O
dom divino
Irmão X
Antigo devoto, extremamente apaixonado pelo
Senhor, mantinha consigo o velho desejo de
encontrá-lo, afagá-lo e ser-lhe útil.
“Oh! se pudesse viver na intimidade do
Mestre” – pensava em êxtase – “tudo faria
por rodeá-lo de cooperação e carinho.”
Por isso mesmo buscava cultivar todas as
virtudes e aperfeiçoar todas as qualidades
nobres, a fim de oferecer-lhe dons
perfeitos.
Entre esperanças e orações, seguia a esteira
infinita do tempo, aguardando o instante
sublime de identificar-se com Jesus, quando,
num sonho prodigioso, viu que o Senhor o
visitava, acompanhando de sublime cortejo. O
carro fulgurante do Rei do mundo vinha
ladeado de Arcanjos e Tronos, ostentando
flores e estrelas do Paraíso.
Maravilhado, o crente demandou o interior da
casa, procurando joias com que pretendia
mimosear o Divino Amigo.
Não encontrou, porém, o ouro e a prata, as
rosas e os perfumes, com os quais esperava
render-lhe culto. Em lugar deles, no
entanto, reparou, espantado, que as suas
virtudes se haviam materializado em vasos
simbólicos. Tentou escolher dentre eles
alguma preciosidade com que pudesse atender
ao próprio coração, mas notou que o seu amor
estava representado por uma candeia sem
óleo, a sua paciência era um prato fendido,
que a sua fé exprimia-se numa ânfora
enlameada, que a sua caridade era um jarro
vistoso e vazio e outras virtudes como, por
exemplo, a humanidade e o entendimento
fraterno, nem chegavam a aparecer...
Desapontado e pesaroso por não haver
encontrado algum recurso, de modo a
satisfazer-se, o devoto reconheceu que não
passava de miserável mendigo, incapaz de uma
oferta condigna ao Visitante Celestial.
Quis fugir, escondendo a própria indigência,
todavia, surpreendido pelo Mestre que o
abraçava, bondoso, clamou em lágrimas:
- Eterno Benfeitor, perdoa-me a pobreza!
Nada tenho para expressar-te o meu
carinho!... Minhas virtudes não passam de
baixelas desprezíveis.
Jesus complementou as alfaias expostas,
sorriu e falou, sereno:
- Realmente, as qualidades edificantes que o
reino do Todo-Poderoso espera de nós
revelam-se em construção, no terreno de tua
alma. É imprescindível que o tempo te
aprimore os talentos imortais. Entretanto,
trazes contigo o dom divino oculto em todas
as criaturas. É por ele que a Obra de Deus
se aperfeiçoa na Terra. Usando-o poderás
colaborar comigo em toda parte,
santificando-te, cada vez mais, para a
glória do paraíso.
E porque o discípulo indagasse, entre aflito
e jubiloso, o Mestre completou:
- É o dom do servir, indistintamente.
Ajuda-me a velar pelos homens, pela vida,
pela natureza... Auxilia comigo ao ignorante
e ao doente, ao velho e à criancinha, ao
animal e à erva tenra. A qualquer criatura
ou a qualquer coisa que ofereças o bem é a
mim mesmo que o fazes...
O devoto quis falar, traduzindo a imensa
ventura que lhe banhava a lama toda, ante a
lição recebida, mas, ao murmúrio do vento,
que parecia chamá-lo ao trabalho, fora do
aconchego doméstico, despertou no leito
macio e começou a pensar.
Do livro Cartas
do Coração, obra mediúnica psicografada
pelo médium Francisco Cândido Xavier.