LEONARDO
MARMO MOREIRA
leonardomarmo@gmail.com
São João
Del Rei, MG (Brasil)
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O silêncio, realmente,
é
uma prece?
É muito comum
encontrarmos, ainda
hoje, em muitos centros
espíritas, tabuletas com
a pouco refletida, e nem
por isso pouco polêmica,
frase: “O SILÊNCIO É UMA
PRECE” ou alguma
variação de construção
linguística, que, na
maioria das vezes,
denota a mesma ideia
básica. Tais dizeres são
encontrados em salões de
palestras, em salas de
grupos de estudos ou até
mesmo em livrarias e
bibliotecas.
Na maioria das vezes, a
ideia básica da sentença
é passar a mensagem
subliminar de que todos
devem ficar quietos, ou
seja, calados, sem
conversar, para não
atrapalhar o ambiente e,
sobretudo, o palestrante
e/ou o coordenador dos
estudos.
A questão é saber se o
silêncio consiste
realmente em uma prece,
uma vez que o fato de
termos necessidade do
silêncio para o bom
andamento dos trabalhos
não tornaria
necessariamente o ato de
estarmos calados uma
oração. Ou tornaria?
Reflitamos sobre isso...
Sabemos que “os fins NÃO
são justificados pelos
meios”, ainda mais em
uma Doutrina de
libertação das
consciências, como é o
caso do Espiritismo.
Assim sendo, no centro
espírita, a universidade
da Alma, não podemos
considerar razoável a
prática corriqueira, em
nossa sociedade, da
utilização frequente das
denominadas “mentiras
brancas”, também
chamadas “mentiras
leves”, para atingirmos
fins espirituais. Tais
hábitos têm suas origens
nas religiões
tradicionais do passado,
as quais faziam mitos
virarem verdades
doutrinárias para que o
medo e a ignorância
gerassem os resultados
morais esperados pelos
orientadores religiosos.
Foi assim que foi feito
com o Diabo e também com
o Inferno Eterno, os
quais continuam
amedrontando muitas
pessoas, inclusive,
líderes religiosos, a
fim de que o medo,
supostamente, leve tais
indivíduos “tementes a
Deus” a “pecarem” menos.
A Doutrina Espírita,
fundamentada na fé
raciocinada e
científica, é uma
proposta eminentemente
educacional. Por isso,
todos os conceitos
direta ou indiretamente
relacionados ao
Espiritismo podem, e
devem, ser questionados,
estudados e refletidos
racionalmente para que
“encontremos a Verdade
para que a Verdade nos
liberte”.
A oração é um ato
voluntário de
direcionamento dos
pensamentos e
sentimentos para
objetivos mais nobres,
constituindo de uma
reflexão racional sobre
os aspectos espirituais
da Vida em um colóquio
sublime com o Criador
e/ou os Mentores
espirituais. Pode ter
objetivos pessoais e/ou
coletivos, dependendo
das intenções daquele
que ora. Poderíamos até
afirmar que a oração
verdadeiramente elevada
já é um início, ou uma
parte, de um processo
mais amplo de reforma
íntima.
Por outro lado, estar em
silêncio, pelo menos do
ponto de vista material,
é estar calado, ou seja,
sem falar nada, e,
ademais, sem fazer
excessivos barulhos
através de nossa
movimentação corporal.
Alguns leitores podem
estar questionando se o
famigerado “silêncio”
das tabuletas não seria
uma espécie de
“silêncio” em um sentido
mais profundo (e até
metafórico), ou seja, um
tipo de silêncio
espiritual, que
contemplasse tanto o
silêncio da boca como o
silêncio do coração.
Nessa hipótese, um tanto
quanto forçada, teríamos
que questionar: o que
seria esse “silêncio”?
De fato, algo tão
profundo assim teria que
ser enfocado, com
frequência, nas casas
espíritas para que os
adeptos, principalmente
os novatos,
compreendessem a ideia
geral desse, suposto,
“silêncio interior”,
para, subsequentemente,
entender a ideia
profunda intrínseca à
mensagem “O SILÊNCIO É
UMA PRECE”. Tal estudo
não costuma ser
desenvolvido nas casas
espíritas. E por que
razão? Justamente porque
tal profundidade não
existe. O “silêncio” das
referidas mensagens é
apenas uma recomendação
para que haja um esforço
no sentido de que os
frequentadores façam a
menor quantidade de
barulho possível.
E como ninguém questiona
as tabuletas, elas vão
passando de geração para
geração.
É curioso notar algumas
cenas que ocorrem com
certa frequência em
casas espíritas
relacionadas a tais
dizeres. Muitas vezes um
novo frequentador ou uma
criança ou jovem está
conversando
exageradamente antes ou
durante determinada
palestra, por exemplo, e
algum companheiro aponta
a tabuleta recomendando
o silêncio. Veja bem,
recomenda-se com tal
atitude o silêncio, e
não a prece.
Admitindo que em algumas
raras e especiais
exceções, haja realmente
esse ideia mais
profunda, tal sentido
deve, de tempos em
tempos, ser explicitada
nas reuniões públicas, a
fim de que os neófitos
entendam a proposta.
Ainda assim, a frase não
se torna correta em
função dessa boa
intenção e das
respectivas
explicações.
Temos nessa simples
frase mais um triste
exemplo de “prática
tradicional”, para não
dizer quase que
ritualista, sem
fundamentação
minimamente racional.
Precisamos lembrar que
uma pessoa em silêncio
pode estar pensando em
cometer suicídio,
praticar um roubo, ou
até mesmo cometer um
assassinato. Pode estar
profundamente obsedada e
mergulhada em
sentimentos de ódio e
ressentimento. Temos
exemplos disso todos os
dias, nos mais variados
ambientes, desde
hospitais psiquiátricos
até mesmo nos convívios
familiares, passando,
obviamente, pelos
núcleos religiosos,
entre outros ambientes.
Em algumas tabuletas
mais objetivas, nas
quais esteja escrito
laconicamente “SILÊNCIO
É PRECE”, poderíamos
fazer uma sugestão para
aqueles que não querem
se desfazer do quadro.
Que tal apagar o acento
agudo e trocar “SILÊNCIO
É PRECE” por “SILÊNCIO E
PRECE”, que teria muito
mais consistência do
ponto de vista
doutrinário?!
O silêncio é, sem
dúvida, uma condição
fundamental para
diversos trabalhos na
casa espírita, mas não
se torna sinônimo de
prece somente por isso,
em que pese que pode, em
muitos casos, ser um
fator predisponente (mas
não imprescindível) para
uma subsequente ou
concomitante prece.
Reflitamos sobre cada
atitude, prática ou
convenção que adquirimos
e muitas vezes criamos
em nossos arraiais, para
que, natural e
paulatinamente, as
atitudes de simplicidade
e de verdadeira
religiosidade, em um
sentido efetivamente
racional, sejam cada vez
mais cultivadas. Esse
processo tende a
favorecer a ocorrência,
o quanto antes, da época
em que “Deus será
adorado em Espírito e
Verdade”, como nos
ensinou nosso Mestre
Maior, Jesus de Nazaré.