A expansão do
movimento
espírita no
Brasil na visão
de um observador
francês
Um fato que
poucos conseguem
compreender é
por que o
movimento
espírita cresceu
tanto no Brasil,
mas não na
França, onde,
por sinal, o
número de
adeptos, em
termos
percentuais,
decresceu de
Kardec aos
nossos dias.
Guilherme
Ringuenet
elucida a
questão em um
artigo publicado
originalmente em
francês e
traduzido para o
nosso idioma por
Claudia
Bonmartin, do Centre
d'Etudes
Spirites Allan
Kardec, de
Paris. (1)
Eis, na íntegra,
o artigo que tem
como título:
No Brasil, o
fundador da
Doutrina
Espírita, Allan
Kardec, é celebrado em
todo o país
Se o nome de
Allan Kardec não
é conhecido pela
maioria dos
franceses, isto
não é o que se
passa a 10.000
km daqui. No
Brasil ele é
célebre em todo
o país, muito
mais que nossos
jogadores de
futebol ou
nossos homens de
Estado: selos
com sua imagem
foram impressos,
ruas têm o seu
nome, seus
escritos são
vendidos com
vários milhões
de exemplares. E
no entanto na
França, o
fundador da
doutrina
espírita, que
explica a
presença e a
comunicação dos
espíritos, caiu
no anonimato
após ter
conhecido o
sucesso nos anos
de 1860.
«Espírito, você
está aqui?»
Atrás dessa
célebre
pergunta, fonte
de sorrisos ou
de arrepios, se
esconde uma
verdadeira
crença: aquela
que fala da vida
dos espíritos.
Eles se
encontrariam em
toda a parte, em
volta de nós,
invisíveis aos
nossos olhos, se
revelando a nós,
segundo a
vontade deles.
A crença nos
espíritos é tão
velha quanto o
homem, mas foi
na metade do
século XIX,
época em que o
romantismo se
encontrava em
seu apogeu,
reagindo ao
racionalismo do
período das
luzes, que vai
renascer um
certo interesse
pelo mundo
invisível.
A descoberta dos
fenômenos
elétricos e
magnéticos no
fim do século
XVIII preparou o
terreno. Nos
Estados Unidos,
por volta de
1850, é grande
moda as mesas
girantes. Um
navio atravessou
o Atlântico e a
Europa descobre
esse fenômeno.
Reis e rainhas,
artistas,
cientistas e a
grande burguesia
se divertem
provocando medo
algumas vezes a
eles mesmos.
Durante as
sessões, os
participantes
colocam as mãos
sobre uma
prancha, que uma
força vem
movimentar.
Nada predispunha
Hippolyte Léon
Denizard Rivail
a se aventurar
em torno das
mesas girantes,
senão a
curiosidade
diante de um
efeito de moda.
Esse francês,
que nasceu no
ano em que
Napoleão foi
consagrado
imperador, é
filho de uma
família rica de
juristas
lioneses.
Reconhecido como
pedagogo (ele é
adepto das
teorias
inovadoras da
época, de Jean
Jacques
Rousseau), e é
ele quem vai
codificar os
encontros com os
espíritos para
dar nascimento
ao Espiritismo.
Durante vários
anos, o pedagogo
interroga os
espíritos. De
todas essas
comunicações,
ele vai escrever
um livro,
publicado em
1857, «O Livro
dos Espíritos»,
dando origem ao
Espiritismo, e
ele assinará
Allan Kardec,
nome de um
druida celta que
ele teve em uma
vida anterior. É
também uma
maneira de
conciliar com a
sua carreira
profissional.
«O Livro dos
Espíritos» se
apresenta com
uma série de
questões e
respostas entre
Allan Kardec e
os espíritos.
Nele encontramos
perguntas sobre
Deus, a vida
depois da morte,
o processo
reencarnatório,
as
desigualdades, a
guerra...
Mais que uma
religião, o
Espiritismo é
uma filosofia.
Allan Kardec não
via o
Espiritismo como
uma religião,
explica
Guillaume Cuchet,
professor de
História na
Universidade
Paris, autor do
livro «As Vozes
do Além, as
mesas girantes,
espiritismo e
sociedade no
século XIX».
Entretanto, ele
tinha uma
consciência viva
dos problemas
morais. Ele
sabia que para
que o
Espiritismo se
enraizasse, ele
deveria ser
sentido como uma
religião no
sentido amplo da
palavra.
REPUBLICANOS E
ESPÍRITAS
O livro dos
Espíritos
torna-se
rapidamente um
sucesso na
França e um
pouco mais
tarde, no
Brasil, Centros
Espíritas são
fundados em
várias partes do
país.
A obra encontra
uma aceitação
favorável junto
a pessoas
enlutadas que
praticam o
Espiritismo mais
pelo seu aspecto
consolador que
pelo seu aspecto
conceitual.
Trata-se do caso
de Victor Hugo
que, durante o
período do seu
exílio na ilha
de Jersey,
torna-se adepto,
principalmente
após haver
"falado" com sua
filha Léopoldine,
morta afogada em
1843.
Com a publicação
do livro de
Allan Kardec, a
moda das mesas
girantes
retorna. “O
Livro dos
Espíritos” vai
relançar o
fenômeno, mas de
maneira
diferente. "O
Espiritismo
ressurge a
partir de 1860.
As mesas
girantes haviam
divertido as
elites europeias,
mas dessa vez
ele vai
tornar-se
sociologicamente
marcado”,
analisa
Guillaume Cuchet.
"Agora é a
pequena
burguesia que
vai tornar-se
adepta."
Quando se
analisa o perfil
dos que aderem
ao Espiritismo,
é mesmo
surpreendente.
Longe de se
tratar de
pessoas radicais
e
revolucionárias,
muitos são
republicanos
arraigados. Os
espíritas, como
Allan Kardec,
são homens de
esquerda
(socialistas no
estilo da
esquerda do
século XIX) que
foram
traumatizados
pelo fracasso da
revolução de
1843 e com o
golpe de Estado
de Napoleão III.
Eles se refugiam
no Espiritismo,
pois não
encontram mais
condições de
participar da
política. Não é
de admirar,
também, quando
encontramos nos
seguidores de
Allan Kardec
pessoas ligadas
ao ensino e à
maçonaria. No
início, o regime
de Napoleão III
não se sentiu em
segurança vendo
reunir-se todos
esses
republicanos,
mas rapidamente
ele compreendeu
que não havia
nessas reuniões
"nenhum perigo",
nos diz
Guillaume Cuchet.
UMA VISÃO
PROGRESSISTA
Um selo
brasileiro de
1975 homenageia
Allan Kardec
pelos 100 anos
da Codificação
do Espiritismo.
A filosofia
espírita
reagrupa vários
aspectos
progressistas da
época. Segundo
Allan Kardec, os
espíritos não
cessam de
reencarnar para
evoluir e
tornarem-se cada
vez melhores...
Aliás,
encontramos essa
vontade nos
postulados que
sintetiza a
Doutrina:
"Nascer, morrer,
renascer ainda e
progredir sem
cessar, essa é a
Lei". Uma
maneira de ver
bem longe do
dogma católico
do Inferno, onde
nenhuma evolução
é possível.
Mas há aspectos
da Igreja
Católica: o Deus
de que nos fala
“O Livro dos
Espíritos” é o
Deus cristão.
Até que o livro
seja condenado
pela Igreja em
1864, os
espíritas são
frequentemente
católicos. As
duas crenças se
combinam sem
dificuldade
teológica. E é
por essa razão
que no Brasil o
Espiritismo
conheceu um tão
grande sucesso.
"O sucesso do
Espiritismo na
França e no
Brasil é pelo
fato de que ele
completa o
catolicismo. Há
uma ligação
entre os dois",
informa
Guillaume Cuchet.
Uma outra razão
desse sucesso no
Brasil vem da
diversidade
cultural da sua
população. Se o
cristianismo é a
religião
dominante, ela
está impregnada
de crenças
animistas dos
Indígenas e dos
Africanos e
forma um
sincretismo
típico da
América do Sul.
Muitas pessoas
que chegam nas
cidades
brasileiras
vinham já
impregnadas de
crenças
mágico-espirituais.
No seu conteúdo,
o Espiritismo é
muito próximo
dessas crenças
naturais. "A
transição entre
os dois se fazia
sem problemas",
explica o
pesquisador.
CADA VEZ MAIS OS
BRASILEIROS
TORNAM-SE
ESPÍRITAS
|
Um memorial em
homenagem ao
bicentenário de
nascimento a
Allan Kardec foi
inaugurado
em 2004,
em
Niterói-Brasil,
e um ano
depois
em
Lyon-França.
Se na França o
Espiritismo tem
algumas mil
pessoas, no
Brasil a
doutrina
kardecista
continua
progredindo,
como nos revela
o Instituto
Brasileiro de
Geografia e de
Estatística. De
2,2 milhões de
adeptos em 2002,
passou a 3,8
milhões em 2010,
isto é, 3,1% da
população
brasileira. No
entanto, esse
número de
pessoas na
realidade
é maior,
pois
numerosos |
os
brasileiros católicos-espíritas. |
São as regiões
do sudeste do
Brasil (Estado
do Rio de
Janeiro, São
Paulo e Minas
Gerais) onde se
encontra o maior
número de
espíritas. Na
cidade de
Palmelo, no
centro do país,
45% da população
se diz adepta da
filosofia de
Allan Kardec.
Ela se considera
a capital
brasileira do
Espiritismo.
Esclarecemos que
essa cidade de
2.000 habitantes
foi fundada em
1929 em torno de
um centro
espírita.
A influência
cultural do
Espiritismo é
também muito
forte no Brasil.
Podemos
constatá-la na
presença de
numerosas ruas
Allan Kardec,
mas também na
escolha de nomes
próprios de
pessoas: Allan
(às vezes
escrito com um
só L). Faz parte
dos 100 nomes
mais usados no
Brasil. Um clube
de futebol de
São Paulo tem um
atacante que se
chama Alan
Kardec.
A indústria
cinematográfica
brasileira
compreendeu o
interesse do
público
brasileiro por
este tema. Desde
o fim dos anos
2000 os filmes
sobre o
Espiritismo são
sucesso de
bilheteria, como
disse em 2013 o
"Courrier
International".
A quarta edição
de "O Livro dos
Espíritos" é um
dos livros mais
lidos depois da
Bíblia. Não é
raro encontrar
em uma livraria
de rua em São
Paulo ou Recife
a tradução em
português da
obra.
O DECLÍNIO NA
FRANÇA
Ao
contrário,
na
França,
o nome
de
espíritas
foi
gradualmente
reduzido
ao longo
dos
séculos
XIX e
XX. Para
isso,
ocorreram
várias
razões
que
explicam:
como a
morte,
em 1869,
de Allan
Kardec,
mas
também a
mudança
de
regime
político,
pois
após a
queda do
Segundo
Império,
a
República
é
proclamada
em 1871.
A
esquerda,
a partir
de 1880,
adotou
uma
posição
racionalista
e
positivista.
Os
republicanos
espíritas
vão ser
obrigados
a
escolher
um
partido.
Por
outro
lado, a
Igreja
Católica,
depois
da
condenação
em 1864
de “O
Livro
dos
Espíritos”,
relança
a
devoção
pelas
almas |
|
do
purgatório
e vai de
fato
ocupar o
lugar do
Espiritismo,
resume Guillaume
Cuchet.
O túmulo
de Allan
Kardec
se situa
no
cemitério
do Père
Lachaise.
Ele não
tem a
notoriedade
do de
Jim
Morrison,
mas o
dólmen é
regularmente
enfeitado
e
florido
pelos
espíritas. |
Guilherme
Ringuenet
(1) O
original do
artigo em
francês pode ser
lido na seguinte
página na Web:
http://www.slate.fr/story/101569/francais-celebre-bresil-allan-kardec |