O
encanto do poeta
Noutro dia soube
do comentário do
Poeta, contando
que parou de
fazer poesia
quando não
conseguiu mais
se encantar com
o mundo.
Explicou que,
para fazer
poesia, deve-se
guardar a
capacidade de se
maravilhar, de
se encantar com
algo a mais,
sempre...
Esvaída esta
capacidade, lá
se vai a fonte
de inspiração
para a poesia.
De mim para mim
mesma,
concordei. Em
silêncio,
meditando sobre
o assunto nos
dias
posteriores,
lembrei-me do
tempo em que eu
também despejava
quilos de
poesia, no
período
compreendido
entre o meu
curso
universitário e
pouco após a
minha formatura.
Eram
caderninhos,
maiores e
menores, que
guardo ainda
hoje no meu baú.
Mas, com o
passar dos anos,
de fato, algo se
perdeu.
Ensaiei alguns
trabalhos
anônimos no
território das
crônicas, que me
renderam várias
páginas do autor
em um Portal
literário da web;
e depois minhas
iniciativas
foram
canalizadas, em
comum acordo com
a
Espiritualidade
assistente, para
a literatura
espírita
propriamente
dita, dividida
entre a
publicação de
artigos e
crônicas
temáticas, e os
romances
mediúnicos.
Mas constatei em
mim mesma a
realidade da
alusão do Poeta,
ao longo dessas
atividades.
Esvaíram-se meus
poemas, como
rarearam todos
os meus demais
escritos.
Existe um mérito
no
amadurecimento
do trabalho
literário a
longo prazo, que
aplica um filtro
de qualidade
natural –
afinal, se
encantar com
qualquer coisa
pode parecer
tedioso a
alguns. Todavia,
reside
paradoxalmente,
justo neste
encanto das
pequenas coisas,
toda a razão
pela qual
lutamos por uma
humanidade
melhor.
Escrever poemas,
livros ou
crônicas não se
dissocia da vida
cotidiana. O
encantar-se com
uma flor, com
uma palavra, de
um ângulo, com
um cenário
triste ou
paradisíaco
traduz do melhor
de nossa
condição humana
e de Espíritos
em evolução,
cumprindo curto
estágio de
aprendizado
neste mundo.
Todavia, vivemos
em tempos em que
a emotividade
inerente a este
encantamento, a
esta capacidade
de se comover, é
lida por muitos,
senão pela
maioria, como
fragilidade
condenável, e
como atributo
menor, próprio
dos fracos. Como
se verter
lágrimas
traduzisse
defeito
congênito de
personalidade ou
de caráter. Como
se sorrir com
sinceridade ou
alegria não
pudesse guardar
outra conotação
diferente dos
característicos
inerentes
somente aos
simplórios; ato
destituído de
praticidade, num
mundo
sedimentado
sobre uma
infinidade de
futilidades, de
interesses
pragmáticos e
esquemas de
poder, calcados,
em sua maioria,
nos anseios dos
lucros
materialistas.
Nunca
observaram?
Experimentem se
solidarizar com
sofredores de
quaisquer
matizes; surgirá
logo um prático,
alegando que
maiores
sofredores que
aqueles há, mais
próximos de nós
mesmos, ou mais
sofredores
ainda, ou ainda,
por último,
merecedores do
que estão
sofrendo, “tendo
feito alguma
para merecer”.
Então, engolimos
nossas lágrimas
de comoção.
Qualquer
iniciativa
vacilante em
favor do
próximo, neste
momento, e
alimentada justo
daquele impulso
inicial de
compaixão que se
nutre da
emotividade
sadia, é
decididamente
abafada e
tolhida. Se não
formos dotados
de
personalidades
muito sólidas,
sairemos da
situação com a
impressão
estranha de que
até mesmo seria
um erro grave, o
se demover para
auxiliar ou se
solidarizar, de
um modo
qualquer, com
aqueles que, no
começo, tocaram
de maneira
construtiva a
nossa
sensibilidade.
Noutros
episódios, tente
rir demais – o
ditado antigo
ainda surge,
aqui e ali,
partido de outro
gênero de seres
sérios que
condenam a
descontração
muito saudável
da alegria: “muito
riso, pouco siso
(juízo)”. E
lá vamos nós
então engolindo
o nosso riso à
conta de um novo
pecado.
Nada de
emotividade!
Devemos ser
frios, sérios,
maduros,
calculistas e
objetivos, e
aparentemente,
nenhuma dessas
qualificações
combinam com a
espontaneidade
dos sentimentos.
Como já relatei
há algum tempo
noutro artigo
publicado, uma
vez terminei por
me aborrecer e
ter que
responder a um
comentário
ouvido neste
sentido, de
pessoa próxima,
sem poder
acreditar na
própria
capacidade
auditiva: “você
ainda vai se dar
mal com esta
mania de se
importar com os
outros!”
Noutra vez, há
muito tempo,
quando ainda era
mais jovem e,
portanto, me
encantava e ria
bastante, sem
imaginar sequer
em pedir
permissão para
isso, também
escutei outra
pérola, em tom
depreciativo, de
pessoa do
ambiente do
trabalho de
então – justo
quando ria com
vontade de uma
piada divertida
junto a uma
amiga do meio
profissional: “essa
aí fica rindo
igual a uma
hiena!” E,
ainda outra vez,
numa visita de
cotidiano às
compras de
supermercado,
quando, em
condições
felizes de
espírito,
cantarolava
baixinho uma
música, ouvi, em
tom irritadiço,
de alguém que me
acompanhava em
péssimo estado
de humor – só
compreendi
naquele momento:
“para de
cantar!”
Vivemos em
tempos em que,
de maneira
desvirtuada e
contra todo o
bom senso, a
emotividade é
tida em conta de
fraqueza inútil.
O se encantar
com as flores ou
com o piar dos
pássaros nas
árvores; o se
enlevar
abertamente com
um espetáculo
clássico, ou
chorar de modo
incontido
escutando alguma
música que nos
sensibilize o
espírito.
Demonstrar
amizade ou amor
intensos e
sinceros...
Certa vez,
também ouvi, há
muito tempo, o
que, na ocasião,
me chocou
indisfarçavelmente:
“você
demonstra demais
os seus
sentimentos!
Esconda um
pouco!”
A emotividade,
em nossa
sociedade
automatizada, smart, virtual,
dinâmica,
tornou-se
defeito de
caráter – quem
diria! Tudo o
que mais
dignificava os
seres até há
poucas décadas,
hoje significa
distintivo de
personalidade
pouco louvável.
Afinal, as
sociedades e as
empresas
bem-sucedidas
precisam de
indivíduos
produtivos – e
convencionou-se
que
produtividade e
progresso, em
definitivo, não
se
compatibilizam
com a milenar
capacidade de se
emocionar. De
abraçar, de rir
junto, ou de se
colocar no lugar
do outro, para
felicitar, ou
chorar com ele,
ou como ele; de
respirar com as
árvores e com a
natureza, ao
menos durante
alguns poucos
momentos, no
decorrer dos
anos - para
sentir-lhes as
necessidades sem
atentar contra a
sua integridade!
De se necessitar
desta simbiose
solar, com os
céus azuis e com
o ar puro, que
nos permitem não
sufocar por
completo debaixo
das luzes
artificiais sob
as quais
gastamos a maior
parte do nosso
tempo sobre a
face da Terra...
É, pois, sob
esta atmosfera
espiritual
sufocante que o
Poeta perde, aos
poucos, a sua
capacidade de se
encantar. Porque
o encanto vem
deste fluxo
vital fresco,
natural e
divino, sempre
inédito – e não
de uma
formatação árida
da vida,
confinada entre
quatro paredes
herméticas de
regras que
pretendem, em
vão, deixar tudo
sob um fictício
controle. Mas
que, a bem da
verdade, não
traz, nem nunca
trará,
felicidade
autêntica a
ninguém.