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Crônicas e Artigos

Ano 10 - N° 507 - 12 de Março de 2017

FELINTO ELÍZIO DUARTE CAMPELO
felintoelizio@gmail.com
 
Maceió, Alagoas (Brasil)

 


A formiga e o tigre


Ouvia-se um grande alarido na mata. Levada pela curiosidade, uma saúva, querendo investigar o que ocorria, contornou obstáculos, venceu dificuldades até chegar a uma clareira onde se realizava uma assembleia de bichos.

Em acalorados debates, discutia-se qual o animal mais forte, o mais inteligente e o mais necessário à comunidade.  

Imponente, o leão assomou à tribuna, encrespou a juba dourada e falou com soberba:

 Eu, cognominado o rei dos animais, sou o mais forte e o mais inteligente. Conquisto e domino todo o território ao alcance de minha vista. Imponho minha vontade, meus súditos obedecem.

 O elefante, batendo vigorosamente suas patas contra o solo, em veemente protesto, fez estremecer o chão. O improvisado palanque desmontou-se e, assustadíssimo, o leão rolou por terra.

 Compare, senhor leão, o seu tamanho com o meu e diga qual o mais forte. Com a minha tromba sou capaz de arremessá-lo para fora desta assembleia. Duvida?

 Calma, amigos    interveio a raposa   não é só a força bruta que conta, há de considerar-se também a astúcia. Sagacidade não me falta, posso, então, ser considerada a mais inteligente.

Dentes à mostra em riso sarcástico, a hiena arrogou-se o direito de ser o animal mais necessário, dizendo:

 Alimento-me dos restos de caça em decomposição, saneio o ambiente; em consequência, deixo o ar livre dos miasmas para o bem-estar de todos. Quem presta serviço igual?

 Eu, a girafa, posso prestar um melhor serviço. Alta como uma torre, vejo antes o perigo que se avizinha e dou o alarme para que vocês, os baixinhos, se protejam.

Não concluiu sua autopromoção. O rinoceronte bramiu irônico:

 Torre que eu derrubo na primeira cabeçada. Meu corpo é revestido de uma couraça invulnerável, os chifres que trago no focinho são irresistíveis e minha força pode ser comparada à de três elefantes. Minha única falha está na visão deficiente. Por vezes, mal distingo o adversário; mesmo assim, exijo o título de o mais vigoroso.

Não havia consenso. Cada qual atribuía a si qualidades incomuns, sobravam os autoelogios, pululavam exclamações de desprezo e de escárnio.

Ao tentar expor sua opinião, a pobre formiga sofreu uma saraivada de apupos. Tida como predadora das plantas, ouviu, desolada, o remoque do tigre:

 Cala a boca, cortadeira vagabunda, você só serve para tira-gosto de tamanduá.

Correndo em torno da formiga, rugindo para assustá-la, o inditoso tigre pisou numa armadilha deixada por caçadores e, repentinamente, viu-se dependurado de cabeça para baixo, sem condição de soltar-se.

Contrastando com os desentendimentos ocorridos durante a reunião, a aflição causada pelo incidente e o sentimento de solidariedade estavam patentes na maioria dos animais ali presentes.

Seus companheiros faziam de tudo para libertá-lo, entretanto nenhum conseguia desatar o laço feito com bem urdida fibra vegetal.

O leão bramiu com tristeza, declarando-se impotente. Nas seguidas tentativas, feriu a perna do tigre com suas afiadas unhas.

O elefante, quanto mais usava a tromba, mais apertava a laçada provocando dores insuportáveis ao angustiado felino.

A raposa logo desistiu, faltava-lhe habilidade.

A hiena, destoando da tristeza geral, ria à toa, dizia aguardar a morte do incauto para cumprir sua missão.

A girafa alegava não ter meios de ajudar, era alta demais e meio desengonçada.

O rinoceronte sequer enxergava o cordel que mantinha o tigre preso.

Humilde, sem guardar ressentimento, a formiga ofereceu-se para “cortar” o laço. Foi até o arbusto onde seu ofensor se encontrava em insólita situação. Findos prolongados minutos de tensa expectativa, chamou o elefante e pediu sem afetação:

 Com sua tromba, segure o tigre para evitar que ele caia no chão e se machuque. O laço está para romper-se, faltam poucas mordidas.

No preciso instante da esperada libertação, a formiga foi delirantemente aplaudida.

O tigre, envergonhado, retirou-se após apresentar mil pedidos de desculpas.

A assembleia foi dissolvida com o retorno dos participantes a seus afazeres naturais. Ficou, porém, gravado na lembrança de todos os bichos o exemplo de humildade, de esquecimento das ofensas recebidas e do amor fraterno dado pela formiguinha. Ficou também a extraordinária lição de que cada ser tem uma importante função a desempenhar no grande concerto da vida, independentemente do tamanho, do vigor físico, da cor, da raça, do credo.

Assim, como bichos, comporta-se grande parte da humanidade ainda presa a interesses exclusivamente materiais.

Uns, por orgulho e ambição, conquistam nações, subjugam e oprimem povos, qual prepotente leão. Muitos, tocados em sua vaidade, ameaçam os mais frágeis, como um elefante enfurecido. Alguns usam ardis para empreenderem negócios inescrupulosos em prejuízo de terceiros, à feição de raposa manhosa.

Outros, no intuito de entesourar bens terrenos, roubam viúvas indefesas, ao modo de hiena ridente à espreita de despojos.

Tantos, do alto dos seus castelos, pensam estar vigilantes e menosprezam os que labutam em plano inferior, assemelhando-se à girafa presunçosa.

Muitos, também, sentem-se invulneráveis sem que possam vislumbrar uma réstia da justiça e do bem, tal um rinoceronte de visão imperfeita.

Esquecem-se de que voltarão à Terra, em dolorosas reencarnações expiatórias e de resgate, para repararem com o próprio esforço os danos morais e materiais causados aos outros, até que, saldados todos os débitos, possam iniciar etapas novas de crescimento espiritual.

Poucos, muito poucos, vivem em conformidade com o Evangelho de Jesus, comportam-se como simples formiguinha, despretensiosa, que, na estória, soube exercitar o amor desinteressado e o perdão incondicional, sem limites.




 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita