ANSELMO FERREIRA
VASCONCELOS
afv@uol.com.br
São Paulo, SP
(Brasil)
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Decisões
comprometedoras
Em sua
inesquecível e
marcante
passagem pela
Terra, Jesus não
nos incitou à
negligência ou
total
afastamento das
coisas do mundo,
mas nos
recomendou,
entre outras
coisas, que
déssemos “a
César o que é de
César, e a Deus
o que é de Deus”
(Matheus, 22:
21).
Analisando essa
questão, Allan
Kardec
esclarece, na
obra O
Evangelho
segundo o
Espiritismo,
que aqui se
trata de
mais um
princípio
aludido por
Jesus sobre o
nosso dever de
proceder para
com os nossos
semelhantes, o
que desejamos,
essencialmente,
para nós mesmos.
Desse modo,
escreve o
Codificador,
“Ele [Jesus]
condena todo
prejuízo
material e moral
que se possa
causar a outrem,
toda postergação
de seus
interesses.
Prescreve o
respeito aos
direitos de cada
um, como cada um
deseja que se
respeitem os
seus.
Estende-se mesmo
aos deveres
contraídos para
com a família, a
sociedade, a
autoridade,
tanto quanto
para com os
indivíduos em
geral”
(ênfase nossa).
Esse trecho do
Evangelho
abrange graves
responsabilidades
que não podem
ser desprezadas
por nenhum de
nós. Na verdade,
deveriam servir
de balizas ou
princípios
fundamentais a
fim de evitarmos
faltas
irreparáveis.
Posto isto, no
universo do
trabalho
contemporâneo
somos
defrontados por
decisões e
escolhas que
podem afetar o
saudável
equilíbrio acima
proposto. Se
olharmos mais
detidamente,
essa relação é
afetada na
atualidade por
incontáveis
iniciativas,
ações e medidas
institucionais
que negligenciam
importantes
“deveres
contraídos”. E
tais escolhas
partem, sempre é
pertinente
recordar,
especificamente
de indivíduos
que representam
destacadas
organizações e
instituições
defendendo seus
interesses às
vezes
inconfessáveis.
A tragédia de
Mariana, que já
completou um
ano,
aparentemente
sugere isso.
Cumpre lembrar
que em 5 de
novembro de 2015
ocorreu o
rompimento da
barragem de
Fundão,
propriedade da
mineradora
Samarco (cujos
acionistas são a
australiana BHP
Billiton e a
brasileira
Vale),
localizada a
cerca de 5
quilômetros de
Bento Rodrigues,
subdistrito de
Mariana, em
Minas Gerais.
As consequências
daí advindas são
catastróficas.
Como bem resumiu
uma reportagem
recente da
Revista Veja:
“O rompimento
criou uma onda
de lama e
rejeitos
químicos que
engolfou cidades
da região e
contaminou o rio
e seus
afluentes.
Configurou-se,
dessa forma,
a maior – e mais
amarga –
tragédia
ambiental da
história do
país”
(ênfase nossa).
Além disso, 19
pessoas perderam
as suas vidas
(seus familiares
já receberam uma
modestíssima
indenização de
100.000 reais).
Devido à
amplitude do
desastre tem-se
como certo que
levará muito
tempo para que o
ambiente e os
habitantes se
recuperem. O
quadro de
devastação
lembra grandes
catástrofes do
passado já que
os rejeitos
químicos
endureceram em
função da ação
do tempo.
Desse modo,
casas, comércios
e ruas da cidade
de Bento
Rodrigues foram
implacavelmente
tragadas pela
imensa onda de
detritos
oriundos da
barragem. O
cenário é
desolador e com
profundos
impactos na vida
de 290 famílias
(1000 pessoas)
que foram
obrigadas a
deixar tudo para
trás. A maioria
perdeu tudo o
que possuía, sem
falar dos que
extraíam da
pesca e do rio a
sua fonte de
renda. Por outro
lado, há
insistentes
críticas à ação
da empresa no
pós-desastre.
Muitas das
vítimas reclamam
que não foram e
nem estão sendo
adequadamente
assistidas.
Aliás, não é por
acaso que a
empresa esteja
enfrentando
40.000 ações na
justiça.
Cabe frisar que
há fortes
indícios de que
havia sérios
problemas
técnicos na
construção da
barragem, em
2008. Mesmo
assim,
decidiu-se
seguir adiante,
e como apurou a
reportagem da
Revista Veja,
“A verdadeira
causa do
rompimento da
barragem de
Fundão... foi
uma só: fraude.
A tragédia
passou longe de
ser um acidente
evitável”. Mais
grave ainda,
“... havia
sinais básicos
de descaso na
construção de
Fundão, como
vazamentos,
excesso de água
na composição do
barro e falhas
de segurança.
Era apenas uma
questão de tempo
até o sistema
entrar em
colapso. Foi o
que ocorreu há
um ano. Somados,
esses problemas
levaram à
liquefação dos
rejeitos,
criando a onda
de lama”.
Em decorrência
do rompimento,
32 milhões de
metros cúbicos
de rejeitos
foram levados
pelas águas do
rio, ou seja,
quantidade
suficiente para
encher de lama
12.800 piscinas
olímpicas. Não
bastasse isso,
todo o trajeto
fluvial até o
Oceano Atlântico
foi seriamente
envenenado já
que foram
identificadas as
presenças de
arsênio,
manganês e
selênio acima
dos limites
legais
estabelecidos, e
com graves
consequências
para a vida
marinha. Como
esperado, os
prejuízos para
os municípios
vizinhos são
enormes. Há
também o receio
de que os 10,5
milhões de
metros cúbicos
da barragem de
Candonga se
rompam -
elevando ainda
mais o grau da
tragédia.
Cabe salientar
que o Ministério
Público Federal
denunciou 22
pessoas ligadas
à empresa (21
das quais são
acusadas de
homicídio
qualificado com
dolo eventual,
isto é, quando
se assume o
risco de matar),
incluindo o
ex-presidente da
Samarco. Todos
eles responderão
por lesão
corporal e
crimes
ambientais,
entre outros
delitos. Essa é
apenas uma breve
síntese do que
até o momento
representou a
tragédia de
Mariana.
Mas ao que tudo
indica, esse
episódio
confirma, uma
vez mais, as
sábias
ponderações do
Espírito Joanna
de Ângelis (ver
o artigo
“Empresas” na
Presença
Espírita nº
243 de
julho-agosto de
2004) a respeito
das organizações
humanas: “O
pensamento
empresarial é
linear, direto,
calculista,
destituído de
sentimento de
amor, de
misericórdia, de
compaixão”.
Lembra a nobre
mentora que “É
verdade que
facultam o
progresso na
Terra, mas
também respondem
por muitas
misérias e
violências
morais,
econômicas e
sociais...”
Portanto, a
reflexão é a
seguinte: se nos
compete tomar
decisões - em
nome das
instituições que
representamos -
que podem afetar
a vida de
outros, da
natureza e do
meio ambiente,
enfim, é
prudente lembrar
a advertência de
Jesus acima
aludida. Nesse
sentido, o
Apóstolo Paulo
recomenda que
nos comportemos
“como filhos da
luz” (Efésios,
5:8). Não há
posição,
dinheiro ou
patrimônio
material
adquirido que
possam suavizar
o remorso
derivado da
consciência
culpada por
tragédias
perfeitamente
evitáveis.