Chico tinha pouco tempo para
estripulias profanas.
Carregava um vulcão na
cabeça. As erupções,
incessantes, geravam
bateladas de livros. Em
1940, ele lançou três novos
títulos e ainda faltavam
dezenove para ele atingir a
cota de trinta combinada com
Emmanuel.
Mas os romances e poemas do
além causavam menos impacto
do que os textos que ele
começava a escrever em
sessões realizadas entre
amigos espíritas: os recados
enviados do céu por parentes
mortos a suas famílias.
Naquele ano, Chico colocou
no papel uma carta assinada
por um garoto de onze anos,
Sílvio Lessa, destinada a
seu pai, Amaro. O menino
tinha morrido e mandava
lembranças do outro mundo.
Estava feliz. Sua morte foi
útil.
Graças ao sofrimento
provocado pela morte do
garoto, seu pai se aproximou
do Espiritismo e passou a
ajudar crianças pobres.
Sílvio estimulava a caridade
paterna no texto escrito por
Chico: "Quando for em
auxílio dos pequeninos
desfavorecidos pelo mundo, o
seu coração há de me ver no
sorriso de todas as crianças
a quem estimar como seus
próprios filhos..."
Para os críticos
distanciados, o texto pecava
por pieguice.
Para a família, as frases
provavam a sobrevivência do
morto e davam novo sentido à
vida. O pai apostou em cada
palavra da carta: Ela é
absolutamente autêntica.
Sílvio tocou em pontos
absolutamente, cuja
realidade é indiscutível.
Em sua carta, o garoto
contava uma parábola indiana
ouvida no colégio. A
história era exemplar: um
camponês tentava atravessar
um rio com uma vaca e um
bezerrinho. Mas a vaca se
recusava a fazer a
travessia. Ele empurrava,
puxava, chicoteava o animal,
mas nada. Exausto, após
várias tentativas frustradas
de mover o bicho, ele
segurou o bezerro nos braços
e atravessou o ribeirão.
Para alcançar o filhote, a
vaca finalmente se mexeu e
passou de uma margem à
outra.
A parábola guardava uma
lição dolorosa: o
afastamento, ou melhor, a
morte de um filho, serviria,
muitas vezes, para levar a
pessoa ao outro lado da
vida. Ao Espiritismo, por
exemplo. As chamadas
"mensagens particulares"
ainda eram raras. Só a
partir de 1967, após
completar quarenta anos de
contatos com o além, Chico
receberia em sessões
públicas, todas as semanas e
em série, os recados de
mortos para a família.
Muitos céticos seriam
convertidos.
As sessões com a presença do
Dr. Bezerra de Menezes e os
recados do outro mundo
serviam à divulgação do
Espiritismo. As pessoas
chegavam a Pedro Leopoldo em
busca de ajuda médica, de
conselhos espirituais ou de
textos do além e voltavam
para casa com livros embaixo
do braço. De autógrafo em
autógrafo, Chico difundia as
lições de Allan Kardec,
defendia a vida após a
morte, consolava. Mas às
vezes ficava inconsolável.
Em 1941, a viúva de José
Cândido Xavier, Geni Pena,
enlouqueceu. As rezas, os
passes, as sessões de
leitura do Evangelho no
Centro Luiz Gonzaga foram
inúteis. Chico teve de
internar a cunhada num
hospício em Belo Horizonte.
Arrasado, ele acompanhou a
doente até o quarto, ficou
ao seu lado algumas horas e
voltou para casa à noite.
Estava arrasado. O filho
caçula da moça, paralítico,
chorava na cama, sozinho.
Chico se ajoelhou e começou
a rezar. As lágrimas
corriam, ele se lembrava do
irmão, se sentia culpado,
impotente. De repente,
Emmanuel entrou em cena,
incomodado com a choradeira:
- Por que você chora?
Chico contou o drama da
cunhada, lamentou a situação
do sobrinho e foi
interrompido por um sermão
do recém-chegado:
- Não. Você está chorando
por seu orgulho ferido. Você
aqui tem sido instrumento
para cura de alguns casos de
obsessão, para a melhoria de
muitos desequilibrados.
Quando aprouve ao Senhor que
a provação viesse para
debaixo de seu teto, você
está com o coração ferido,
porque foi obrigado a
recorrer à assistência
médica, o que, aliás, é
muito natural. Uma casa de
saúde mental, um hospício, é
uma casa de Deus.
Chico ouviu as críticas em
silêncio, mas, entre um
soluço e outro, pediu a
recuperação da cunhada o
mais rápido possível. O
discurso se estendeu:
- Imaginemos a Terra como
sendo o Palácio da Justiça,
e a mulher de José como
sendo uma pessoa incursa em
determinada sentença da
justiça. Eu sou o advogado
dela e você é serventuário
do Palácio da Justiça. Nós
estamos aqui para rasgar ou
para cumprir o processo?
Para cumprir, respondeu
Chico e, ainda aos prantos,
insistiu: O senhor tem que
saber que ela é minha irmã
também.
Emmanuel perdeu a paciência
de vez:
- Eu me admiro muito,
porque, antes dela, você
tinha lá dentro, naquela
casa de saúde, trezentas
irmãs e nunca vi você ir lá
chorar por nenhuma. A dor
Xavier não é maior do que a
dor Almeida, do que a dor
Pires, do que a dor Soares,
a dor de toda a família que
tem um doente. Se você quer
mesmo seguir a doutrina que
professa, em vez de chorar
por sua cunhada, tome o seu
lugar ao lado da criança que
está doente, precisando de
calor humano. Substitua
nossa irmã e exerça, assim,
a fraternidade.
Chico engoliu o choro,
enxugou o rosto e abraçou o
sobrinho.
Do livro As Vidas de
Chico Xavier , de Marcel
Souto Maior.
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