Na frente do bem
Irmão X
Conta-se que, em certa ocasião, na casa dos
apóstolos de Jesus, em Jerusalém, o trabalho
de atendimento aos necessitados havia
recrudescido.
Simão Pedro era o alvo das solicitações e
das aflições.
Petitórios e queixas.
Quantos haviam escutado referências ao nome
de Jesus e aos prodígios de amor que o
Mestre realizara, vinham de longe...
E suplicavam...
E clamavam...
Muitos traziam querelas, outros carreavam
perturbações.
Não raro, irmãos em demanda familiar
entravam em rixa ali mesmo, no recinto da
fraternidade, trocando injúrias e pescoções.
Viajantes em extremo desespero abordavam a
generosa moradia, implorando consolação.
Muitas vezes, os rogos se degeneravam em
gritaria e palavrão, frustrando a
tranquilidade do santuário.
De vez que assumia a direção do grupo, era
Pedro quem mais socorria os infelizes, mas,
por isso mesmo, era mais intensamente
policiado pelos olhos da crítica.
E as censuras contra ele desbordavam, aqui e
além.
Por que consentia em receber tanta gente
desorientada?
Como se entregava a delinquentes, quando se
sabia responsável pela instituição?
Com que razões articulava tantas gentilezas,
em favor de pessoas evidentemente
desclassificadas?
Por que cercar-se de tantos tipos
considerados malfeitores?
Ante a onda de reprovações que se fazia
sempre mais alta, Tiago, filho de Alfeu, o
lidador do Evangelho mais vigorosamente
agarrado aos textos antigos, procurou Simão
e comunicou-lhe a decisão de afastar-se.
Não tolerava a situação que categorizava por
desequilíbrio e desordem.
Dali em diante, habitaria um tugúrio isolado
na saída para Jope.
Aspirava à meditação e ao repouso.
Ansiava por sossego na vida espiritual...
Simão tentou acalmá-lo, prometeu condições
melhores em futuro próximo, apequenou-se e
pediu a reconsideração do companheiro.
Tiago, porém, foi inflexível.
Em dias rápidos, promoveu a mudança e
encasulou-se em risonha choupana, rodeada de
verdura e batida de sol.
Ali se confiava ao estudo dos apontamentos
evangélicos, tratava de flores, admirava os
insetos e louvava o Senhor, através das
orações de hora certa.
Escoaram-se os dias, semanas, meses...
Tiago, insulado em quietude e reflexão,
recordava Jesus com inexprimível saudade...
Tantas vezes, vira o Mestre, gloriosamente
redivivo, depois da morte...
Por que não lhe reaparecia Jesus, agora que
se consagrara a mais profundo recolhimento?
Não se achava ali, plenamente disponível,
entre o silêncio e a oração?!...
Uma noite surgiu em que a ausência do Mestre
mais lhe pesava na alma...
Concentrou-se em rogativas, lembrou-o e
chorou...
E chorava, quando viu alguém a se lhe
abeirar do refúgio, banhado de luar...
O desconhecido vinha de passo ligeiro, como
quem fazia o seu próprio caminho, varando a
noite...
Extasiado, o apóstolo reconheceu o
itinerante que, afinal, se lhe revelou,
aureolado de luz.
Era o Cristo de Deus.
O discípulo ajoelhou-se e alongou os braços
para recolhê-lo com mais largueza de júbilo.
O augusto viajor, no entanto, passou por
ele, sem deter-se.
O filho de Alfeu levantou-se, de espírito
opresso, correu-lhe no encalço e gritou:
- Senhor! Senhor!... Acaso, não me vês o
coração mortificado de saudade? Onde vais
que não me vês a necessidade de ti?
Jesus voltou, abraçou-o, de leve, e
comunicou-lhe, num sorriso:
- Tiago, estás a salvo de lutas e
tentações... A virtude te abençoa no recanto
de paz. Vou ao encontro de Pedro, a fim de
aliviar-lhe o fardo de humilhações e de
lágrimas, no amparo aos nossos irmãos!...
Dito isso, o Celeste Benfeitor prosseguiu
viagem...
Tiago, entretanto, naquela mesma noite,
reuniu os pertences pobres num carro de mão
e retornou ao pouso antigo.
Bateu à porta que se lhe abriu, acolhedora,
e abraçando Pedro que lhe veio ao encontro,
pôde apenas dizer: “Eu estou aqui”.
Do livro Fé,
obra psicografada pelo médium Francisco
Cândido Xavier.