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Crônicas e Artigos

Ano 10 - N° 510 - 2 de Abril de 2017

ROGÉRIO MIGUEZ
rogmig55@gmail.com
São José dos Campos, SP (Brasil)

 


Algumas notas sobre
a salvação

 

Dentro do contexto religioso sempre houve acentuada preocupação sobre a tão desejada salvação. Há inúmeras citações na Bíblia sobre o tema, contudo, assim acreditamos, bem poucos sabem: como de fato salvar-se ou mesmo por que salvar-se?

O tema é de vivaz interesse entre os religiosos, obviamente, afinal, quem não almeja ser salvo para sentar-se à direita do Pai?

Há aqueles preconizando salvação pelo sangue de Jesus, contudo, se assim fosse, todos os cristãos já estariam salvos, em razão do sangue do Justo já ter sido derramado há bom tempo. O sacrifício do Mestre foi inigualável, contudo, apenas o sangue Dele não poderá nos conduzir à salvação.

Se a salvação for certa e inquestionável, após a vida atual, religiosos e mesmo os materialistas serão salvos, mesmo se não o desejarem, portanto, perde-se tempo lidando com a matéria, seria uma questão de lógica: como todos se salvarão, por qual razão se preocupar precocemente com o assunto?

Por outro lado, se a salvação é incerta, precisamos descobrir como a conquistaremos, considerando evidentemente nosso desejo em sermos salvos. E mais, se existe a possibilidade de não nos salvarmos, é possível imaginar alguns sendo salvos enquanto outros não, desta forma, haverá integrantes dentre as famílias separados definitivamente pela eternidade afora, proposta pouco alentadora. Além disso, se almejamos ser salvos, como faremos para alcançar a salvação o mais rápido possível? Como se nota, são muitas as interrogações.

Talvez a questão primeira a nos debruçarmos seja ajuizar se há salvação, pois desta decorrem outras: como, do que, para que salvar-se?

A interpretação espírita da salvação existe, e é voltada a orientar o Espírito a bem se conduzir na vida, do ponto de vista ético e moral, garantindo assim um futuro melhor nas muitas existências vindouras. Não obtendo sucesso nesta empreitada, o Espírito colherá os frutos amargos de suas escolhas, passando por sofrimentos e apreensões intermináveis, do seu ponto de vista, sendo estas, contudo, totalmente dispensáveis, pois só surgem pelo mal proceder.

Entretanto, este conceito espírita não se baseia no entendimento do inferno ou do céu como aceitam algumas tradições religiosas, porquanto, segundo a ótica espírita, o inferno e o céu podem realmente existir, porém, dentro de cada um de nós, em função de como vivemos, não contemplando a existência de um local no Universo onde todos os não salvos seriam enviados, sem direito a de lá sair, e, por oposição, outra localidade no Universo onde todos os salvos permaneceriam, convivendo com Deus pela eternidade afora.

A salvação espírita ocorre quando o Espírito observa os preceitos morais contidos nas leis divinas, assim agindo, não haverá temor no pós-morte, tampouco haverá vergonha, inquietação, nem ranger de dentes. Por outro lado, mesmo se o Espírito não seguir na totalidade os mandamentos morais, ele não será irremediavelmente condenado, sofrerá as temporárias consequências, voltará e prosseguirá a sua jornada até alcançar a perfeição.

A propósito, na nossa faixa evolutiva, não há qualquer Espírito em condições de observar rigorosamente todos os preceitos morais de forma continuada, só Espíritos de elevadíssima evolução podem fazê-lo, como estamos muito distantes desta condição, todos nós ainda oscilaremos entre o cumprimento e o descumprimento dos deveres morais, uns mais, outros menos.

Ainda dentro da visão espírita, como dito anteriormente, ninguém se perderá definitivamente, todos alcançarão uma relativa perfeição, contudo, este trilhar será diverso, uns chegando à meta primeiro, outros mais tarde, mesmo considerando dois Espíritos criados ao mesmo tempo, pois cada qual agirá por si mesmo, acertando e errando em momentos diversos de suas caminhadas. Estes sucessos e insucessos da jornada determinarão o tempo necessário para se conquistar o galardão definitivo de Espírito puro, contudo, é certo, mais cedo ou mais tarde, todos alcançarão esta meta. Conclui-se ser esta proposta eminentemente consoladora, possibilitando a qualquer Espírito terminar a sua jornada evolutiva com aproveitamento e, ao final, “sentarem-se” todos à direita do Pai.

Desta forma, a salvação espírita é uma realidade, mas enquanto não alcançamos a condição de pureza, representa uma salvação provisória. Para um determinado período na longa existência, é necessário sempre agir no bem para sempre se “salvar”, a cada nova existência, não é uma salvação definitiva, esta só ocorrerá ao final da jornada.

Enfatizamos uma vez mais, mesmo trilhando o caminho do mal, não há destinação perpétua de sofrimento, de fato, no próprio texto sagrado, a Bíblia, há pelo menos duas passagens opondo-se por completo à base de sustentação do conceito de inferno eterno, e foi o nosso Maior Mestre quem as formulou:

1. Eu te digo, não sairás de lá antes de pagares o último centavo.(1) Esta passagem confirma sermos nós mesmos a quitar as nossas próprias dívidas, e também ser perfeita a justiça divina, permitindo ao devedor pagar integralmente o seu débito. Observa-se ainda nessa afirmação do Nazareno a certeza de que, ao quitarmos o último centavo, nós estaremos livres das obrigações a pagar, não nos restando mais nada a saldar, derrubando por completo a tese das penas eternas, e quanto mais rápido pagarmos, mais rápido sairemos da “prisão”, pode-se também inferir do texto;

2. Que vos parece? Se um homem possui cem ovelhas e uma delas se extravia, não deixa ele as noventa e nove nos montes e vai à procura da extraviada? Se consegue achá-la, em verdade vos digo, terá maior alegria com ela do que com as noventa e nove que não se extraviaram. Assim, também, não é da vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca. (2) Ora, se nenhuma ovelha se desencaminhará para a perdição eterna, pode-se entender “extraviar-se” desta forma, não há também como imaginar um local ou região de sofrimentos perpétuos, abrigando todos os faltosos que não quitaram as suas respectivas dívidas. Ressalta também deste ensino não haver falta irremissível, ou seja, não existem pecados capitais.

Esclarece ainda a Doutrina sobre a existência de um mecanismo sábio e justo viabilizando a caminhada para a salvação plena: a reencarnação. Segundo esta lei, viveremos em mundos materiais até não existir mais nenhum resgate, após estas muitas vidas encarnados, só reencarnaremos em missões significativas em prol do progresso da Humanidade. Esta lei dá plena sustentação na afirmação de Jesus: todas as ovelhas serão salvas, sem exceção.

Por outro lado, a salvação espírita não nos conduzirá a um céu de contemplação, onde passaremos a eternidade escutando melodiosas harpas e saboreando frutas frescas ao lado do Criador; esta concepção é infantil e irreal, nos salvaremos para trabalhar mais junto a Deus, cumprindo as Suas deliberações que, nesta fase das nossas existências, serão perfeitamente entendidas, aceitas e desejadas.

Há muitos outros aspectos a considerar, contudo, terminamos estas ligeiras observações fazendo menção a uma passagem do Dr. Bezerra de Menezes:(3)

O espírita cristão é chamado aos problemas do mundo, a fim de ajudar-lhes a solução; contudo, para atender em semelhante mister, há que silenciar discórdia e censura e alongar entendimento e serviço.

É por essa razão que, interpretando o conceito “salvar” por “livrar da ruína” ou “preservar do perigo”, colocou Allan Kardec, no luminoso portal da Doutrina Espírita, a sua legenda inesquecível:

─ “Fora da caridade não há salvação”.

Sim, fazemos coro com o Médico dos Pobres, a caridade bem observada e principalmente praticada equivale a viver ética e moralmente conforme as leis de Deus.

Cremos ter respondido satisfatoriamente quatro questões fundamentais sobre o assunto:

1. Há salvação? – Sim, não há dúvida.

2. Como promovo a salvação? – Vivendo continuadamente conforme as leis de Deus.

3. Do que desejo me salvar? – Da ruína moral, preservando-me do perigo.

4. Por que quero me salvar? – Para trabalhar ativamente na grandiosa obra divina!


Referências:

1 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Trad. Gilberto da Silva Gorgulho et al. [8. imp.] São Paulo: Paulus Editora, 2012. Mateus 12: 59.

2 _____,_____. Mateus 18: 12-14.

3 XAVIER, Francisco C., VIEIRA, Waldo. O Espírito da Verdade. Autores diversos. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB Editora, 1982. cap. 3 - Legenda espírita.



 


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