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Crônicas e Artigos

Ano 10 - N° 506 - 5 de Março de 2017

VLADIMIR POLÍZIO
polizio@terra.com.br
Jundiaí, SP (Brasil)

 


Foi buscar para si o que tinha de sobra para dar 


Há um histórico que podemos considerar como maravilhoso e muito especial, registrado ao longo do tempo e envolvendo personagens que se conscientizam com os sentimentos de responsabilidade que os envolvem e cumprem de maneira exemplar o afloramento de dons que vão se manifestando e exigindo mudança radical de comportamento.

Muitos procuram os Centros Espíritas alegando que estão ouvindo vozes e vendo vultos ou mesmo pessoas, que somente eles enxergam. Nesses casos, nunca se pode excluir as possibilidades que existem no campo dessa alteração psíquica. Tanto pode ser o despontamento de mediunidade quanto a ocorrência de distúrbios cuja terapia está adstrita a outras áreas, que não o Espiritismo.

Levando em consideração que a encarnação do Espírito não está ligada ao acaso, é fundamental compreender que outros fatores determinantes estão presentes e vão ser os responsáveis, no curso da vida, pelo surgimento das ocorrências que vão marcar sua passagem pela Terra. As missões, os fardos, os sofrimentos, as dificuldades e as responsabilidades, especiais ou não, surgirão ao longo do tempo na vida de cada um e no seu devido momento. Quanto a esses compromissos, cuja problemática deverá ser vencida pelo próprio encarnado, entenderemos como resultantes da aplicação da Grande Lei de Causa e Efeito e, no que diz respeito ao desenvolvimento de benefícios junto à sociedade, entenda-se aqui os dons, também entenderemos como deveres, sendo que de todas as situações a que estaremos expostos, não temos como fugir, sem que se agrave o compromisso rejeitado.

Cada qual traz consigo caminhos, bagagens e compromissos pessoais intransferíveis, mesmo que sejam somente para si próprio. "Pela natureza dos sofrimentos e das vicissitudes que experimentam na vida corporal, pode-se julgar da natureza das faltas cometidas em uma precedente existência e das imperfeições que lhe são causa"(1).

Acerca do que será exposto doravante teremos a oportunidade de conhecer uma história real e paradoxal, recheada de sofrimentos e virtudes onde o personagem, acreditando que as portas lhe haviam sido fechadas definitivamente pelo Senhor da Vida e dos Mundos, vislumbrou um novo e promissor horizonte, que trouxe o conforto e a segurança de que tanto necessitava, possibilitando-lhe oferecer, a outros milhares de corações desesperados, o alento, o equilíbrio na saúde e a mesma paz que procurava.                                     

Este é um dos mais belos registros que se tem conhecimento envolvendo uma pessoa com graves problemas, não só os relacionados com a sua saúde, que rompeu as barreiras erguidas por conta de preconceitos religiosos, vencendo os empecilhos de todos os tamanhos, tornando-se baluarte de si próprio e de um número incontável de pessoas de toda parte que afluíam em seu socorro.

Falamos de Porfírio Duarte Bezerra Júnior (1882-1946), que nasceu e desencarnou na cidade de Rio de Janeiro.

Começou sua vida profissional como linotipista(2) da Imprensa Nacional(3), onde trabalhou durante vários anos. Em acidente de trabalho foi atingido por curto-circuito e seus nervos óticos ficaram destruídos, encerrando a carreira como "oficial de 3ª classe da fundição de tipos da Imprensa Nacional". 

Apesar de ter recorrido aos melhores médicos oculistas, perdeu completamente a visão. Não havendo nessa época uma lei que o amparasse, ficou em estado desesperador, sem poder manter a família composta de dez pessoas: ele, a esposa, duas cunhadas e seus filhos. Chegou a pensar em suicídio, tal a difícil situação que lhe pesava. Sua esposa e cunhadas passaram a costurar, ajudando, na medida do possível, para manutenção do lar.

Uma vizinha sugeriu que procurasse o Espiritismo e indicou um médium em Niterói-RJ. Mas, como a família era católica, e por preconceito, não aceitou a sugestão. A amiga insistiu, contando-lhe inúmeros casos de curas realizadas por aquele médium. Porfírio, sem outra alternativa, resolveu procurá-lo.

O Guia Espiritual prometeu-lhe um tratamento, porém, antes, teria que ouvir a leitura de O Livro dos Espíritos e de O Evangelho segundo o Espiritismo, de Kardec.

No regresso para casa adquiriu os livros indicados, e sua filha mais velha, todos os dias, lia trechos para ele. Pouco tempo depois, Porfírio começou a ouvir vozes e a ver Espíritos, que lhe instruíam diretamente, desabrochando-lhe, assim, várias faculdades mediúnicas.

Por conselho espiritual, no início ano de 1918, passou a frequentar o Centro Espírita “Cristófilos” (4), no bairro do Catete, na cidade do Rio de Janeiro-RJ. Porfírio estava, então, com 35 anos de idade e desde os 28 afastado do serviço, motivado pela perda da visão.                         

Reunindo os irmãos em Assembleia Geral Ordinária a 1º de maio desse mesmo ano para a eleição de nova diretoria, e havendo dificuldade para o preenchimento do cargo de Presidente, em razão de todos haverem se declarado incapacitados para exercê-lo, e, diante das recusas apresentadas pelos presentes, o Mentor e Guia espiritual da Casa, Antônio de Oliveira, manifestou-se através de um médium e indicou Porfírio para a Presidência.

Receoso por haver chegado ao Centro naquele mesmo ano e já assumir elevado encargo, relutou mas acabou aceitando essa responsabilidade pelo encorajamento que lhe deu o Mentor através do mesmo médium, dizendo-lhe que estaria ao seu lado, assim como todos os Guias da Casa, assistindo-o e impulsionando seu trabalho, além do surgimento de dons mediúnicos que muito o surpreenderiam. Diante da responsabilidade e com o amparo manifestado, Porfírio aceitou o encargo, emocionado, desenvolvendo um trabalho apostolar, tanto no campo mediúnico como no doutrinário, ficando conhecido como “O Ceguinho do Catete”. Sua fama atravessou fronteiras, sendo procurado por verdadeira multidão de sofredores. No trabalho com Jesus readquiriu a fé e a serenidade, realizando tarefas extraordinárias. Possuía o dom da vidência, audiência, psicofonia; da cura com a imposição das mãos, e diagnóstico do local exato das doenças, vendo os órgãos internos e distinguindo as lesões ou os processos obsessivos e sabendo quando era o caso de passe ou tratamento.

"Com surpresa verificou que passou a ser o médium de Dr. Bezerra, que, por seu intermédio, receitava para pobres e até ricos que o procuravam. Muitas curas foram feitas neste Centro por intermédio de Porfírio.

Assim como Chico Xavier, conversava com Emmanuel. Porfírio conversava também com Bezerra e outros diretores espirituais desta casa. Suas doutrinações eram maravilhosas; prendiam o auditório, e muitas vezes lágrimas arrancava dos próprios Espíritos, como também dos assistentes."(5)

Na presidência do Centro Espírita Cristófilos, Porfírio permaneceu de 1918 a 1946, perfazendo um total de 28 anos, 5 meses e 7 dias.

Pregador emérito do Evangelho e doutrinador seguro, foi ele responsável pelo desenvolvimento de grandes médiuns e pela conversão ao Espiritismo de muitos nomes que ficaram famosos no campo doutrinário e assistencial, na linha de frente da propaganda doutrinária. 

No jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, edição de 20-8-1942, na seção Mundo Social, eis a íntegra da nota referente ao aniversário do médium:

"Porfírio Duarte Bezerra Junior — Fez anos ontem o nosso colega de imprensa, Porfírio Duarte Bezerra Junior, diretor de O Christóphilo e presidente do Centro Espírita Christóphilos. Espírito culto e coração boníssimo, o aniversariante, cuja vida é um constante apostolado pela caridade e maior compreensão entre as criaturas, recebeu efusivas demonstrações de sincera amizade, por parte de seus inúmeros confrades, amigos e admiradores. Ao caro colega, enviamos também os nossos cumprimentos".

O médium não consentiu que o seu trabalho fosse suspenso. Em seu leito de dor cumpria fielmente os seus deveres de médium receitista, procurando amenizar o sofrimento alheio, esquecendo-se de seu próprio. Os pedidos de receita eram levados à sua residência e todos eram providenciados por Porfírio.                                     

Foi buscar para si o que tinha de sobra para dar, mas não sabia.

Com Porfírio cumpria-se mais uma das afirmativas do Divino Mestre: “Em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e outras maiores” - João, 14: 12.

 

Referências:

(1) O Céu e o Inferno, Cap. VII - Código penal da vida futura, de Allan Kardec - Ed. FEB.

(2) Operador de linotipo, antiga máquina mecânica usada em tipografia e edição de jornais, provida de teclado cuja digitação do texto resultava em letras matrizes que, fundidas em chumbo eram organizadas em placas, possibilitando a impressão pretendida.

(3) Na época, a cidade do Rio de Janeiro era a Sede do Governo Federal.

(4) Nome sugerido em 1918 por Antônio de Oliveira, Mentor da Casa, esclarecendo o seu significado: "Amigos do Cristo".

(5) Relato de Antônio Luiz Pereira, 1º secretário que sucedeu Porfírio na presidência do C. E. Cristófilos, em 1946, a pedido do próprio Porfírio.


Nota do autor: 

Agradecimentos à Sra. Ondina Magalhães, atual presidente do C. E. "Cristófilos" - Niterói-Rio de Janeiro-RJ.



 


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