FELINTO ELÍZIO
DUARTE CAMPELO
felintoelizio@gmail.com
Maceió, Alagoas
(Brasil)
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A formiga e o
tigre
Ouvia-se um
grande alarido
na mata. Levada
pela
curiosidade, uma
saúva, querendo
investigar o que
ocorria,
contornou
obstáculos,
venceu
dificuldades até
chegar a uma
clareira onde se
realizava uma
assembleia de
bichos.
Em acalorados
debates,
discutia-se qual
o animal mais
forte, o mais
inteligente e o
mais necessário
à comunidade.
Imponente, o
leão assomou à
tribuna,
encrespou a juba
dourada e falou
com soberba:
– Eu,
cognominado o
rei dos animais,
sou o mais forte
e o mais
inteligente.
Conquisto e
domino todo o
território ao
alcance de minha
vista. Imponho
minha vontade,
meus súditos
obedecem.
O elefante,
batendo
vigorosamente
suas patas
contra o solo,
em veemente
protesto, fez
estremecer o
chão. O
improvisado
palanque
desmontou-se e,
assustadíssimo,
o leão rolou por
terra.
– Compare,
senhor leão, o
seu tamanho com
o meu e diga
qual o mais
forte. Com a
minha tromba sou
capaz de
arremessá-lo
para fora desta
assembleia.
Duvida?
– Calma,
amigos –
interveio a
raposa – não
é só a força
bruta que conta,
há de
considerar-se
também a
astúcia.
Sagacidade não
me falta, posso,
então, ser
considerada a
mais
inteligente.
Dentes à mostra
em riso
sarcástico, a
hiena arrogou-se
o direito de ser
o animal mais
necessário,
dizendo:
– Alimento-me
dos restos de
caça em
decomposição,
saneio o
ambiente; em
consequência,
deixo o ar livre
dos miasmas para
o bem-estar de
todos. Quem
presta serviço
igual?
– Eu,
a girafa, posso
prestar um
melhor serviço.
Alta como uma
torre, vejo
antes o perigo
que se avizinha
e dou o alarme
para que vocês,
os baixinhos, se
protejam.
Não concluiu sua
autopromoção. O
rinoceronte
bramiu irônico:
– Torre
que eu derrubo
na primeira
cabeçada. Meu
corpo é
revestido de uma
couraça
invulnerável, os
chifres que
trago no focinho
são
irresistíveis e
minha força pode
ser comparada à
de três
elefantes. Minha
única falha está
na visão
deficiente. Por
vezes, mal
distingo o
adversário;
mesmo assim,
exijo o título
de o mais
vigoroso.
Não havia
consenso. Cada
qual atribuía a
si qualidades
incomuns,
sobravam os
autoelogios,
pululavam
exclamações de
desprezo e de
escárnio.
Ao tentar expor
sua opinião, a
pobre formiga
sofreu uma
saraivada de
apupos. Tida
como predadora
das plantas,
ouviu, desolada,
o remoque do
tigre:
– Cala
a boca,
cortadeira
vagabunda, você
só serve para
tira-gosto de
tamanduá.
Correndo em
torno da
formiga, rugindo
para assustá-la,
o inditoso tigre
pisou numa
armadilha
deixada por
caçadores e,
repentinamente,
viu-se
dependurado de
cabeça para
baixo, sem
condição de
soltar-se.
Contrastando com
os
desentendimentos
ocorridos
durante a
reunião, a
aflição causada
pelo incidente e
o sentimento de
solidariedade
estavam patentes
na maioria dos
animais ali
presentes.
Seus
companheiros
faziam de tudo
para libertá-lo,
entretanto
nenhum conseguia
desatar o laço
feito com bem
urdida fibra
vegetal.
O leão bramiu
com tristeza,
declarando-se
impotente. Nas
seguidas
tentativas,
feriu a perna do
tigre com suas
afiadas unhas.
O elefante,
quanto mais
usava a tromba,
mais apertava a
laçada
provocando dores
insuportáveis ao
angustiado
felino.
A raposa logo
desistiu,
faltava-lhe
habilidade.
A hiena,
destoando da
tristeza geral,
ria à toa, dizia
aguardar a morte
do incauto para
cumprir sua
missão.
A girafa alegava
não ter meios de
ajudar, era alta
demais e meio
desengonçada.
O rinoceronte
sequer enxergava
o cordel que
mantinha o tigre
preso.
Humilde, sem
guardar
ressentimento, a
formiga
ofereceu-se para
“cortar” o laço.
Foi até o
arbusto onde seu
ofensor se
encontrava em
insólita
situação. Findos
prolongados
minutos de tensa
expectativa,
chamou o
elefante e pediu
sem afetação:
– Com
sua tromba,
segure o tigre
para evitar que
ele caia no chão
e se machuque. O
laço está para
romper-se,
faltam poucas
mordidas.
No preciso
instante da
esperada
libertação, a
formiga foi
delirantemente
aplaudida.
O tigre,
envergonhado,
retirou-se após
apresentar mil
pedidos de
desculpas.
A assembleia foi
dissolvida com o
retorno dos
participantes a
seus afazeres
naturais. Ficou,
porém, gravado
na lembrança de
todos os bichos
o exemplo de
humildade, de
esquecimento das
ofensas
recebidas e do
amor fraterno
dado pela
formiguinha.
Ficou também a
extraordinária
lição de que
cada ser tem uma
importante
função a
desempenhar no
grande concerto
da vida,
independentemente
do tamanho, do
vigor físico, da
cor, da raça, do
credo.
Assim, como
bichos,
comporta-se
grande parte da
humanidade ainda
presa a
interesses
exclusivamente
materiais.
Uns, por orgulho
e ambição,
conquistam
nações, subjugam
e oprimem povos,
qual prepotente
leão. Muitos,
tocados em sua
vaidade, ameaçam
os mais frágeis,
como um elefante
enfurecido.
Alguns usam
ardis para
empreenderem
negócios
inescrupulosos
em prejuízo de
terceiros, à
feição de raposa
manhosa.
Outros, no
intuito de
entesourar bens
terrenos, roubam
viúvas
indefesas, ao
modo de hiena
ridente à
espreita de
despojos.
Tantos, do alto
dos seus
castelos, pensam
estar vigilantes
e menosprezam os
que labutam em
plano inferior,
assemelhando-se
à girafa
presunçosa.
Muitos, também,
sentem-se
invulneráveis
sem que possam
vislumbrar uma
réstia da
justiça e do
bem, tal um
rinoceronte de
visão
imperfeita.
Esquecem-se de
que voltarão à
Terra, em
dolorosas
reencarnações
expiatórias e de
resgate, para
repararem com o
próprio esforço
os danos morais
e materiais
causados aos
outros, até que,
saldados todos
os débitos,
possam iniciar
etapas novas de
crescimento
espiritual.
Poucos, muito
poucos, vivem em
conformidade com
o Evangelho de
Jesus,
comportam-se
como simples
formiguinha,
despretensiosa,
que, na estória,
soube exercitar
o amor
desinteressado e
o perdão
incondicional,
sem limites.