Irmão sapo, a graça divina
há também de brilhar para
você.
Daquele dia em diante o
bicho sumiu. A Roma antiga
também, mas outras imagens
nítidas entraram em cartaz
no cinema particular do
ex-matuto de Pedro Leopoldo.
Algumas sequências eram
assustadoras. Assombrações o
ameaçavam de morte,
espíritos encapuzados
invadiam seu quarto, visitas
com pés caprinos chegavam à
beira da cama dele. Nem
sempre seu guia estava por
perto.
Numa das "tardes de folga"
de Emmanuel, Chico escrevia
um relatório na Fazenda
Modelo quando, de repente,
seu rosto ficou branco,
quase transparente, e se
contraiu. O datilógrafo
deixou escapar um gemido
enquanto lançava a mão sobre
o ombro. Parecia infartado.
O colega de repartição
correu em busca de ajuda e,
quando voltou, com um
veterinário a tiracolo,
encontrou a vítima já
recuperada. Quis saber o que
houve e escutou uma história
mirabolante. Há dias, dois
espíritos ameaçavam matar o
autor de Paulo e Estêvão.
Naquela tarde, eles
apareceram de supetão. Um
deles sacou um revólver e,
sem dizer uma só palavra,
apertou o gatilho. Ao ouvir
o estampido, Chico saltou
para o lado, mas não foi
ágil o suficiente para
impedir que a bala atingisse
seu ombro de raspão. Ninguém
viu nem ouviu nada e Chico
ficou oito dias seguidos com
o ombro dolorido. De vez em
quando, o espírita
surpreendia os amigos mais
íntimos com revelações
espantosas.
Do livro As Vidas de
Chico Xavier, de Marcel
Souto Maior.
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